Foto: Victor Balde/Divulgação.
Publicado originalmente no site do Jornal da Cidade, em
16/05/2016.
“Meus trabalhos nas ruas são todos pixos”.
O artista plástico Yuri Alves Vieira, o Cirulo, encontrou na
arte do grafite/pixo o seu espaço de diálogo com lugares e pessoas.
Por: Gilmara Costa/Equipe JC.
O artista plástico Yuri Alves Vieira, o Cirulo, encontrou na
arte do grafite/pixo o seu espaço de diálogo com lugares e pessoas. Além da rua
como suporte, ele também faz o traço presente em desenhos impressos e dá a
palavra no risco. E num compartilhar de manifestos, emoções, ações e reações,
ele firmou parceria com o projeto Zons para a instalação de Geladotecas pela
cidade (e tem sido um sucesso!). Cirulo também amadurece a realização de uma
mostra em que envolverá as técnicas de pixo, xilo e o bordado, sob a curadoria
da dupla Rian Santos e Gabi Etinger. Sempre atento, ele observa, avalia,
transforma e avisa: não adianta apagar! Saiba um pouco mais sobre Cirulo na
entrevista que segue.
JORNAL DA CIDADE - O que o faz um artista com traço do papel
aos muros da cidade?
YURI ALVES VIEIRA - Eu busco sempre ampliar as
possibilidades, as minhas como artista de experimentar novas técnicas,
suportes, locais, e também do expectador em poder ter a rua, espaço mais
democrático (ainda) que temos, como uma galeria de arte que ele pode não só
ver, mas interagir com a obra da maneira que quiser. Mesmo que o ego do artista
não aceite.
JC - Qual a mensagem recorrente que busca dar ao público?
YV - Gosto de falar com as pessoas sobre elas e as vezes
peco por parecer óbvio, mas gosto de que as pessoas saibam que elas têm voz,
existem. Mesmo dentro da fantasia que existe dentro de muitos trabalhos meus,
os personagens são carregados de realidade e vida. Gosto muito do enfrentamento
e rebeldia e tenho a arte como ferramenta não só de trabalho, mas também de
luta e resistência.
JC - A sobreposição de tons fortes, vibrantes, está
relacionada ao intuito de chamar a atenção e estimular a reflexão?
YV - Eu não sou de usar muitas cores nos meus trabalhos, o
preto e branco geralmente prevalece. Mas quando surgem as cores elas pontuam
algo, são um sinal, geralmente. Outras vezes não, sou eu comigo mesmo me
provocando a sair da posição de conforto e experimentar outros caminhos. Cada
caso é um caso. A reflexão pra mim está mais na relação que o expectador vai
fazer da obra com o local que ela está, o que ela fala e o que isso tem a ver
com aquele espaço, ou com quem vive ali?
JC - Em Sergipe, a grafitagem ainda é uma arte
marginalizada?
YV - Sim. Não só aqui, mas em vários outros lugares. Mas já
se pode dizer que melhorou muito desde quando os primeiros artistas começaram a
se aventurar nas ruas. O Graffiti vem ganhando um espaço e respeito pelo
reconhecimento de fora do país a artistas daqui. Foi uma galera insistindo e
levando dura da polícia para que hoje a gente tivesse certo conforto e
tranquilidade em pintar na rua. Mas a própria divisão entre Graffiti e Pixo me
soa como uma tentativa de separar para desqualificar a segunda manifestação.
Esse é um dos motivos que prefiro que tudo seja chamado de pixo ou de graffiti,
não separo. Meus trabalhos nas ruas são todos pixos. É antes de tudo uma
posição que escolhi tomar. E não estou confortável, ainda bem!
JC - Quais são os espaços ‘ideais’ para realizar um bom
grafite?
YV - A rua, sempre! Mas aí depende do artista e de como ele
trabalhe. Eu gosto de ter alguma relação com o espaço que vou fazer o trabalho.
Quando essa relação não existe, eu passo antes algumas vezes, podem ser dias,
observando mesmo o espaço e se existem outras pessoas que se relacionam com ele
para que a minha intervenção faça alguma relação com os sentidos que me
despertam daquele lugar. Eu não ignoro um buraco na parede, ele vira a pele
rasgada e sangrando de um personagem. Ou se tropeço em cachimbos de lata, não
consigo ignorar quem esteve ali antes de mim e ir embora sem deixar uma
mensagem, sem pedir licença e agradecer. Eu tento criar uma relação com o
espaço e quem passa por ali também.
JC - Além de muros, o grafite do Cirulo também se faz
presente em...
YV - Os Pixos/Graffiti ficam nos muros mesmo, não tem como
dizer que dentro de uma galeria, numa sala ou num quarto fiz um pixo. Mesmo que
utilize os elementos e até os mesmos instrumentos é a rua que faz o pixo ser o
que é. Mas claro que carrego toda a energia dos meus trabalhos da rua nas
minhas outras produções. E o mesmo acontece quando levo a influência do que
produzo em casa, como as xilos, os desenhos e os bordados para as ruas.
JC - Recentemente fez a arte da Geladoteca, em parceria com
o Zons. Como surgiu o convite e como tem sido a receptividade até agora dessa
novidade?
YV - Eu já tinha feito uma primeira Geladoteca ano passado
aqui na cidade e o pessoal do Zons, que já fiz alguns ‘trampos’ (sic!) juntos
em outros momentos, me chamou para dar continuidade nessa ideia que já acontece
em vários lugares do Brasil. A ideia da Geladoteca é basicamente transformar
uma geladeira velha e sem funcionar numa biblioteca livre que pode ser
instalada em qualquer lugar, praça, ponto de ônibus, etc. É democratizar a
leitura e o acesso aos livros, através de trocas. Qualquer pessoa pode pegar,
qualquer pessoa pode doar. Gosto de dizer que a única regra é não deixar a
Geladoteca vazia, no mais, vale tudo! E as pessoas têm recebido bem sim. Nessa
última que eu fiz, como fica numa praça que é caminho para o meu trabalho,
posso ver as pessoas chegando e usando à vontade. Isso é massa! Vicia.
JC - Quais são as suas influências artísticas?
YV - A música é uma influência muito forte para mim, o punk,
o rap e a geração dos anos 70 no Nordeste me fazem bem e instigam muito. Mas é
muita coisa que me influencia, não tenho pudor em absorver e transformar. A
poesia de Mário Jorge, os mestres e mestras da cultura popular, as xilos de
Elias Santos, J. Borges e Samico, Basquiat, Os Gêmeos, Speto, Arthur Bispo do
Rosário, Hélio Oiticica, Leonilson e tantos outros que nem vou colocar aqui pra
não ficar muito extenso. Os meus contemporâneos em Aracaju e no Brasil também
são uma influência grande, tenho conhecido muita gente bacana e com muita
vontade de produzir. Essas coisas alimentam mais a vontade de continuar fazendo
arte.
JC - Hoje, quais são os projetos em curso?
YV - As Geladotecas vão continuar, inclusive quem tiver uma
geladeira sem funcionar para doar pode entrar em contato. Agora no final do
mês, de 30 de maio a 3 de junho, vou facilitar uma oficina no Sesc-Centro, de
Xilograffiti, onde vamos experimentar um pouco da técnica da xilogravura e em
seguida levar essa linguagem para as ruas através do pixo. E estou sempre na
rua, atento e buscando o tempo e a palavra certa para riscar por aí, e nem
adianta apagar. A gente volta!
JC - E existe o planejamento de alguma exposição e/ou
intervenção futura?
YV - Existe um projeto em fase de maturação de uma exposição
onde encruzilho três das técnicas que mais me envolvem atualmente: o pixo, a
xilo e o bordado. Esse projeto tem curadoria de Rian Santos e Gabi Etinger,
dois queridos e bem parceiros nessa minha caminhada. No próximo dia 28, um
grupo de artistas vai participar de um evento na Ocupação Santa Maria que fica
no Bairro Siqueira Campos, com intervenções, oficinas e exposições. Eu estarei
lá e o convite é aberto a todos.
Texto e imagem reproduzidos do site: jornaldacidade.net