Publicação compartilhada do BLOG DO JOSÉ VIEIRA, de 5 de
julho de 2012
A emancipação política de Sergipe: uma teia de significado
históricos
Por José Vieira da Cruz*
Assim, como o ato de lembrar é uma forma de reconhecimento,
a rememoração da emancipação política de Sergipe é uma oportunidade para
avaliar a importância deste acontecimento para a história do Brasil e,
particularmente, desta história a partir de Sergipe. Parafraseando Le Goff,
alimentar a memória de homens e mulheres a respeito de um acontecimento
histórico requer gosto, estilo, paixão, rigor e método. Embora, nem sempre seja
possível reunir em uma exposição tantas qualidades, cabe, nessa oportunidade, evocar
o registro do Decreto de 8 de Julho de 1820 e a teia de significados históricas
que ele envolve.
Neste sentido, é preciso compreender esse documento
produzido dentro das reformas político-administrativas de 1820, colocadas em
curso pelo Império Português para acalmar os movimentos revolucionários
reconfigurando o Nordeste rebelde e aumentando suas possibilidades de controle
em casos de revoltas, numa clara remissão a Revolução Pernambucano de 1817, e,
desta forma, ao separar Sergipe da Bahia a administração portuguesa buscava
evitar que uma eventual revolta envolvesse toda a região. Atendia, também, ao
pleito de separação das autoridades e de parte da sociedade local: uma
retribuída por sua fidelidade ao Rei no episódio da Revolução Pernambucana de 1817. A compreensão histórica da teia de
significados deste documento tem alimentado em maior ou menor grau as
interpretações a respeito da emancipação política da Capitania de Sergipe: uma
interpretação fundada nas reformas administrativas do Estado Português em meio
à crise do Antigo Sistema Colonial, e outra que tende a valorizar o pleito
autonomista.
A primeira interpretação tende a situar as estratégias da
administração da coroa portuguesa em meio à crise do Antigo Sistema Colonial
como estratégia para evitar e postergar o quadro de revoluções e independências
que se viam processando na Europa e na América, respectivamente. Reformas
iniciadas no arco histórico da administração pombalina, período caracterizado
pela: expulsão dos jesuítas, incentivo à expansão da cana-de-açúcar, inclusive
em novas áreas, e pela diversificação da produção agrícola e das áreas
produtora. Essas reformas tiveram um profundo impacto na dinâmica econômica do
território de Sergipe, que passava a estreitar cada vez mais os laços de
vinculação econômica, política e social com a Bahia. Dinâmica viabilizada, em
contrapartida, pela intensificação da expropriação da mão-de-obra escrava e das
relações de trabalho não-assalariadas, o que preconizou, nos anos seguintes,
revoltas de escravos e índios, além da potencialização dos e atos de violência
cotidianos.
No desenrolar desse processo de reformas administrativas,
continuado pelos reinados de D. Maria I e D. João VI, e sob a égide dos ventos
da revolta dos escravos no Haiti e da revolução que levaria a queda do antigo
Regime na França, a coroa portuguesa se depara com a Revolução Pernambuco de
1817 e a Revolução Constitucionalista do Porto em 1820. Inserido neste
contexto, e à luz desta corrente interpretativa, Sergipe não teria sido alçada
a condição de Capitania como recompensa por ter enviado efetivos militares e
suprimentos para deter os revolucionários pernambucanos em 1817. Essa decisão envolvia interesses políticos,
econômicos e, sobretudo, estratégias para toda a região. E Sergipe, a exemplo
da época da Guerra do açúcar, entre Portugal e a Holanda, é alçado a condição
de território estratégico, retaguarda militar necessária para conter rebeliões
insurretas no Nordeste.
Essa argumentação fragiliza a hipótese da retribuição real aos sergipanos que demonstraram fidelidade ao rei nos acontecimentos de 1817. Entretanto, não descortina a importância do pleito autonomista que conferiria aquele território a importância estratégica viabilizada pela Corte Portuguesa no Brasil. A força desses argumentos, no entanto, minimizam o papel da elite local e do jogo de interesses travados pelos seus partícipes frentes a tensões sociais e econômicas da época. Posição melhor explanada, mais ainda não esgotada, pela já consolidada historiografia local.
Esta outra emancipação, fundada no pleito autonomista, não
se fez em um dia, nem apenas por Decreto Real, embora o tenha tomado como ponto
de referência para avanços, recuos, indefinições e para afirmação de uma ordem
que se impôs, ainda que mantendo de fora e sob relativa disciplina populações
indígenas, escravas, de libertos, de mestiços e de homens e mulheres pobres.
Essa outra emancipação foi uma obra construída por gerações que antecederam os
desdobramentos do 8 de julho de 1820.
Os caminhos desta história social do despertar deste
sentimento autonomista pode ser capturada e melhor compreendida no devenir de
acontecimentos como a revolta de sua população face ao abandono em que se
deparou o território de Sergipe após a
Invasão Holandesa (1637); no reconhecimento de sua autonomia judiciária em
1696, fato que circunscreve São
Cristóvão como comarca judiciária das terras entre o Rio São Francisco e
Itapecuru; na aceleração de sua
econômica em face das reformas econômicas pombalinas, tornando-se uma região
açucareira, além de manter-se como zona
de abastecimentos dos centros coloniais
da época, na preocupação e hesitação de
sua elite colonial face às revoltas de
índios sublevados e escravos revoltados.
Por todas essas considerações, explorar, ainda que
rapidamente, a teia de significados históricos suscitada pela celebração do 8
de Julho é uma das possibilidades de reconhecer e valorizar a história e a
cultura do Brasil a partir de Sergipe. Mas isso ainda não é o bastante. Ela
deve, e pode, contribuir também para a elevação da auto-estima dos sergipanos e
de sua contribuição na construção da nacionalidade brasileira. A construção
deste “instinto de nacionalidade” brasileira, como diria Machado de Assis, ou
de sergipanidade como desejamos, “não se fará num dia, mas pausadamente, para
sair duradoura; não será obra de uma geração nem duas; muitas trabalharão (...)
até perfazê-la de todo”. Neste sentido, quiçá, a construção dos sentidos desta
comemoração será, em breve, símbolo de orgulho e identidade entre nós.
* Doutor em História (UFBA). Prof. da SEED, da SEMED e da
UNIT.
FONTE: CRUZ, José
Vieira da. “A emancipação política de Sergipe: uma teia de significado
históricos”. In: Jornal da Cidade, 10/07/2008.
Texto e imagem reproduzidos do blogdojosevieira.blogspot.com
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