Publicação compartilhada do site JORNAL UNESP, de 19 de maio de 2023
Mestrinho: a alquimia da sanfona brasileira
Discípulo de Domingunhos, instrumentista vem construindo seu espaço reinterpretando ritmos tradicionais do Nordeste e dando continuidade à tradição de ases do acordeon acompanhando grandes nomes da MPB.
Por Renato Coelho
“Eu não escolhi a música, a música me escolheu. Quando vi, não havia outro caminho a seguir.” É esse sentimento forte de vocação, combinada com muito talento, que está por trás da trajetória de um dos principais sanfoneiros do Brasil hoje. Mestrinho foi discípulo de um dos principais nomes do instrumento no Brasil, Dominguinhos, e já compartilhou o palco com luminares da MPB do porte de Gilberto Gil, Hermeto Pascoal e Elba Ramalho.
Nascido na cidade de Itabaiana, Sergipe, em 1988, Erivaldo Júnior Alves de Oliveira, ou Mestrinho, sempre viveu dentro de um universo musical. Neto do tocador de sanfona de “oito baixos” Manezinho do Carira, filho do sanfoneiro Erivaldo de Carira, e tendo como irmãos a cantora Thaís Nogueira e o também sanfoneiro Erivaldinho, ele herdou um DNA musical. Começou a tocar sanfona na infância e desde pequeno foi influenciado pela música de Luiz Gonzaga, Dominguinhos, Sivuca, Oswaldinho do Acordeon, Hermeto Pascoal, Pixinguinha, Jacob do Bandolim, Gilberto Gil, Milton Nascimento e Elba Ramalho, entre outros.
“A minha relação com a música começou antes de eu nascer, pois quando minha mãe estava grávida, ela já sonhava com um filho sanfoneiro. Nasci num berço musical, ouvindo muita sanfona, iniciando com Luiz Gonzaga. Com 5 anos ganhei meu primeiro acordeon e comecei a tocar. Asa Branca foi a primeira música que aprendi. Depois fui aprendendo outras canções. Desde então, minha relação com a música foi e continua sendo de muito carinho, valorização e respeito, pois é uma coisa preciosa em minha vida”, diz.
Desde o início, sua formação musical seguiu por uma via natural, intuitiva e autodidata. Apesar de frequentar por um breve período uma escola de música, seu aprendizado principal se baseava em sua grande percepção musical e auditiva. Graças a ela, rapidamente conseguia executar e reproduzir em seu instrumento as notas e acordes que escutava. Esta facilidade abriu caminho para a precoce decisão de viver de música.
“Não lembro muito do meu processo de aprendizagem, não tenho essa memória do tipo ‘comecei aqui, desenvolvi ali’. Foi como se eu tivesse dormido e acordado sabendo tocar música. Por isso também não tenho didática para dar aulas, apontar um ou outro caminho. Deixo para os professores o ensino. Eu não me considero um professor, me considero uma pessoa que explora a música”, diz.
Mestrinho também relata as escolhas que fez para dar prosseguimento à vocação. “Aos 11 anos, já estava fazendo testes em bandas para tocar. Nas primeiras bandas de que fiz parte, ainda estava estudando na escola básica e tal. Entretanto, naquele momento, já enxerguei toda uma vida pela frente, todo um futuro. Cheguei na minha mãe e disse: mãe, eu já estou tocando e minha vida não será diferente disso. Eu quero ser músico, viver de música e vou atrás do meu sonho. Não vou estudar mais na escola. Então ela me olhou e disse: Tá bom, filho”, recorda Mestrinho. “Aí caí na estrada. Devido a minha idade, ela fazia autorizações para que eu pudesse viajar com as bandas. Minha mãe sempre me apoiou nesta trajetória artística”, lembra. Mas ele faz uma ressalva: “faço questão de destacar que, como sei da importância do aprendizado escolar, eu nunca deixei de aprender. Minha cabeça era focada na música, mas sempre busquei livros, conhecimentos diferentes e aprender coisas na vida que me desenvolvessem como cidadão. Eu adorava matemática, uma disciplina que tem tudo a ver com a música. Sempre fui interessado em muitos assuntos e temáticas que estruturaram meu caminho. Não cursei colégios, mas tive aprendizados muito ricos na vida.”
Já aos 17 anos, Mestrinho e sua irmã se mudaram de Aracaju para São Paulo e criaram o Trio Juriti. Juntos participaram de festivais e se destacaram pela composição da música autoral “Mais um dia sem te ver”. Ainda nesse trio gravaram dois álbuns intitulados Forró irresistível e Cara a Cara que contaram com a participação dos emboladores Caju e Castanha e com a produção do compositor João Silva, um dos maiores parceiros de Luiz Gonzaga.
Desde o início, o estilo de forró tradicional predominou na trajetória de Mestrinho. Porém, após conviver e tocar com Dominguinhos, o músico sergipano ampliou sua percepção sonora e alçou novos voos artísticos. “Dominguinhos é um Deus da música pra mim. Um dos maiores artistas e músicos no quesito do conhecimento puro da música, da conexão única que existe entre o universo e a música. Ou seja, as mensagens que a gente recebe do universo e transforma em música”, diz. ” Essa vivência foi uma espécie de reconexão. Como se nos conhecêssemos de outra vida e nos reencontrássemos, pois a gente acreditava em muitas coisas similares. A humildade, os conselhos de vida, da música… Dominguinhos me fez enxergar a importância do respeito pela música. A fazer o melhor para a música, fazer música para melhorar o dia das pessoas, e não para o meu ego ou de outras pessoas. Comecei a enxergar a música de outra forma, com outras características. A usar harmonia moderna, tocar jazz… Ele abria esses caminhos e a partir daí pude ouvir outros gêneros que abrangem a música nordestina e também sonoridades modernas.”
Durante sua carreira, além de Dominguinhos, Mestrinho já teve a honra de dividir o palco com artistas consagrados como os já mencionados Gilberto Gil, Hermeto Pascoal e Elba Ramalho, além de Rosa Passos, Antônio Barros e Cecéu, Zélia Duncan, Geraldo Azevedo, Jorge Aragão, Gabriel o Pensador, Paula Toller, Luciana Mello, Diogo Nogueira, Toni Garrido, Margareth Menezes, Elza Soares, Benito di Paula e Zeca Baleiro, entre outros.
Em 2014 lançou o primeiro álbum solo, intitulado Opinião, que conta com a participação do Gilberto Gil na faixa “Superar” de autoria do próprio Mestrinho. O trabalho também traz a participação de sua irmã Thais Nogueira na faixa “Arte de quem se ama” do compositor Elton Moraes. O álbum teve uma excelente repercussão de mídia e público. De lá pra cá, Mestrinho lançou outros diversos trabalhos, singles e canções que ampliam sua popularidade e o colocam como um dos principais nomes do acordeon no Brasil.
Texto e imagem reproduzidos do site: jornal unesp br/2023
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