Artigo compartilhado do site CLICKSERGIPE, de 21 de fevereiro de 2025
Dom Luciano Duarte na maçonaria
Por José Lima Santana*
Recentemente, o acadêmico e jornalista Luiz Eduardo Costa ofertou-me alguns exemplares do opúsculo “Um Discurso Para a História”, referente à palestra que Dom Luciano José Cabral Duarte proferiu na Loja Maçônica Cotinguiba, em 29 de maio de 1968, três anos após ter recebido o convite para tal. O opúsculo foi publicado pela EDISE, em 2021.
O motivo do convite para palestrar na Maçonaria foi por conta de um artigo publicado pelo ainda padre Luciano Duarte na revista “Cruzada”, que tanta falta faz à nossa Arquidiocese, quando ele regressou da terceira Secção do Concílio Ecumênico Vaticano II. Era dezembro de 1964.
No artigo, o padre Luciano Duarte “contava como durante a 3ª Sessão do Concílio os Bispos Mexicanos haviam levantado na aula conciliar esta pergunta: ‘Não será chegado o momento de reabrir o dossiê da questão entre a Igreja e a Maçonaria’”?
Uma questão por demais delicada, naquele tempo e ainda hoje. Mas, com a autorização do arcebispo Dom José Vicente Távora e, mais tarde, do Núncio Apostólico no Brasil, Dom Sebastiano Baggio, Dom Luciano, já bispo auxiliar de Aracaju, pôde proferir a sua palestra para os maçons.
O palestrante fez menção à encíclica Populorum Progressio (Sobre o Progresso dos Povos), do papa Paulo VI, uma encíclica que, na visão de Dom Luciano, não teria merecido a devida atenção das pessoas. Eis o que ele disse: “Com um traço de curiosidade na alma, esperei que este primeiro aniversário de um dos documentos mais sérios e mais importantes da humanidade dos últimos tempos encontrasse a repercussão que merecia, para minha surpresa e para minha tristeza, o que verifiquei foi o primeiro aniversário da Populorum Progressio decaindo no Brasil. Os homens se esqueceram deste documento, uns por indolência do espírito, outros, por desinteresse espiritual”.
Deveras foi uma grande pena que a citada encíclica, publicada em 26 de março de 1967 e dedicada à cooperação entre os povos e ao problema dos países em desenvolvimento, não tivesse obtido a devida repercussão entre nós. Aliás, ao longo dos tempos, muitos documentos emanados da Santa Sé ou da CNBB não têm o alcance que deveriam ter na compreensão de bispos, padres, diáconos e leigos/as. Muitos até vociferam asneiras sobre certos documentos eclesiais, sem sequer os conhecer.
Dom Luciano citou o 3º § da encíclica papal: “Hoje, o fenômeno importante de que cada um de nós deve tomar consciência é o fato da universalidade da questão social. Os povos da fome dirigem-se hoje de modo dramático aos povos da opulência. A Igreja estremece diante dos diferentes gritos de angústia, e convida a cada um para responder com amor ao apelo do seu irmão. Este é o fato mais grave, mais trágico da hora presente, o fato de que a questão social se tornou universal. Internacional, ela envolve a humanidade inteira”.
Em sua preleção, Dom Luciano refere-se aos dois blocos políticos/econômicos nos quais o mundo se dividiu, o Ocidental, liderado pelos Estados Unidos, e o Socialista, liderado pela União Soviética. Diz que o papa Paulo VI, não sendo economista, nem estrategista, nem estadista, é “um perito em humanidade”. Portanto, a sua palavra é a de quem conhece as agruras das pessoas, especialmente daquelas mais afetadas pela miséria terceiro-mundista. Dom Luciano fala da evolução tecnológica a serviço dos seres humanos: “A técnica permitiu que o mundo dos subdesenvolvidos confrontasse a miséria com o mundo dos desenvolvidos”. Aquele, situado no hemisfério Sul, e este, no hemisfério Norte.
Há uma passagem do discurso que merece especial atenção, sobretudo porque Dom Luciano era visto como conservador, contrário, duramente contrário, ao socialismo de origem marxista. Eis, para a surpresa de muitos: “É particularmente significativo ver isso, que estes grandes líderes dos países em revolução, dos países que escolheram o caminho da violência para acabar com injustiças que os sufocavam. Possível citar dois nomes: Chu-En-Lai [companheiro de luta de Mao-Tsé-Tung, na China], antigo estudante da Sorbonne-Paris. Ho-Chi-Minh é um vietnamita que passa em Paris vários anos, que trabalha como garçom em restaurante para poder estudar. São estes homens que, no confronto da miséria a que está submetido o seu corpo, com a opulência destes povos que eles visitam esporadicamente, sentem nascer no seu coração a revolta, e esta revolta que neles desabrocha é apenas o símbolo da revolta que desabrocha hoje em toda esta imensa massa do terceiro mundo, que diante do confronto melancólico da miséria e do seu sofrimento, da sua opressão, do seu submundo, com a condição do desenvolvimento dos outros, parte em protesto, e todo o protesto se baseia nesta frase dita com todas as palavras, ou apenas sentida no âmago do coração: ‘Não, não aceitamos tais coisas, porque nós também somos homens’. E esta redução ao fundamento do sentimento revolucionário não é minha, mas do filósofo ateu Jean Paul Sartre”.
Para quem critica Dom Luciano por suas posições conservadoras, não dá para acreditar que tais palavras poderiam ter vindo dele. Mas, vieram. Com o passar do tempo, o arcebispo de Aracaju foi se tornado cada vez mais conservador, notadamente no que tange às suas posições contra a teologia da libertação e situações teológicas e/ou políticas afins. Ao seu modo, todavia, tinha uma determinada visão sobre as realidades sociais.
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*Padre (Paróquia Santa Dulce dos Pobres – Aruana - Aracaju), advogado, professor da UFS, membro da ASL,
Texto reproduzido do site: www clicksergipe com br