Texto publicado originalmente no blog de MILTON BARBOZA, em 02/11/2009
Quem matou dr. Carlos Firpo?
Por Milton Barboza *
Abalos
sísmicos não costumam fazer parte do cenário geológico do Brasil, como são
comuns em alguns países- como o Japão e o México. Mas, nem por isso estamos
imunes a sua ocorrência, como atesta o tremor que se fez sentir, recentemente
em parte do sudeste e do sul do país. No entanto, alguns tremores, de outra
magnitude, sacodem nossa terra, com tanta fúria, que bem parecem um terremoto!
Se esses abalos
não têm sido suficiente para derrubar casas, abrirem fendas em estradas, nem
provocam rompimentos nas ligaduras do tecido urbano e rural. são bastante para
comprometerem as ligaduras do poder e abalam o tecido de sustentação social.
Não é por acaso
que nunca, nos últimos 30 anos, se discutiu e se expôs com tanta veemência a
problemática da violência, quer individual, quer coletiva, em nossa sociedade!
A violência tem deixado marcas e fissuras em nossa formação social cujos
resultados, no futuro, são cenários de complexas previsões. E, nesse caso,
fazer escoras de madeiras ou aprisioná-las com virgas metálicas, pode até
conter situações isoladas de atos de violência, mas estará sendo adiado para
mais tarde um problema de dimensões gigantescas. As gerações futuras não
pediram por isso!
Essas
reflexões, ainda que pareçam apressadas, nasceram a quatro anos atrás, quando
estava estudando alguns crimes que nunca foram suficientemente esclarecidos.
Naquele momento, fomos sacudidos por um terremoto que sacudiu a cúpula da
Secretaria de Segurança do Estado, culminando com a fuga de Floro Calheiros.
Pode-se imaginar o tamanho da fissura e o perigo que representa para o
equilíbrio social, quando uma máquina, originariamente destinada a garantir a
ordem e a paz social, encontra-se mergulhada no caos? Quem vai investigar o
quê? A Secretaria, o seu Secretário? Os delegados, seu delegado? O Ministério Público,
seu Promotor? O governador, o seu governo? A precedência está comprometida, não
consigo imaginar o resultado, era um absurdo!
Foi assim, meio
tonto com a avalanche de informações produzidas pelos protagonistas desse
episódio, que devaneei, e, sacudindo a poeira da história, deparei-me com uma
tragédia, digna de cinema, mas que ficou apenas no esquecimento das páginas
policiais: o assassinato do dr. Carlos Firpo. Sou sergipano e a trinta anos
piso o chão da rua Carlos Firpo e não é que se esqueceram de me contar essa
história!
Médico, o dr.
Carlos Firpo exercia sua profissão com entusiasmo e respeito de todos. Seu prestígio
fez com que seu círculo de amizade fosse aumentado, incluindo alguns políticos
que viam nele um futuro promissor nesse campo. Tudo isso lhes renderam três
frutos: o casamento, a Prefeitura e a morte.
O casamento, o
dr. Firpo foi contrair com dona Milena, filha do italiano Nicola Mandarino,
então um próspero comerciante de Aracaju. Dona Milena era uma jovem bonita e
adorada por todos os que a conheciam e referendavam suas qualidades. Desse
casamento, nasceram duas filhas. Da política, Carlos Firpo consegue ser
Prefeito de Aracaju e acalentava o sonho de vir a ser Vice-Governador...bem,
aqui, o dr. Firpo obtém seu terceiro fruto: a morte.
O casal Carlos
Firpo e Milena desfrutava da amizade de Afonso Ferreira Lima, baiano que viera
morar em Aracaju, ainda jovem, para estudar e, desde então, era amigo íntimo da
família Mandarino. Após o casamento do dr. Firpo, que contou com a simpatia e
gosto de Ferreira Lima, esse último, agora tenente-coronel aviador, sempre que
vinha visitar a mãe que morava nas cercanias de Paulo Afonso, hospedava-se na
casa do casal, estreitaram mais ainda os laços de amizade.
Sentindo-se
estimulado com a sucesso e a popularidade angariados junto a população e com
alguns políticos, dr. Carlos Firpo- que era filiado a União Democrática
Nacional, UDN-, apresenta-se como candidato a candidato na chapa de
Vice-Governador que seria encabeçada por Heribaldo Vieira, então Secretário de
Segurança. No entanto, o chefe da UDN, o governador Leandro Maciel, tinha
outros planos, tinha um outro nome para concorrer a vice-governadoria, tenta de
todas as forma dissuadir o dr. Firpo, em vão, ele mantém sua candidatura. Era o
ano de 1958, haveria eleições para o Governo do Estado.
No entanto, a
história reservava outro destino ao dr. Carlos Firpo. Era noite do dia 29 de
abril do ano de 1958, dona Milena dormia no quarto com as duas filhas – 9 e 12
anos-, pois uma estava doente, dr. Carlos Firpo dormia só em seu quarto. Na
casa, estavam, ainda, mais duas pessoas, seu sogro, Nicola Mandarino, e sua
empregada, Gilene Santana. Quando todos foram acordados com os gritos do médico
, que de seu leito de morte, urrava com a barriga aberta. Todos se assustam,
vão encontrar o dr. Firpo esfaqueado. Uma faca peixeira, usada no crime, ainda
estava no chão do quarto. Todos notaram o fio do telefone, estranhamente
cortado!
O visinho viu
um homem sair correndo da casa. Pela proximidade das residências, o primeiro
que chegou ao local foi o dr. Aloísio Andrade, médico, que atende aos pedidos
de socorro da família e presta os primeiros atendimentos. Mas tarde, esse mesmo
médico é impedido de prestar depoimento no Sumário de Culpa por ser parente
próximo do promotor que atuou no caso, o dr. Aloísio Barbosa.
Estava morto,
brutalmente assassinado, o diretor do Hospital Santa Isabel, o mesmo que havia
entusiasmado a todos com a sua simpatia e competência profissional.
A cena do
crime, que fora alterada e pouco examinada, como mostram os depoimentos,
deveria ter contribuído para a elucidação da autoria, mas não foi o que
aconteceu. Desde o início a cena foi preparada, os objetos identificados (
faca, alicate, chave de fenda), na direção de imputar a autoria do crime a uma
só pessoa: o tenente coronel Afonsinho.
Rapidamente, a
polícia anunciou tratar-se de um crime passional. O cel Afonsinho seria amante
de Milena, a esposa da vítima, teria tramado a assassinato, com a ajuda de sua
amante. Assim, foram indiciados o Cel Afonsinho, D. Milena, mas tarde, o sr.
Nicolas Mandarino, pai de Milena e a empregada Gilena Santana. Esses teriam
colaborado, segundo a versão da polícia, com o assassino para facilitar o
acesso deste à casa.
Dois grandes
advogados terminaram sendo chamados para atuarem no caso, o dr. Evandro Lins e
Silva e o dr. Sobral Pinto, este atuando como assistente da acusação.
Inicialmente, toda a atenção se voltou para a prisão e interrogatório de
Timóteo, apontado como contratado para executar o crime e José Pereira dos
Santos, Pereirinha, o executor.
Com a prisão de D. Milena e o pedido de
prisão do cel Afonsinho expedido pelo Juiz Serapião Torres de Aguiar,
assistimos a um festival de trapalhadas jurídicas e policiais, amplamente
documentadas nos meios de comunicação impressos do Estado e de fora do Estado,
a exemplo de A Última Hora do Rio Janeiro.
Foi um processo
tumultuado. Timóteo morre vítima de torturas durante o interrogatório. O
depoimento obtido pela polícia desapareceu. Pereirinha, preso, não conseguia
ser ouvido pelo seu advogado, quando isso foi possível, resultado de muitos
protestos e pedidos de hábeas corpus, só o foi diante de agentes policiais e do
próprio secretário de justiça, o que inviabilizou a privacidade entre o réu e o
seu constituído.
Ao fim, depois
de longos debates judiciais, foram os réus inocentados por faltas de provas e
considerados inominados, exceto o executor, José Pereira dos Santos, esse
cumpriu pena integral em Salvador e morreu velho.
No entanto,
cinqüenta anos depois, para quem se debruça sobre os papéis da história, fica a
interrogação: teria sido crime passional como imputado? Teria sido crime
político como sugere o dr. Evandro Lins e Silva?
* Milton Barboza - Professor universitário, pesquisador e
historiador.
Texto reproduzido do blog: miltonbarboza.blogspot.com