Legenda da foto: Almir do Picolé com os filhos Raisa e Almir Júnior (Fotos: acervo pessoal)
Publicação compartilhada do site SÓ SERGIPE, de 8 de agosto de 2021
Entrevista » Almir do Picolé: “Meu filho será psicólogo e continuará o meu trabalho”
Por Antônio Carlos Garcia
Há 31 anos que o vendedor de picolé Almir Almeida da Paixão, 51, mais conhecido como Almir do Picolé, faz da vida um ato de solidariedade. E como bons exemplos devem ser seguidos, ele prepara o filho Almir Júnior, 17 anos, para cuidar, no futuro, da Creche Solidária Almir do Picolé, no bairro Piabeta, em Nossa Senhora do Socorro, que atualmente atende 96 crianças. “Meu filho será psicólogo e continuará o meu trabalho quando eu morrer”, afirmou. E não só Almir Júnior, a filha Raisa de Oliveira Custódio também está totalmente envolvida nos trabalhos da creche.
O filho Almir Júnior garantiu que cuidará da creche no futuro. “Pretendo dar continuidade a esse trabalho já que faço parte e amo de verdade. Entrego tudo nas mãos de Deus”, afirmou, ao acrescentar que sua irmã Raisa colabora bastante. “Raisa é totalmente envolvida aqui na creche e pensa em continuar”, completou Almir Júnior.
Na última sexta-feira, 6, para comemorar antecipadamente o Dias do Pais, já que aos domingos a creche não funciona, Almir do Picolé distribuiu 67 cestas básicas para os pais da Piabeta, fruto de doações. Ainda na sexta-feira à noite, Almir estava numa sinaleira da avenida Beira Mar pedindo ajuda para manter a creche e seguir seu trabalho de atender crianças carentes, e um outro pouco conhecido: ele providencia o funeral de pessoas carentes.
A vida de Almir do Picolé sempre foi de doação aos mais pobres, e isso chamou a atenção da imprensa que, segundo ele, é sua parceira. Foi justamente por seu trabalho ter visibilidade, que um empresário, ao vê-lo num telejornal, decidiu doar um terreno para que ele construísse a sua casa própria. Mas Almir preferiu construir a creche para cuidar das crianças.
Além da solidariedade, Almir exercita o perdão. Ele perdoou aos pais que lhe abandonaram ainda pequeno. Almir lembra que em 2015 conheceu a mãe, Maria Almeida Paixão, que o abandonou e foi embora para São Paulo, onde vive há 49 anos. Ele conta que Maria assistia ao Fantástico naquela época quando passou uma reportagem contando sobre o trabalho solidário de Almir. Como na reportagem foi divulgado o número de telefone da creche para quem quisesse fazer doação, o outro filho de Maria – Fábio – anotou o número, ligou para a creche, falou com o vigia e deixou o endereço de São Paulo.
De surpresa, Almir foi até lá, conheceu a mãe, que lhe contou o porquê de tê-lo abandonado, pediu perdão e foi perdoada. Esse perdão também foi para o pai, José Vitor da Paixão, conhecido como “Zé da Farinha” que, nos últimos dias de vida, foi cuidado por Almir dentro da creche. “Ele morava com um primo meu, no Conjunto Fernando Collor, e depois veio morar comigo na Piabeta. Eu o ajudei”, afirmou.
Desde que foi fundada até agora, mais de mil crianças já passaram pela creche de Almir do Picolé, instituição que sobrevive de doações das comunidades. Até hoje, Almir pode ser encontrado nos semáforos de Aracaju pedindo doações para a instituição. Caso você não encontre e queira doar alguma quantia, basta ir ao Instagram @almirdopicole e verificar como doar.
Almir segue fazendo o bem e dando bons exemplos. Hoje, Dia dos Pais, ele é o entrevistado do Só Sergipe. Almir diz tem dedicado a vida a cuidar de crianças carentes e, também, fazer sepultamentos. Ele é uma referência na Piabeta e em Sergipe.
Vale a pena conhecer um pouco da vida deste cidadão.
SÓ SERGIPE – Quantas crianças a Creche Almir do Picolé atende?
ALMIR DO PICOLÉ – Nós temos 96 crianças e elas ficam por lá de segunda a sexta-feira das 7 às 17 horas. Inclusive, para homenagear os pais fizemos a distribuição de cestas básicas, na sexta-feira, 6.
SÓ SERGIPE – E quantas cestas básicas vocês distribuíram?
ALMIR DO PICOLÉ – Foram 67 cestas básicas, fruto de doação das pessoas.
SÓ SERGIPE – Há quantos anos o senhor tem esse trabalho?
ALMIR DO PICOLÉ – Esse trabalho social fará 31 anos agora em outubro.
SÓ SERGIPE – O que motivou o senhor a fazer esse trabalho social?
ALMIR DO PICOLÉ – Eu morava numa vila com muitas crianças e resolvi ajudá-las. Com a comunidade, arrumei brinquedos e fiz a distribuição. Até que um dia, um empresário me viu na televisão fazendo esse trabalho, me procurou para doar um terreno para mim, pois eu morava de aluguel. Mas no terreno eu construí a creche para ajudar mais crianças.
SÓ SERGIPE – E hoje o senhor mora na creche?
ALMIR DO PICOLÉ – Sim. A creche foi construída em cinco anos e tem 18 de inaugurada. Aliás, o imóvel é registrado em nome da Creche Ação Solidária Almir do Picolé.
SÓ SERGIPE – O senhor sempre foi procurado por políticos para se filiar a algum partido, mas até agora nunca quis. Por quê?
ALMIR DO PICOLÉ – Não gosto de política. Não exerço meu voto para ninguém. Faço o meu trabalho com as crianças, não tenho nada na vida e só quero ajudar as pessoas. Não tenho dinheiro guardado, não tenho nada.
SÓ SERGIPE – Além das crianças que cuida na creche, o senhor tem filhos?
ALMIR DO PICOLÉ – Eu tenho um menino de 17 anos e uma menina de 21 que crio. Sou separado da mulher há mais de 10 anos. A menina se chama Raisa e o menino é Almir Junior. Ele será psicólogo e continuará o meu trabalho quando eu morrer.
SÓ SERGIPE – E seus pais?
ALMIR DO PICOLÉ – Meu pai faleceu e minha mãe mora em São Paulo. Eu já fui conhecer minha mãe.
SÓ SERGIPE – Como aconteceu isso?
ALMIR DO PICOLÉ – Eu saí numa reportagem do Fantástico e meu irmão ligou para a creche e fui lá conhecê-la. Mas minha mãe me deixou muito pequenininho. Ela foi embora para São Paulo e eu fiquei com minhas tias, irmãs de meu pai. Eu fui separado de pai e mãe logo cedo.
SÓ SERGIPE – O senhor chegou a cuidar do seu pai, não foi?
ALMIR DO PICOLÉ – Sim, cuidei dele, assim que o conheci. Ele morava com um primo meu, no Conjunto Fernando Collor, e depois veio morar comigo na Piabeta. Eu o ajudava. Ele era conhecido como ‘Zé da Farinha’, mas o nome completo era José Vitor da Paixão.
SÓ SERGIP E- Seu pai e sua mãe lhe abandonaram?
ALMIR DO PICOLÉ – Sim, sim. Minha mãe foi embora para São Paulo e nos deixou aí, nesse mundo de Deus. Eu fiquei com a família do meu pai. Os familiares por parte da minha mãe não gostam de mim, têm ódio de mim. Mas a família da parte do meu pai gosta de mim.
SÓ SERGIPE – Sua história é interessante. Foi abandonado pelos pais e só foi conhecê-los já adulto. Você os perdoou?
ALMIR DO PICOLÉ – Sim, os perdoei. Eu perdoei minha mãe, que conheci depois da reportagem no Fantástico. Fui a São Paulo conhecê-la. No dia 26 de outubro do ano passado, foi aniversário dela e levei minha irmã para conhecê-la. Fiquei feliz porque a data de aniversário dela é perto do meu. Ela disse que me abandonou e não lembrou mais da gente. Como tenho coração bom eu perdoei. Os filhos dela nascidos em São Paulo estão bem. Ela tem 49 anos que mora em São Paulo.
SÓ SERGIPE – Hoje, com essa creche, o senhor se considera pai de todas essas crianças?
ALMIR DO PICOLÉ – Sim. Eu só nasci para ajudar as pessoas. Financeiramente, não tenho nada. Tudo que recebo é para ajudá-las. Não tenho uma moradia.
SÓ SERGIPE – Quantas pessoas trabalham na creche?
ALMIR DO PICOLÉ – Dezessete e todos recebem o salário em dia. Eu pago com a doação do povo. Não tenho ajuda nenhuma do governo.
SÓ SERGIPE – Quantas crianças já passaram pela creche?
ALMIR DO PICOLÉ – Mais de mil crianças. Agora nós temos escola, reconhecida pelo Ministério da Educação, dando qualidade de vida às crianças. A escola é jardim, de três a cinco anos. É um negócio bonito. Isso tudo é uma missão para mim. Com dificuldade, mas sigo lutando.
SÓ SERGIPE – Como foi que o senhor descobriu que tinha essa missão?
ALMIR DO PICOLÉ – Coisa de Deus. Se eu viajar de ônibus daqui para São Paulo e não ver uma criança, fico triste. Sou doido por criança. Eu comecei a ajudar crianças com uns 20 anos de idade. Quando eu trabalhava em uma padaria na Colônia Treze, em Lagarto, o meu dinheiro é para dar ajudar as pessoas. O dono dizia que eu não ia ter nada nunca. Gastava boa parte do meu salário na padaria dando comida às pessoas. Não tenho maldade com ninguém, não ligo para nada. Posso morrer sem nada, mas morro com o espírito da solidariedade. Tudo que recebo é para ajudá-las. E eu tenho problemas de saúde.
SÓ SERGIPE – Qual problema?
ALMIR DO PICOLÉ – Tenho um problema de visão grave. Tenho catarata e outra doença no olho, que não lembro o nome. Eu acho que é glaucoma e tenho que fazer tratamento. O grau dos óculos é muito forte.
SÓ SERGIPE – O senhor tem planos de aumentar o tamanho da creche para atender mais pessoas?
ALMIR DO PICOLÉ – Não, não tem como. Só quero poder pagar os encargos trabalhistas e salários dos funcionários em dia. Nunca atrasei o salário de ninguém. É um trabalho de doação, mas é empreendedorismo também. Qualquer centavo que entra, a Receita Federal vê.
SÓ SERGIPE – O senhor ainda fica nas sinaleiras?
ALMIR DO PICOLÉ – Fico sim. Continuo o meu trabalho nas sinaleiras.
SÓ SERGIPE – O senhor tem recebido ajuda de empresas?
ALMIR DO PICOLÉ – Não, só do povo. E tem o telemarketing que as pessoas ligam e podem fazer as doações. Os empresários ajudam nas sinaleiras. Lá no Instagram tem todas as informações. Agora veja, tem cantor que não ajuda ninguém e tem não sei quantos milhões de seguidores, enquanto o meu canal que é para servir aos pobres só tem sete mil seguidores. Tem gente que segue outras para ver besteira, palavrão, mas não para ajudar as pessoas. O Instagram da creche deveria ter muito mais. Mas quem fala besteira no Instagram tem não sei quantos milhões de seguidores.
SÓ SERGIPE – Além da creche, o senhor também dá outro tipo de ajuda à população carente?
ALMIR DO PICOLÉ – Sim, eu providencio o enterro de pessoas carentes aqui da região da Piabeta.
SÓ SERGIPE – O senhor me disse que ganhou um carro. Com foi?
ALMIR DO PICOLÉ – Foi uma história muito bonita. Uma senhora de 90 anos deixou um carro para a creche. Mas foi o seguinte: antes de morrer, deixou por escrito que o carro seria para a creche. Um dia, um filho dela veio aqui e me entregou. O carro já estava no nome da creche. Era um carro novo, com poucos quilômetros rodados. Foi maravilhoso. É coisa de emocionar. Ela morava em São Domingos e também ajudava as pessoas por lá. Eu não a conheci.
SÓ SERGIPE – E a moça que doava R$ 10,00?
ALMIR DO PICOLÉ – É verdade. Ela vivia do Bolsa Família e tirava, todo mês, R$ 10 para doar à creche. Há dois anos eu fiz o enterro dela no Coqueiral. Foi nesse dia que eu soube que ela doava.
SÓ SERGIPE – Que apelo o senhor faz para que a população possa se integrar mais ao seu trabalho?
ALMIR DO PICOLÉ – Que sejam solidários. A solidariedade faz bem para alma. Tudo aqui na Terra é passageiro. A pessoa morre e acaba tudo, vira carniça. O prédio que você deixou vai se acabar. É tudo passageiro. Eu estou com minha vida realizada, porque meu sonho era ajudar as crianças.
Texto e imagens reproduzidos do site: sosergipe.com.br
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