Foto: Márcio Garcez.
Reproduzida do Facebook/Vivian Reis.
Postada por Isto é SERGIPE, para ilustrar a presente entrevista.
Publicado originalmente no site do Jornal da Cidade,
em 29/05/2017.
Entrevista.
“Livro ‘A Fórceps’ traz muita verdade”.
É sobre isso, silêncio, violência, empoderamento, fortaleza
e fragilidade que ‘A Fórceps’ fala, a partir do olhar sensível e crítico da
escritora Vivian Reis.
Por: Gilmara Costa/Equipe JC.
‘Ela é o silêncio, é a dor, é o medo, é a impotência’. Assim
é ‘Janete’, personagem do livro ‘A Fórceps’, da escritora Vivian Reis,
mulher-bicho-mãe-jornalista-empregada pública e ‘aprendiz de feminista’, como
se autodescreve. E assim somos ‘Janetes’ e ‘Vivians’ com outras alcunhas, mas
sempre aprendizes do ser mulher. É sobre isso, silêncio, violência,
empoderamento, fortaleza e fragilidade que ‘A Fórceps’ fala, a partir do olhar
sensível e crítico da escritora. O livro será lançado no próximo dia 30, às
17h, no Museu da Gente Sergipana Gov. Marcelo Déda, em Aracaju. Save the date e
boa leitura!
JORNAL DA CIDADE - Como foi trazer temas como violência
doméstica e empoderamento feminino em ‘A Fórceps’?
VIVIAN REIS - Eu diria que foi e é necessário. Toda mulher
com quem me deparei ao longo da vida traz a marca de algum tipo de violência. E
o pior disto é que parte de tais agressões, sejam elas físicas, sexuais ou
psicológicas, é socialmente aceita a ponto de o agressor, muitas vezes, sequer
tomar consciência do mal que está causando na psique feminina. Também é muito
comum a mulher que foi vítima sofrer preconceitos: "Ah, tá com ele porque
é mulher de malandro"; "Mas também, com aquele short micro ela queria
o quê?"...
JC - Na criação de ‘Janete’, a realidade estatística e
alguma vivência pessoal contribuíram com a composição da personagem?
VR - Mais do que uma contribuição, a realidade foi a força
geradora de todo o trabalho. A Janete é o somatório de muitas mulheres em uma
só. Quem ler, inevitavelmente vai se recordar de algum caso ou experiência
pessoal. Nele se acumulam experiências coletadas durante os meus anos de
atuação no jornalismo, conversas com terapeutas e médicos, desabafos de amigas
e mesmo experiências pessoais. Em suma, diria que o ‘A Fórceps’ traz muita
verdade, a dura realidade do ser mulher nesse mundo repleto de preconceitos e
ódio.
JC - Discorrer sobre o tema foi uma dificuldade enquanto
mulher-escritora-mãe ou, ao contrário, foi de facilidade ante o fato de se
reconhecer em ‘Janete’?
VR - Foi uma experiência a um só tempo complexa, dolorosa,
estafante, terapêutica e libertadora. Sou mãe de quatro filhos (dois quase
adultos, um ainda pequeno e outro em processo de gestação), empregada pública
que dispõe apenas de uma pessoa querida que me "socorre" semanalmente
nos trabalhos domésticos. Que tempo me sobrava para a leitura, as pesquisas e a
escrita? A madrugada! Foram inúmeras noites sem dormir, inúmeras cobranças
familiares, inúmeros olhares de descrença e crítica. Havia momentos nos quais a
Janete me fazia chorar, noutros, era ela quem me dava forças para seguir
adiante. Foram anos duros nos quais muitas vezes pensei em desistir e até mesmo
cheguei - por meses - a abandonar o projeto. Mas a estória estava ali, pulsando
em mim. Tal qual Janete, eu não sabia o que seria dar este passo na minha vida.
E também como ela, eu busquei a coragem que só uma mulher consegue achar, bem
como encontrar apoio em meio a pessoas muito amadas, como meu companheiro
Sidclay Dias e a amiga jornalista Laudicéia Fernandes. O resultado está aí: um
livro lindo, emocionante e fortalecedor que certamente auxiliará muitas
mulheres a descobrirem a si mesmas e a buscarem seus próprios caminhos.
JC - O livro chega num momento de efervescência do
empoderamento. Tudo isso ajudou na escolha da temática e concepção?
VR - Não na escolha da temática. O enredo já havia sido
pensado há muitos anos, em um período no qual o Nordeste ainda tinha a ideia
equivocada de que feminista era algo próximo de uma criatura mal-amada e avessa
à depilação. Mas o entendimento da mulher enquanto ser forte, capaz e repleto
de direitos ajudou e muito. Sem isso, eu não teria superado as minhas
limitações, pudores e receios para concluir o texto. Sem isso, eu não teria
tido garra para batalhar a publicação.
JC - No desenvolvimento, houve situações em que se observou
uma distorção entre discurso e prática de relatos, e que desafiou a narrativa?
VR - A composição da personagem principal foi um grande
desafio por unificar experiências muito duras. Os nortes eram uma mulher com
marcas que sangravam internamente, frutos principalmente do abuso sexual
sofrido ainda na infância e da total ausência de acolhimento.
Janete não recebeu orientação, nem acolhimento, e precisou
descobrir sozinha como se defender. Depois de muitas escolhas desorientadas,
ela finalmente compreendeu que o único caminho possível para uma sobrevivência
feliz era o da compreensão de quem ela era de verdade. Despir-se de valores
instituídos cultural e socialmente nunca é algo fácil. Mas é fundamental para
se livrar de caminhos tortuosos. Este processo de descoberta, tanto na estória
quanto nas experiências pessoais normalmente é repleto de distorções e
incongruências. Mas quem persiste no caminho sabe o quanto é delicioso olhar
para os erros e sofrimentos passados e dizer: apesar de tudo, eu consegui!
JC - Quais as mais
aparentes (gritantes!) características de ‘Janete’ que se encontram em você, em
mim, na colega de trabalho, na companheira do transporte coletivo?
VR - A Janete tem um pouco de cada uma de nós. Ela é o
silêncio, é a dor, é o medo, é a impotência. Mas também é o amor, o
acolhimento, a força descomunal que brota em nossos poros sempre que nos é
necessário, e a certeza de que a gente pode sim superar traumas e abraçar
caminhos que nos façam mais felizes. Ela sou eu, é você. É toda a coletividade
feminina, tão igual e diferente ao mesmo tempo. E isso de descobrir a força que
nos une é algo lindo e emocionante.
JC - Você se afirma ‘aprendiz de feminista’. Com a
publicação, acredita que sobe um degrau e passa ser mestre no compartilhar e
estimular a reflexão sobre o tema?
VR - Eu digo ser aprendiz de feminista, pois muitas vezes me
pego em atitudes machistas. Já fui mais dura comigo mesma nesse quesito, mas
hoje compreendo que a evolução pessoal é como a natureza: não dá passos largos.
Minha avó foi, a seu modo, uma grande feminista: fazia salgados para não
depender economicamente de um marido dominador. Minha mãe também se rebelava
contra alguns atos que eram tradicionalmente acatados por mães de outros
amigos. Eu, por minha vez, cresci com a alcunha de rebelde, ouvi do meu avô que
não ia casar nunca porque não sabia preparar um café. Ok. Ele acertou: nunca me
enquadrei nos padrões sociais vigentes e cheguei a pensar que era uma espécie
de extraterrestre. Hoje sei que minhas escolhas não necessariamente precisam
ser fruto de um padrão. O feminismo me ensinou isso. E por tabela aprendi a
respeitar melhor as escolhas dos outros. Isso facilita a descoberta de algo
fundamental e necessário: o respeito à diversidade humana como requisito básico
para a nossa paz interior.
JC - Se não fosse ‘A
Fórceps’, traria à tona a temática por meio de...
VR - Minhas atitudes e escolhas pessoais. Desde muito cedo
me chamavam de "o código da crítica". Sempre questionei muito. Gosto
até hoje de fazer o papel do "advogado do diabo" simplesmente porque
é o melhor meio que encontrei de "sair da casinha" e calçar os
sapatos dos outros. Quando a gente tenta entender as motivações e incoerências
alheias fica mais fácil até acolher, perdoar, amar e buscar a libertação. Mas,
sem o ‘A Fórceps’ o alcance deste aprendizado seria infinitamente menor. Então,
é com muito afinco que desejo que este livro chegue a cada coração necessitado
de forças e cura. Tenho fé que o livro vai provocar muita discussão e auxiliar
muita gente!
Texto reproduzido do site: jornaldacidade.net