Foto: Maurício Mangueira/Divulgação
Publicado originalmente no site do Jornal da Cidade, em 04/04/2016.
“A literatura é sempre maior que nós”
Por: Gilmara Costa/Equipe JC
Sem excessos na escrita, Antônio Carlos Viana conquista
leitores e abocanha prêmios, a exemplo do organizado pela Associação Paulista
dos Críticos de Arte (APCA), com o livro “Jeito de Matar Lagartas” (2015), e
anteriormente em 2009, com a obra “Cine Privê”. Indo direto ao ponto (sempre!),
ele aponta o essencial na atividade de escritor e afirma que quem faz o livro é
o leitor. Considerado um dos maiores contistas do país na atualidade, Antônio
Carlos Viana revela que escrever é um ‘suadouro’ e enquanto leitor destaca a
curiosidade em saber se os ‘bonzões’ Rubem Fonseca e Dalton Trevisan também
compartilham das dificuldades da escrita. E assim, a conta gotas de suor e
tinta, ele resiste à ‘seca’ das palavras movido por um ‘correr da pena’ que tem
sede. É sobre isso e muito mais, que Antônio Carlos Viana conversa com o JORNAL
DA CIDADE na entrevista deste final de semana. Boa leitura!
JORNAL DA CIDADE - Vencedor do Prêmio da Associação Paulista
de Críticos de Artes (APCA), o livro “Jeito de Matar Lagartas” tem alcançado
uma repercussão superior ao que imaginava?
ANTÔNIO CARLOS VIANA - Quando a gente lança um livro, não
espera que ele terá uma repercussão grandiosa. Tolo quem pensar assim, porque
leitor é classe muito cismada. Basta um não gostar que passa a ideia adiante, o
outro mais adiante, o famoso boca a boca, e o livro não se realiza. Porque é o
leitor quem faz o livro. O papel do escritor é escrever da melhor forma que puder,
porque às vezes perdemos o round por uma ou outra frase mal escrita, por alguns
clichês, por uma personagem sem interesse humano. A literatura é sempre maior
que nós. É preciso ter humildade para saber que nem tudo vai dar certo. Tanto
que, às vezes, de dez páginas escritas num dia sobram apenas cinco. “Jeito de
Matar Lagartas” teve boa acolhida desde os primeiros momentos e isso ajudou
muito a divulgá-lo. A internet hoje faz o boca a boca mais rápido e eficiente,
e a notícia, sendo boa, angaria logo um monte de leitores. O prêmio da
Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA) deu mais um belo empurrão e o
livro ganhou mais repercussão ainda. Às vezes, acho que é sorte. Um livro meu
que não teve essa mesma sorte e que só agora, na esteira do “Lagartas”, está
sendo redescoberto é “Aberto está o inferno”, de 2004.
JC - Ao que credita a boa aceitação do público à publicação
permeada pela morte, descobertas da adolescência e conflitos da velhice?
Acredita que as pessoas encontram nos contos uma identificação com os
personagens?
ACV - Um livro toca o público leitor quando lhe fala de
problemas que lhe são muito próximos. Quem nunca passou pelos percalços da
adolescência, pelas descobertas do sexo, quem, vivendo muito, não terá
problemas com a velhice, por mais saudável que seja? E tem também a morte, que
é uma preocupação constante do ser humano. Tocando esses temas, cria-se logo
uma identificação com o leitor. Mas não é só expor o tema, há os ingredientes
literários que devem ser trabalhados de forma muito sutil, para não tornar o
livro nem muito acadêmico, nem muito vulgar. Tudo é questão de linguagem. O
autor precisa trabalhar a isca.
JC - Na atual conjuntura política, econômica e cultural,
existiria um “Jeito de Matar Lagartas”? Qual seria ele na visão do escritor?
ACV - O único jeito de matar essas lagartas que estão
destruindo o Brasil é dar educação ao povo para que ele saiba escolher melhor
seus representantes. Mas aí temos um paradoxo: como eles vão querer educar o
povo, se é da ignorância que eles sobrevivem? Pensar que prendendo esse monte
de ladrão vamos acabar com a corrupção é ilusão. É bom que prendam, mas os
tentáculos desse monstro são muito difíceis de cortar, pois parecem renascer a
cada geração que chega ao poder. É algo muito enraizado. Só mesmo educação,
educação, educação. Mas uma boa educação no Brasil virou utopia. A “Pátria
educadora” virou pó.
JC - O que significa ser considerado um dos maiores
contistas da atualidade no país?
ACV - Essa pergunta é muito difícil de responder. Se eu
disser que sim, caio no “estou me achando”, quando na verdade não estou. A
crítica diz isso, mas, na hora em que sento para escrever um conto, minha
sensação é outra. Tenho as mesmas dificuldades que tinha no começo. Parece que
a gente está sempre recomeçando. Eu queria saber se os bonzões mesmo, como
Rubem Fonseca e Dalton Trevisan, também sentem essa dificuldade. Escrever para
mim é um suadouro. O leitor lê um conto e pensa “puxa como ele escreve ao
correr da pena!”, mas é pura ilusão. O “correr da pena” é fruto de muito
trabalho, coisa de doido mesmo. Paul Valéry dizia que desconfie daquilo que vem
com facilidade. As facilidades poéticas e narrativas são um doença de difícil
cura.
JC -E qual a avaliação que faz da produção sergipana na
literatura?
ACV - Temos gente nova escrevendo bem. Pena que a produção
fique restrita ao nosso estado. O livro é geralmente bancado pelo próprio
autor, o que o encarece bastante. Falta-nos uma política do livro, uma editora
com distribuição nacional. Mas isso não é nada fácil. Pernambuco, que é um
estado de muitos escritores, ainda não tem alcance nacional. Rio e São Paulo
ainda são os grandes centros irradiadores da literatura. Aqui temos poetas que
poderiam estar em qualquer grande editora do Sul, mas o acesso é sempre
difícil.
JC - Você tem como características o comprometimento com a
exatidão da narrativa, sem excessos. Isso é algo que considera essencial em um
conto?
ACV - Ah, sim! O conto não pode ser verborrágico. O leitor
tem de ser capturado logo nas primeiras linhas. Se ele chega ao terceiro
parágrafo e ainda não foi fisgado, o autor errou. Qualquer excesso prejudica
algo que é essencial num conto: a tensão. O final também não pode ser dado
antecipadamente. Se for, é sinal de que o conto fracassou. O bom desfecho é
aquele que só se ilumina na última linha e, se for possível, na última palavra.
Aí é mais difícil ainda.
JC - Avesso a escrever romance por conta da impaciência que
diz possuir, você já revelou que até tentou, mas não deu continuidade às 80
páginas já escritas. Onde está esse romance? Não há possibilidade mesmo de
retomar e finalizar?
ACV - Realmente não tenho paciência para ficar em cima de um
livro que só iria terminar dali a dois ou três anos. E se fracassar? Tempo
perdido. Escrevi 80 páginas de um possível romance mas me cansei. A história
foi perdendo força. Decididamente não nasci para ser romancista. Admiro muito
quem tem fôlego para escrever um livro de mais de duzentas páginas. Eu não
consigo. Só se me baixar o espírito de Balzac.
JC - O que tem sido leitura obrigatória, prazerosa e
inspiradora para você nos últimos meses?
ACV - Quando o escritor fica na aridez, a única saída é a
leitura. Eis um momento difícil, a gente acha que nunca mais vai escrever.
Estou passando por isso. Recorro aos bons autores e eles realmente instigam o
desejo de voltar à escrita. Ler uma frase benfeita, acompanhar uma personagem
bem construída criam em nós a vontade de querer fazer parecido. O que li de
inspirador nesse tempo de seca pós “Jeito de Matar Lagartas” foram autores como
Carson McCullers, John Williams, Elvira Vigna, Rubem Fonseca. Estou terminando
um livro muito instigante que ganhou o Prêmio Sesc 2014, “Enquanto Deus não
está olhando”. A autora, Débora Ferraz, tem um fôlego invejável já no seu primeiro
romance, 366 páginas. Além da leitura de bons autores, terapia também ajuda.
JC - E quanto à escrita, você tem produzido contos com
vistas à publicação de uma nova obra? Se positivo, qual seria a previsão de
lançamento?
ACV - Por enquanto não. Estou na fase da seca. Tenho muitos
contos começados, mas nenhuma vontade de terminar. Talvez seja fruto de minhas
exigências altas demais. Às vezes me dá vontade de parar, mas algo mais forte
me faz ir adiante. Quando publiquei “Cine Privê”, achei que era o último e não
foi. Veio “Jeito de Matar Lagartas”. Tomara que seja sempre assim.
Texto e imagem reproduzidos do site: jornaldacidade.net
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