Publicado originalmente no site JLPOLÍTICA, em 18 de março
de 2021
Opinião - Por uma melhor acolhida à literatura sergipana
passada, presente e futura
Por Marcio Du Coqueiral (Coluna APARTE)
Há mais ou menos um ano, enquanto deslizava o feed de
notícias me deparei com o texto do jornalista Marcos Cardoso publicado em um
conhecido portal de notícias de Aracaju. Intitulado “A literatura sergipana
está viva - e tem humor”, foi publicado originalmente na Revista Cumbuca número
26, de março de 2020.
No artigo, o jornalista celebra a extensa publicação de
livros no ano anterior. Na ocasião, apresentava o índice de publicações de duas
importantes editoras do Estado que, em 2019, juntas, somavam o impressionante
número de 84 obras. Mas também atestava que poucos dos trabalhos eram dedicados
à literatura.
Do ponto de vista da quantidade, é um número louvável. O
problema realmente reside no fato de que menos de um terço da produção desse
volume é dedicado à ficção, tão importante para a construção do imaginário,
identidade e da subjetividade do leitor sergipano.
Também louvável é o fato de entre tudo o quanto foi
publicado, Marcos Cardoso ter conseguido apontar ao menos quatro obras
literárias em meio a profusão de obras técnicas do número já mencionado.
Celebrando a presença dos poucos autores literários
presentes nas publicações de 2019, ele também provoca de maneira amistosa
aqueles que têm os famosos “romances de gaveta”, que se habilitem a ser um
Amando Fontes, Hermes Fontes, Gilberto Amado, Genolino Amado, Alina Paim,
Nélson de Araújo, Mário Cabral, Francisco Dantas, Antônio Carlos Viana.
E foi a partir daí que aquele texto me trouxe uma
inquietação! Pois na minha opinião, antes que alguém se habilite a ser ou
replicar o sucesso de alguns desses grandes autores mencionados, se faz
necessário que tal candidato conheça quem de fato são estes nomes e quais as
suas contribuições para a nossa literatura.
Entendo que com esta provocação, o intento do jornalista é
provocar e incentivar novos e “velhos” autores a trazerem seus trabalhos a
público. Mas não podemos ficar esperando o momento em que eles se sintam
seguros para apresentar esses trabalhos.
Enquanto a disposição destes novos e ainda desconhecidos
talentos não lhes possibilita lançar suas obras, as editoras mencionadas por
Cardoso deveriam, nesse meio tempo, resgatar nossas maiores vozes literárias em
publicações que façam jus a elas e a eles, os autores.
Vozes estas relegadas ao esquecimento ou meramente tornadas
objetos de estudos acadêmicos de alguns poucos iniciados/interessados, sendo
que, muitas vezes, ou quase sempre, estes estudos não contribuem para o acesso
do público a essas obras encerradas nos muros da universidade.
O que se vê, na verdade, é a construção de teses acadêmicas
para leitores acadêmicos. E só. Onde depois de apresentadas suas notas e
aprovação dos pesquisadores envolvidos, essas nossas joias literárias voltam
para o baú mofado do qual foram tiradas, não cumprindo seu papel, uma vez que
“a literatura é a expressão máxima de um povo, no que possui de mais
característico”, e nesse caso, em particular, uma ferramenta de promoção
identitária e também de afirmação da sergipanidade.
Não podemos esquecer que muitos dos nossos autores têm
presença literária na discussão e na contribuição de temas imprescindíveis da
literatura nacional. Temáticas como a questão do negro, a República, a
Monarquia, o filosofismo, a sátira e a ironia, assim como outros conteúdos,
sempre tiveram lugar na produção literária sergipana.
Desse modo, então, por que esperar pelos novos autores
quando ainda não conhecemos o suficiente e nem temos boas publicações ou
republicações das autoras e do autores da nossa literatura?
Creio que a republicação de obras como “Dias e Noites”, “Os
Corumbas”, “Ibiradiô”, entre outros, repaginadas com um novo projeto gráfico,
ampla divulgação e inclusão nos currículos escolares, contribuiria muito mais
para o fomento e gestação de novos autores e um estímulo a mais para aqueles
que mesmo com seus livros prontos sentem certo acanhamento em publicá-los.
“Os efeitos e sensações produzidos pela literatura”, como
dito por Marcos Cardoso em seu artigo, não podem atingir apenas um seleto
grupo. As tais “verdades da condição humana” devem ser do conhecimento de
todos, e para tal precisam estar disponíveis para o maior número de pessoas
possível.
Em uma sociedade cada vez mais mergulhada num mar de
desinformação, onde a cultura é menosprezada e encarada como objeto de
descrédito por parte de uma verdadeira turba que se sente representada por um
lunático que ocupa a cadeira de presidente do país, “ler diretamente no livro
do mundo” já não é tão eficiente assim.
Novos Fontes, Hermes, Amandos, Pains, Araújos, Cabrais,
Dantas e Vianas não podem existir se não tomarmos consciência da importância e
existência dos Tobias, Sampaios, Núbias, Iaras e tantas outras personalidades
literárias para além dos muros da Academia.
Valorizo a presença dos novos autores, o incentivo de sua
produção, a exaltação de suas genialidades, mas também se faz mais que
necessário o reconhecimento e a valorização do legado daquelas e daqueles que
primeiro pavimentaram o caminho das letras sergipanas.
Nessa esteira, e de maneira muito positiva, não podemos
ignorar o magnífico trabalho do grande mestre Jackson da Silva Lima e sua
fantástica contribuição como “o maior inventariante da literatura e da cultura
de Sergipe”.
Porém, o que tem sido feito com a clareira aberta por seu
trabalho, e que trouxe ao nosso conhecimento uma gama gigantesca de autores
outrora por nós ignorados? Até quando pesquisadores ficarão aprisionados no
labirinto infinito da escrita acadêmica sem que seus textos aproximem o grande
público dos escritores e de obras por eles pesquisadas?
É necessário um verdadeiro resgate das obras dos nossos
grandes nomes, tanto do passado quanto dos nossos contemporâneos. Com uma nova
roupagem, projeto gráfico que também seja agradável aos olhos, colocando em
destaque o trabalho destes incríveis artífices da palavra.
Texto e imagem reproduzidos do site: jlpolitica.com.br
Que seus trabalhos ocupem livrarias, bibliotecas e salas de
aula. De roupa nova e não comumente como aparecem vez ou outra em alguns destes
espaços, com um visual ultrapassado e pouco atrativo.
Que não se limitem apenas a uma pequena parcela das
publicações editoriais. Que sejam presença cativa nos espaços de discussão
acadêmica, mas que também estejam nas mãos do leitor “comum”, dos estudantes
das escolas públicas e particulares.
De outra forma, enquanto isso não for possível, enquanto
apenas quatro obras ficcionais puderem ser destacadas de um montante de 84
publicadas, a literatura sergipana poderá até estar viva, e ter até algum
humor. Mas estará respirando com ajuda de aparelhos.
* É poeta, negro, nordestino, ibero-americano e camusiano.
Um asceta esteta e artista da fome! De esquerda, apesar da esquerda e apesar
dele mesmo!
Texto e imagem reproduzidos do site: jlpolitica.com.br