Antigo casarão, onde funciona a (ASES), Associação Sergipana
de Supermercados. Rua Campos, no Bairro: São José, em Aracaju/SE.
Foto reproduzida do site: ases-se.com.br/ases
Casa que pertenceu a Dr. Carlos Firpo.
Publicado originalmente no site do Portal Infonet, em 22/05/2009.
Luiz Eduardo Costa e o crime da Rua de Campos.
Por Odilon Cabral Machado/Blog Infonet.
Quando eu soube dos fatos, o tema me parecera distante,
afinal eu não conhecia o assassinado, que alguns pronunciavam Dr. Firpo e
outros Dr. Filtro.
Quando o jornalista Luiz Eduardo Costa escreveu no Jornal do
Dia uma série de artigos sobre o crime da Rua de Campos, eu não consegui
acompanhar a publicação em sua totalidade. Agora, fruto de um encontro fortuito
com o escritor, consegui ler a totalidade do seu trabalho numa única sentada.
São 36 capítulos cheios de dados, conclusões e
interpretações, evidenciando um trabalho minucioso de pesquisa de documentos e
livros, entremeados de depoimentos dos que conviveram mais de perto com o tema,
seja como partícipes dos fatos, seja mediante testemunhos incompletos de feitos
“dantescos” mas observados, por bem assistidos e melhor interpretados. E que
permanecem tão incompletos quão insuficientemente explicitados, porque
desvestidos não foram ainda do pouco ora apurado.
Porque o tempo segue inconcluso, havendo ainda espaço para
se mascarar a cena e contaminar o tema, como se fora um enredo de cinema, às
avessas, mal feito ou feito às pressas. Só para dizer, que na impossibilidade
de concluir que o crime não compensa, é sempre possível, rapidamente solucionar
um problema, apurar, julgar e punir, em perfeita sanidade, matando-se logo o
culpado por ter já o crime confessado.
Valendo tudo, tudo valendo a pena, aplaudindo inclusive o
braço armado estatal quando exercendo uma crueldade inquisitorial, digna da
crueldade medieval, “silenciava” o que confessava, na pancada e no cacete sem
compressa, tudo arrimado por geral aparato judicial, legal e republicano, como
se valesse e prevalecesse no bestiário sergipano daquele tempo, um endosso
quase total, geral e inequívoco, de modo a coonestar que o crime sempre pode
compensar desde que a alma do infeliz seja pequena.
Na verdade a alma sergipana se apequenara sobremodo,
naqueles tempos de ódios e impunidades, e o crime da Rua de Campos serviria de
desfecho, uma espécie de chave de cobre azinhavrado a concluir momentos de
barbárie e violência, jamais apurados e nunca esquecidos.
E o trabalho de Luiz Eduardo resgata, com equilíbrio,
sensatez e seriedade, um tema que está a suscitar pesquisas e discussões,
afinal talvez não se conheça um crime de maior repercussão local, desde o
assassinato de Fausto Cardoso em 1906, aí seguindo as momentosas incursões
revolucionárias de Maynard Gomes, de 1924 e 1926, liderando as insatisfações
tenentistas, e o nosso 13 de Julho.
Acontecido no mesmo céu e quase na mesma luz, o cenário do
crime do médico Carlos Firpo não descortina um tempo dos sonhos românticos,
nutrido no sangue generoso, heróico e libertário vertido por Fausto, nem a
quadra de luta e de glória do movimento tenentista. Ali não se tenta sublevar
as classes oprimidas para a construção de uma pátria mais justa, mais fraterna
e mais repartida.
No cenário do crime da Rua de Campos há uma degradação de
idéias e de sonhos. Os móveis podiam ser os mesmos, as edificações sem maiores
mudanças, mas os homens se apequenaram e se fizeram bem miúdos. E como pigmeus
morais, se tornaram vergonhosos e permanecem envergonhados, encenando
personagens trágicos, quanto cômicos, desprovidos de grandeza, por degradantes
no agir, demonstrando que já não vigia em Sergipe, um procênio de luzes e
esperança.
Pelo contrário, os idos de 1958 se caracterizariam por um
retorno aos ruídos abissais por deletérios, dos vitupérios inquisitoriais, de
crimes institucionais. Parecia que uma bula demoníaca erigira um extrato
original do Santo Ofício ou do vandalismo medieval, e de tantos outros ofícios
nunca santos, mas em maldade descomunal, em alvedrios de arrepios, de desvios e
de desbrios, em calafrios de maldade, minudência de monstruosidade, incidência
que a humanidade já pensava carcomida e roída, afinal era o tempo do pós-guerra
e do descortino do Holocausto, mas que no encausto daquele tempo, permanecera
como monstruosa mancha, tisnando permanentemente no âmago desses homens, que no
mando ou na execução, quando não falseavam ou materializavam, contemplavam e
assistiam com dolosa omissão e culposa indiferença, em muita ciência e
contemplação.
Sim, porque houve momento para tudo. Momento de ficção,
invejando Agatha Christie e Conan Doyle, com bigode, mas sem a pança de Hercule
Poirot, inquiridores e investigadores de sagacidade e premonição superiores a
Dr. Watson e a Sherlock Holmes, sem lupa e sem cachimbo, com direito até a um
alemão não teutão, mas glutão e espancador, detetives burlescos e rocambolescos
a invejar Yrving Le Roy e Shell Scott, Tin Tin, Dupont e Dupond, os desenhos da
revista X9, entremeados por ocultação de cadáver, em meio ao léu e à escuridão,
e até as memórias sensuais de Giselle, a espiã nua que abalou Paris.
Tudo, porque, safados e caluniadores contumazes, junto a
muitos incapazes e outros muito capazes de tudo, ousaram até desenhar como
libertina a esposa do assassinado, D. Milena Mandarino, uma mulher até então
reverenciada e bem educada, e bastante respeitada na sociedade de então, e que
assim sempre permaneceu em retidão e em caráter.
E o relato de Luiz Eduardo Costa não tira nem acrescenta,
narrando os fatos, agora municiado de provas e documentos, num estudo rigoroso
e pormenorizado. História eivada de muitas estórias, que relembro auscultando
também o meu passado, afinal bem mais jovem que ele, eu também vivera
intensamente aqueles tempos, ouvindo muitos relatos políticos da minha
circundância e lendo os inúmeros jornais assinados em minha residência.
Porque naquele tempo, em fato raro àquela época, e que ainda
em mim persiste, recebia-se na minha residência, por assinatura, todos os jornais
locais, começando pelo Diário de Sergipe do PSD, o partido da oposição, o
Correio de Aracaju da UDN, o partido do Governador Leandro Maciel, A Cruzada, o
semanário da Diocese, O Nordeste do PTB e do Deputado Francisco Macedo, o
Sergipe Jornal do Dr. Paulo Costa e a Gazeta, então Socialista de Orlando
Dantas.
Por outro lado, e porque não se falava de uma melhor
ocupação, o rádio virara a única diversão, com os seus relatos ouvidos por
homens, mulheres e meninos, seja na estatal PRJ-6 - Rádio Difusora, a mais
moderada com a voz terna de Santos Santana, seja nos exageros da ZY-20 - Rádio
Liberdade com Silva Lima e o seu “Informativo Cinzano” das 12h25min destacado
por trinado Wagneriano: “No ar o informativo Cinzano, com as primeiras notícias
da tarde de hoje e as última da manhã que passou” e com Santos Mendonça no seu
famoso programa “Calendário”, programa político, entremeado por variedades e
curiosidades, de provérbios e santos do dia, que se iniciava às vinte horas,
após o término de “A voz do Brasil”, que naquele período até exibia audiência
integral em todos os receptores sergipanos.
E o crime da Rua de Campos ocupara todos os rádios e jornais
daquela época. O assassinado, logo se soube, fora o médico Carlos Firpo, homem
de muitos méritos e bons conceitos, diretor do Hospital Santa Isabel, morto com
requintes de crueldade e covardia, justamente quando dormia no recesso de seu
lar, sendo esfaqueado no abdome, sendo-lhe expostas as vísceras em
incontrolável hemorragia.
A cidade acordara em polvorosa. O assassinato ocorrera na
madrugada do dia 29 de abril de 1958, uma terça-feira, e logo a notícia se
espalhou tendo eu tomado conhecimento quando encontrei alguns colegas em
demanda do Educandário Brasília, colégio das professoras Helena Barreto, Alaíde
e Lourdinha Oliveira, onde eu concluía o curso primário.
Quando eu soube dos fatos, o tema me parecera distante,
afinal eu não conhecia o assassinado, que alguns pronunciavam Dr. Firpo e
outros Dr. Filtro.
Mas, a notícia vagarosamente decantou e foi filtrada. O
médico, esfaqueado covardemente, fora Prefeito de Aracaju num tempo passado e
manifestara alguma pretensão política, filiado que era à União Democrática
Nacional (UDN) que governava o estado, conjugando realização e perseguição.
Realidades discutidas amplamente na minha casa, sempre cheia de
correligionários e políticos, afinal meu pai, Cabral Machado, era neste tempo
um Deputado Estadual de muita importância, discursando diariamente na
Assembléia Legislativa, como líder da oposição e do Partido Social Democrático
(PSD), fustigando com eloqüência, elegância e cultura os desmandos violentos
perpetrados pelos liderados do então Governador, Leandro Maynard Maciel.
No relato de Luiz Eduardo, pode-se perceber muitos destes
ensaios de violência e de desmando, como o assassinato impune de Campos na
Barra dos Coqueiros, a perseguição aos Cearás (Baltazar, Zezé, Fenelon, Adolfo
e Percílio) em Ribeirópolis, o cerco a Pititó e a destruição da Usina Várzea
Grande pertencente a seu pai o industrial, Pedro Ribeiro, o abrigo dos
perseguidos no município de Serra Negra na Bahia, feudo do Cel. João Maria e do
General Liberato Carvalho, enfim diversos nomes a traduzir e sofrer violências
e perseguições políticas.
Mas, a despeito de tanta violência, o crime da Rua de Campos
não se inseria no contexto político de polarização RABO BRANCO X CARA PRETA,
como assim se tratavam pessedistas e udenistas.
Sobre o tema o escritor Ariosvaldo Figueiredo, citando o
“Sergipe Progressista” de João Sales de Campos, assim escreveu: “o rocambolesco
e brutal crime deixou perplexa a ordeira e pacata gente sergipana”.
E a pacata gente sergipana é bem citada no texto de Luiz
Eduardo, desde o grito de dor do ferido até os erros desferidos no processo e
na sua apuração.
O ferido, dizem os depoimentos desencontrados, homem forte e
destemido agarrara-se com o sicário esfaqueador que fraquejara e quase não
conseguira lograr tento ao cruel intento, fugindo atabalhoadamente pela Rua de
Campos, em demanda do rio Sergipe, sendo testemunhado por vizinhos do médico,
acordados por seus gritos e de seus familiares.
Entre os primeiros a socorrer, estavam o médico Aloísio
Andrade e o comerciante Antônio Barreto Fontes, por vizinhos e amigos mais
próximos.
Tentam socorrer, mas o caso envolve presteza de atendimento,
requer ajuda cirúrgica e urgente, não é trabalho para clinico ou cardiologista.
“Barreto, chame Machado, peça que ele cuide das minhas
filhas, diga a Milena que eu gosto muito dela.”, repete angustiado o ferido.
Machado era o médico José Machado de Souza, então
Vice-Governador do Estado, seu grande amigo, dedicado pediatra e humanista de
escol.
“Chame Canuto”, dirá depois, reconhecendo a necessidade da
presteza operatória do cirurgião Canuto Garcia Moreno, que se apressara junto
ao anestesista Fernando Sampaio para realizar a cirurgia.
Mas, o chamado e o socorro se faziam difíceis; os fios do
telefone tinham sido cortados pelos matadores, o SAMDU – Serviço de Assistência
Médica Domiciliar de Urgência não fora tempestivamente avisado e no sufoco da
agonia, ninguém se lembrara, que na própria garagem da casa do ferido estava
guardada uma ambulância.
O fato é que não houve salvação para o médico Carlos Firpo,
que faleceu exangue aos 49 anos de idade, às 03h20min segundo relato citado do
joalheiro Antônio Fontes um dos primeiros a socorrê-lo. Não houvera tempo de
“estancar a hemorragia, costurar os intestinos rasgados e recuperar um rim
atingidos pela faca do assassino.”
O enterro do médico, segundo Luiz Eduardo, fora carregado no
ombro pelos amigos transladando o féretro da Rua de Campos para o cemitério
Santa Isabel.
Nas minhas lembranças infantís de residente à Rua de
Pacatuba 192, vi o cortejo passar no velho carro fúnebre de véus violáceos e
penachos arroxeadas, resquício de beleza lúgubre da belle epoque, uma espécie
de carro alegórico operístico, bastante extravagante e de profundo mau gosto,
que Aracaju naquele tempo exibia.
Neste tempo Aracaju chamava a atenção por estas três
relíquias: A primeira era o “santo cabelão”, a resistente imagem do Senhor dos
Passados, abrigada ainda hoje no altar lateral da Igreja São Salvador, que
muito triste e bem mais medonha, transmite o sofrimento de Jesus carregando a
cruz nas “procissões do encontro”. A segunda, o cadilac de Jusse
Faro,carregando o governador de plantão nos desfiles de Sete de Setembro e a
terceira era este carro fúnebre de funesta memória.
Pois bem! Em minhas memórias, vejo este carro funerário
trazendo o caixão do Dr. Carlos Firpo que enguiçando frente a minha casa, ali
se imobilizou, apagando o fogo e necessitando ser empurrado por falha de
ignição, tendo eu ouvido de um circunstante, que isso se devia à presença do matador
assistindo a passagem do cortejo.
Como conseqüência da dor a cidade parara, as escolas
liberaram os alunos, as emissoras de rádio tocaram exclusivamente músicas
clássicas e o cortejo fora seguido por mais de uma centena de automóveis, um
recorde logo esquecido, igual às falas dos oradores à beira do túmulo.
Mas, se havia muita comoção, surgiam logo as primeiras
suspeitas. Fora um crime político?! Fora uma morte por vingança? Alguma
motivação relacionada com herança! Teria sido um crime passional?! Cherchez la
femme! - peroravam doutos e canalhas, para ampliação do mistério em burburinho.
E o desfecho se deu rápido, misturando tudo sem elucidar
quase nada. Pelos relatos agora bem reavivados tinham sido dois os matadores.
Eles tinham sido vistos assistindo a passagem do ataúde em demanda do Cemitério
Santa Isabel.
Testemunhas ouviram o espanto dos dois forasteiros ao
constatar o sofrimento do povão que carpia o excelente conceito do médico
assassinado. Tinham matado um homem importante, muito bom e caridoso, um homem
destinado só a minorar o sofrimentos dos pobres e a recuperar as suas vidas. E
o remorso e o medo começaram a assolar os matadores.
Os assassinos não são daqui, saber-se-á depois. São de fora,
são sertanejos de Itapicurú D’Água, em Jeremoabo, lá pras bandas do Raso da
Catarina, não muito distante da usina recém construída de Paulo Afonso na
Bahia.
Estão hospedados na pensão de Dona Estela, saber-se-á
também, na Rua Itabaianinha entre Santa Rosa e Florentino Menezes, e queriam
viajar logo, retornar para casa com urgência, porque a curiosidade e o jeito de
ambos já estão despertando suspeitas, sendo quase descobertos por Manoel
Pereira de Figueiredo, Diretor do Departamento de Trânsito e de seu motorista,
o guarda civil José Bispo dos Santos.
Para fugir, alugam um carro de praça, como assim se chamavam
os táxis de então. O contratado é Daniel, motorista sediado na Praça Serigy
para levá-los ao desertão baiano em viagem noturna.
Firmado o acordo do pagamento, Daniel abastece o automóvel,
um Ford 1942, chapa 11-50 de cor preta, no posto de Berro Grosso na proximidade
do cemitério Santa Isabel, segundo relato detalhado de Luiz Eduardo.
A viagem fora tranqüila, tendo Daniel desconfiado porque,
rotineiramente, seus passageiros se comportavam de uma maneira muito esquisita,
demonstrando algum temor, sobretudo na passagem do Posto Fiscal, quando o carro
tivera que aguardar a liberação policial da corrente, que permanecia erguida
interrompendo o fluxo da estrada.
Nada, porém, iria interromper a viagem, mesmo a vigilância
do Posto Fiscal feita pelo Sargento Celso e pelo Cabo Mirabeau, ambos
conhecidos do motorista Daniel que identificara os seus passageiros como
comerciantes em Paulo Afonso.
Mas, a viagem cansativa e as conversas mal trocadas, com a
preocupação de novos cercos policiais, tudo evidenciava uma suspeita crescente
em Daniel que dirigia sem parar, chegando a Carira, depois das nove horas da
noite, prosseguindo agora em sobressalto em plena noite clara de lua cheia,
cenário desértico da Malhada Nova de então.
Em alguns momentos, dirá depois o motorista, pensara em
pedir socorro a alguém. Mas, quem lhe socorreria?!
Finalmente o carro atingiu o Posto Fiscal de Jeremoabo onde
Daniel encontrou um seu conhecido, o soldado Adalberto, que também conhecia os
passageiros e com eles travou animada conversa.
E a viagem terminaria já bem mais calma, por volta da meia
noite, quando chegaram ao povoado de Itapicurú D’Água, desprovido de iluminação
elétrica.
Ali Daniel recusaria o pernoite, na única casada caiada do
arruado, tendo o chofer acompanhado de longe os passageiros que ali adentravam.
Neste ponto da narrativa, vale destacar que o relato
detalhista do jornalista toma formas beletristas de poeta, descrevendo o alívio
do motorista, com a vida conservada e a carteira abastecida com os três mil e
quinhentos cruzeiros do pagamento da corrida, ouvindo no exato tempo daquela
hora “o canto sincopado e estridente de um bando de acauãs festejando a noite
de luar esbranquiçada, luminosamente espalhando-se sobre a vastidão das
caatingas”.
Para o poeta Aidenor Aires, nascido em Riachão das Neves -
Bahia, membro da Academia Goiana de Letras e Presidente do Instituto Histórico
e Geográfico de Goiás, o canto da acauã “Com sua voz de litanias e incelenças
dá à tarde um tom de aflorada infância. Canta seu verso de prístina memória,
que aos ouvidos dos avós soava como badaladas de réquiem. ‘Vai à cova!... Vai à
cova!... Vai à cova! ’ Seu responsório não invoca mais as mortes humanas, que
disto se encarrega o trânsito, as balas, as jovens e anciãs enfermidades. Sem
necessidade de ajuda os desalentados viventes vão se deixando levar sem
resistência. Mas a acauã, no entardecer, não desata inutilmente sua voz de
quase invisível ventre, de fugaz instrumento de penas. Recorda um tempo pueril
de matas, campinas, rios e córregos”.
E prossegue o poeta para quem a acauã captura “por retalhos
ou relâmpagos de tempo, a memória da extinta floresta, os ecos dos ermos e uma
remanescente infância.” E os homens alheados em suas certezas breves, com a
alma encarcerada no concreto, no asfalto e na ganância recolhem nesta
“interferência lírica” um arrepio de prístinos presságios.
“Que busca a acuada acauã no onomatopaico canto: “Vai à cova!...
Vai à cova!... Vai à cova!..”?
Estaria o pássaro querendo “despertar os homens,... acordar
os meninos asfixiados pela pressa, os compromissos e as gravatas,...”? Estaria
a semear “no bochorno da tarde evocação de afetos, memento de que ainda gozamos
mistérios”?
Seria um convite ao passado, ao “infantil temor agasalhável
em cobertores e zelos maternais,...
infância que (só ela) pode resgatar o mundo”?
Sim, porque só os bardos compreendem o alarido solitário da
acauã, afinal os vates também cantam sozinhos e “vão ao lado dos homens com
suas liras rotas, suas amadas pálidas cantando para despertar as manhãs, a
lembrança das amadas ceifadas pelo olvido e a morte.”
Iguais à acauã, os poetas “obedecem às estações, perscrutam
vozes que se armam no silêncio, e crêem nas noites e nas alvoradas.”
Para Luiz Eduardo Costa, porém, o chilreio da acauã naquela
madrugada, calara fundo na alma do motorista Daniel, abafando-lhe o sono e
dirimindo o seu cansaço. Era preciso retornar a Aracaju, partilhar sua experiência
de transportar homens tão misteriosos e circunspetos. Seriam eles os matadores
do Dr. Carlos Firpo? Perguntava-se com as acauãs a repetir: “Vai à cova!... Vai
à cova!... Vai à cova!”
Passando de volta pelo Posto Fiscal de Jeremoabo, e
recuperando os seus documentos que ali tinham sido retidos, toma conhecimento
pelo guarda Adalberto, que os seus passageiros eram pessoas bem conhecidas
naquela região.
O mais alto, o troncudo e enfarruscado era Euclides Timóteo,
“indivíduo de péssima fama, matador, pistoleiro de aluguel”, muito protegido na
área, “que há menos de um mês assassinara um soldado em Paulo Afonso”, sem que
nada lhe acontecesse.
Quanto ao outro, o matuto baixinho, de compleição franzina,
gestos tolos e mãos calosas, tratava-se de Pereirinha, “trabalhador marteleiro
da CHESF”, indivíduo gozando de bons antecedentes e tendo fama de pacato.
Estava então solucionada toda a charada; os dois apressados
viajantes tinham algum envolvimento com a morte do médico Carlos Firpo. Era
preciso retornar rápido, contar logo a estória e livrar-se de uma possível
acusação de conluio.
E a notícia correu bem mais rápida do que se esperava. O
motorista, que cansado resolvera dormir em Frei Paulo na casa de uma irmã ali
residente, é acordado pela madrugada por uma caravana de jipeiros, comandados
por Antônio Mendonça, filho do deputado e baluarte udenista, Euclides Paes
Mendonça de Itabaiana, que vindo de São Paulo, soubera dos fatos, justamente
quando cruzara o Posto Fiscal de Jeremoabo.
A notícia foi logo recebida em Aracaju, tendo o motorista
contado o feito na Secretaria de Segurança Pública, naquele tempo chamada
Chefatura de Polícia, na Rua Duque de Caxias, na presença do Deputado Filadelfo
Dória, do Governador Leandro Maciel, dos Secretários de Estado Antônio Machado,
da Segurança Pública, e Heribaldo Vieira, da Justiça, do Coronel Aviador Afonso
Ferreira, amigos do assassinado, e de tantos outros.
O governador imediatamente solicita providências. Uma força
tarefa policial é logo formada com a missão de prender e seqüestrar os
suspeitos, numa providência secreta e incógnita em invasão territorial e
jurisdicional ao Estado da Bahia, operação realizada com sucesso e sem traumas,
comandada pelo então delegado, José Nolasco de Carvalho, um jovem nascido em
Jeremoabo, que já prenunciava uma longa carreira de vitórias, culminando com a desembargadoria,
sempre respeitado e muito considerado, por moderação, equilíbrio e eficiência.
Poder-se-á dizer que houve uma invasão territorial e
jurisdicional da polícia sergipana às terras da Bahia. Poderia ser diferente,
se um dos suspeitos era um indivíduo com amplo amparo da polícia baiana?
Assim, numa atuação semelhante àquela depois imitada pelo
Mossad, o serviço de inteligência israelense, quando do seqüestro e captura do
carrasco nazista Adolf Eichmann, em solo tangueiro, a guarda de Sergipe, sem
milongas, nem delongas, invadiu o solo irmão, e menos forasteiro, e sem tisnar
o sobrecenho, nem gerar conflito e protestos como o fizera a inteligência judia
na Argentina, a polícia sergipana lograra melhor sucesso.
Sim, porque os agentes do Mossad tinham uma estrutura
sofisticada envolvendo grande rede de investigação, enquanto a especializada
sergipana usaria um jeep apenas, conduzido por um civil, o motorista Daniel,
era comandada por um jovem delegado, o Dr. Nolasco de Carvalho, e consistia do Major
Ananias, do Tenente Batista e do Sargento Feitosa; cinco homens sem maior
especialização investigativa, apertados num jeep, percorrendo estradas
incômodas de piçarra.
Mas, o sucesso foi total. Dois dias após o assassinato do
Dr. Firpo, e sem a necessidade de realizar desforço ou violência, a polícia
sergipana retorna a Aracaju, trazendo os suspeitos do assassínio, agora
devidamente identificados; Euclides Timóteo de Lima e José Pereira dos Santos,
o Pereirinha, perfazendo sete homens apinhados no mesmo jeep.
Se a estória terminasse aqui, só existiriam louvores a
rememorar, no entanto, em pleno estado de Direito, com todas as instituições
funcionando livre e republicanamente, foram banidos a impessoalidade do labor
estatal e o livre inquérito jurisdicional, e Sergipe testemunhou cenas
terríveis, comparáveis às investigações realizadas pela Tcheka e pela Gestapo
recém-temporâneas, ou pelos DOPS e DOI-COI que ressurgiriam uma década depois,
e até os recentes noticiários de abusos de tortura do Ex-Presidente Bush em Abu
Ghraib e na prisão de Guantánamo.
Mas, se há fatos deletérios, depravados e desalmados, há
também feitos engraçados que Luiz Eduardo relembra a exaustão. O secretário de
Segurança Pública Antônio Machado, por circunstância de surdez, fora afastado
do comando do inquérito, substituído pelo Secretário da Justiça, Heribaldo
Vieira, um “peregrino lírico” segundo sua destacada obra poética, publicada e
bem referida. Dizia-se que Vieira tinha o ouvido bem afinado e melhor captaria
o “canto” dos meliantes.
Por outro lado uma multidão, e os nomes são citados aos
montes pelo jornalista, um bocado de gente assistiu os inquéritos, conduzidos
na estrada erma que em direção à Atalaia, atingia a Cerâmica Santa Cruz, porque
a cidade, igual a hoje, era limitada pelo Rio Sergipe, mas acabava na Chica
Chaves, no Oratório de Bebé e no fundo da Igreja São José, e o resto era um
descampado de brancas areias, lodosas lagoas e viveiros de mariscos, acrescidos
de marinha que por muito tempo ainda permaneceriam sem aterramento ou
edificação.
De modo que os inquéritos foram conduzidos à noite, em
terras ermas, onde os “cantos” podiam ser trinados em vibrato de pulmões e
diafragma, a pleno grito de choro e sem socorro.
Uma “cena dantesca”, dirá um dos muitos circunstantes, que
tudo assistira sobre os fachos de luz dos faróis dos automóveis, iluminando a
arena e a perversidade de toda a cena. Depoimentos assim tomados não careciam
de tabelião ou escrivão, afinal quem o poderia transcrever a plena escuridão?
Afinal desvendou-se tudo. O matador fora Pereirinha, o tolo
matuto que nada sabia e ali só entrara para ganhar um troco, mas ao esfaquear o
médico sem defesa ou piedade, matara um homem que jamais odiara ou conhecera.
Quanto a Euclides Timóteo, este sabia tudo. Sabia quem
mandara, e a circunstância do acerto do crime. Mas, o depoente sabia muito
mais. Ele houvera prestado seus bons serviços de matador a muita gente.
Há quem diga, inclusive, que entre a assistência da tortura,
o preso descobrira um seu conhecido, pessoa que num tempo anterior teria
utilizado os seus préstimos. Mas agora, este novo dado o tornaria perigoso e
imprestável. Era preciso “calar este menestrel” que poderia “cantar” demais.
E assim Timóteo morreu de pancada, na cilha e na trilha, no
local que passaria a ser chamada de “Estrada Timoteana”, hoje perdida e
esquecida, mas ainda facilmente localizada.
A chefia do aparato policial dirá que o custodiado falecera
de cueca numa cela da chefatura por “ataque cardíaco”. Laudo equivalente ao
“suicídio por enforcamento” do jornalista Wladimir Herzog, ou seja, há sempre
um bom laudo para justificar o injustificável.
E aí eu lembro da célebre frase que Bertolt Brecht colocou
no seu Galileu Galilei: “A soma dos ângulos de um triângulo não pode ser
alterada segundo o interesse da cúria”. E é o mesmo Galileu que pontifica:
“Quem não sabe a verdade é estúpido, é só. Mas quem sabe e diz que é mentira, é
criminoso!” E o laudo restaria assim; “ataque cardíaco”, sem maior rigor de um
exame necrológico.
A própria autoridade estatal dirá: “foi o corpo de Timóteo
sigilosamente retirado do cubículo e mandado sepultar no Cemitério da Cruz
Vermelha”, a fim de que não fosse prejudicado o processo investigativo.
Dirá ainda mais adiante: “O corpo de Euclides Timóteo foi
retirado FURTIVAMENTE da Secretaria de Segurança.”
Seria este furtivamente documental uma reedição dos
protestos da Anás e Caifás reclamando o corpo de um novo ressuscitado, ou teria
o cadáver se esgueirado pela grade da jaula e saído ileso só vestido de cueca?!
Que nada! O cadáver de Timóteo fora enterrado como o de um
indigente de nome Manoel dos Santos.
Ora, se a testemunha Timóteo não mais vivia para confirmar e
assinar a sua confissão, que se tome o depoimento de quem o ouvira até a morte.
E assim, em testemunhos rigorosamente iguais, eis o crime elucidado; fora um
crime passional, encomendado pelo Coronel Aviador Afonso Ferreira Lima loucamente
enamorado pela esposa do morto a Sra. Milena Mandarino Firpo, que no conceito
popular fora transformada de esposa virtuosa, na mais degradante “Madalena,
sobre a qual choveram pedras.”
E a estória virou um escândalo, ampliado sucessivamente no
Informativo Cinzano de Silva Lima e no programa Calendário de Santos Mendonça,
com depoimentos tomados a força e na pancada de Maria Conceição, a cozinheira,
Eunice, a copeira, Paulo Rosa o jardineiro, e Gilena, uma afilhada, serviçais e
residentes da residência dos Firpo, como Milena sendo linchada moralmente,
sendo-lhe depois arrancadas confissões escabrosas, com assinaturas desprovidas
de autenticidade, envolvimento de muitas pessoas ilibadas, e até denúncias de
depoimentos sob efeito de drogas entorpecentes; os tais “soros da verdade”.
Dos chamados “soros da verdade”, hoje passados cinqüenta
anos em avanço e tecnologia, o noticiário divulga uma série de torturas
cometidas pelos americanos em Abu Ghraib e em Guantánamo. São martírios
medievais, utilizadas a evidenciar que não há ainda “soros da verdade”
confiáveis.
Na verdade, nunca houvera soro, nem a confissão de Milena
fora verdadeira. Restara, contestando o todo declarado, um depoimento cuja
assinatura não resiste a uma tola apreciação grafotécnica.
E Luiz Eduardo o prova, quer utilizando um laudo pericial do
especialista grafotécnico Antônio Newton de Oliveira Porto bem como anexando
para análise geral e irrestrita dos leitores, cópias das assinaturas de Milena
Mandarino Firpo, onde se evidencia uma falsificação grosseira justamente
naquele documento em que há uma descrição desabrida de sua paixão amorosa pelo
Coronel Aviador Afonsinho.
O resto todo mundo já sabe: O promotor Aloísio Barbosa Porto
pede a prisão preventiva de todos os que estavam dentro de casa no dia do
crime, a esposa do morto, Milena Mandarino Firpo, junto com seu pai, Nicola
Mandarino, Gilena Santana, uma empregada e o Coronel Aviador Afonso Ferreira
Lima, o Afonsinho.
O juiz Serapião de Aguiar Torres, acolhendo parcialmente o
pedido determina a prisão de Milena, do Coronel Afonsinho, liberando Nicola
Mandarino e Gilena Santos.
Iniciada a fase processual, o Lyons Club contrata o advogado
Achiles Lima para funcionar na acusação, depois será contratado também o grande
causídico Sobral Pinto, destacado defensor de Luiz Carlos Prestes no período
Vargas.
Na defesa de Milena funcionaria um outro grande luminar do
Direito, Evandro Lins e Silva, enquanto defendendo Nicola atuou a grande
advogada sergipana Maria Rita de Andrade.
Quando o processo começou a ser debatido, o auxiliar de
acusação Achiles Lima começou a constatar falhas gravíssimas passíveis de
anular toda instrução policial.
O mesmo constatou o grande advogado Sobral Pinto, ficando a
acusação desprovida de maior embasamento para a condenação dos acusados que
permaneceram presos, Milena e Pereirinha na penitenciária de Aracaju e
Afonsinho na base aérea do Recife.
Destaque-se também a atuação da Sra. Edna Bento Faria Lima,
esposa do Coronel Afonsinho, que toma a defesa do seu esposo, rejeitando a
denúncia de adultério, conquistando a sociedade aracajuana pela sua coragem e
inteligência, fustigando os maledicentes que se recolhiam acabrunhados.
Daí para frente, a sociedade sergipana, pelos seus jornais e
figuras destacadas como o Bispo Dom Távora advertiam “sobre a impropriedade dos
julgamentos antecipados”.
Milena começa a receber a visita de algumas amigas e de
senhoras da sociedade, destacando-se as Professoras Bernadete e Mariá Galrão
Leite, diretoras do Colégio do Salvador, que nunca abandonaram a amiga feita
prisioneira, nem acreditaram na sua culpabilidade, amparando as alunas, Juju e
Gracinha, filhas do casal Carlos Firpo e Milena.
E, só para caracterizar os exageros dos ânimos daquela
época, é preciso destacar um fato não narrado por Luiz Eduardo Costa, mas que
conheço por testemunho familiar de fidelidade e amizade. Trata-se Albertina
Campos Nascimento, falecida em 2006 que era tia de minha esposa Tereza Cristina
e grande amiga de Milena por toda a vida. Albertina, nunca abandonara a amiga
naqueles anos tristes; indiferente às chacotas e humilhações, Albertina levava
diariamente a alimentação de Milena, então custodiada na Penitenciária,
evitando que se consumasse o que se propalava na cidade; que a presa seria
envenenada.
Mas, é preciso encerrar o relato que já vai longo. Aqui está
só um pequeno extrato do trabalho de Luiz Eduardo, que um dia será publicado,
muito lido e comentado.
Preciso, porém, transcrever um trecho da lavra de dois
desembargadores, quando do julgamento do recurso de pronúncia dos acusados, um
a favor e outro contra.
No voto vencedor, aceitando a denúncia de Milena
transcreve-se como um agravante: “Ter ainda esta acusada presenteado o chauffer
José Airton com a roupa pertencente ao Dr. Carlos Firpo poucos dias depois da
sua morte, numa demonstração a mais do desprezo que votava ao marido”.
No voto vencido, pronunciado pelo Desembargador Hunaldo
Santaflor Cardoso, os novos tempos levantavam o véu de bruma e de treva:
“Somente diante do clima de repúdio e de revolta da opinião pública em geral,
se explica que as pessoas indigitadas de co-autoria intelectual unindo-se
lendas e mistificações, que como castelo de cartas, não resiste ao mais leve
sopro da verdade, quando se lhe examina a contradita que lhe opõem expressivos
e esclarecedores elementos contidos nos autos , sua absoluta improcedência e a
sua inelutável inconsistência. Se assim ocorre, não se poderá condescender como
clamor da indignação geral ante a enormidade do monstruoso crime, aceitando as
demasias, as incongruências e aos atentados às formas protetoras das garantias
individuais que, em delírio, foram solenemente praticados em todo o decorrer do
processo. Na conturbada atmosfera que empolgou a todos os espíritos, não foi
difícil chegar a conclusões precipitadas e falsas. No caso sub judice o juiz a
quo não fez o indispensável confronto, e daí sua sentença de pronúncia quanto
aos presumidos autores intelectuais, ter caráter manifestamente unilateral. Não
se fundamenta na prova contraditória produzida em juízo, mas em simples
presunções.
A porta estava aberta para o recurso ao Supremo Tribunal
Federal, tendo o ministro Nelson Hungria em julgamento de Hábeas Corpus do
Coronel Aviador Afonso Ferreira Lima estendido a Milena Mandarino, decretado a
liberdade dos dois, no dia 14 de setembro de 1960, reconhecendo que não se
podia arrimar um processo judicial “em depoimentos prestados nos desvãos de
delegacia policial e não reproduzidos em Juízo nem declarações de beleguins
policiais apontados como assassinos de um dos réus pseudo-confidentes”.
Hoje, passados mais de cinqüenta anos dos fatos, em boa hora
Luiz Eduardo Costa desenterra os feitos para que a história o analise sem
ódios.
Não se trata de desenterrar a bela Inês de Castro pelo seu
amado Dom Pedro I, o cru.
Não se trata do revanchismo triste aos carrascos insepultos,
porque a história precisa ser sempre lembrada para não ser repetida, afinal se
muitos erros aconteceram em 1958, deva-se sobretudo a intemperança dos homens
que na pressa de agarrar os culpados, utilizaram mecanismos incompatíveis com o
respeito à dignidade humana.
Igual à tortura dos prisioneiros de George Bush que no afã
de se prevenir contra os ataques terroristas, erigiram a mortificação como
método sacralizado, por necessário.
Nos tempos atuais, o noticiário já afirma, que o Presidente
Obama recuou da sua política de divulgação da tortura realizada contra os
prisioneiros terroristas. Tal divulgação iria constatar que a tortura evitara
outros ataques iguais ao de onze de setembro, que foram descobertos e evitados.
É verdade! A tortura tem os seus encantos! Há muita gente
boa que a defenda no interesse geral e coletivo.
Uma coisa perigosíssima, afinal qual é o limite do interesse
geral e coletivo num clima de pânico incontrolável?
A sociedade sergipana reagira racionalmente às primeiras
notícias do crime da Rua de Campos?
Não estaria aí um ponto a dirimir muitos erros?
Eis aí uma questão colocada, não para o olvido e a
indiferença, mas para o perdão da falta de nós todos.
Para finalizar, volto ao poetar de Aidinor Aires e ao
responsório onomatopaico da acauã: “Vai à cova!... Vai à cova!... Vai à
cova!..” porque ninguém vai mais a cova de Carlos Firpo, desaparecida no tempo
e no espaço, igual a tantos seus circunstantes, como Euclides Timóteo, que
morrendo de pancada virou o indigente Manoel dos Santos, todos na indiferença
da litania acauã.
Mas o livro de Luiz Eduardo Costa, não agradando a tantos,
segue como os “Poetas acauãs (que) vão repetindo na surdez dos homens
encolhidos um sussurrar de alívio para as dores da desesperança, um entoar de
cantos para exorcizar a morte e cobrir de alvíssaras o flamejar da vida que,
afoita, nos mira na esquina da próxima manhã. A bênção, acauã”.
Texto reproduzido do site: infonet.com.br/blogs/odilonmachado