Publicado originalmente no Perfil do Facebook|Lilian Rocha,
em 28 de setembro de 2021
Por Lilian Rocha
Depois de ter sido professora por mais de 30 anos, eu achava
que não poderia haver outra profissão tão surpreendente e estimulante. Porque
“dar aula”, pelo menos pra mim, era sempre algo imprevisível, uma vez que a
sala de aula é um “organismo vivo”, onde tudo pode acontecer de repente. E
quando acontece, o professor tem que estar pronto para tudo, inclusive até para
mudar de papel com seus alunos, se for preciso.
Por milhares de vezes eu troquei de papel com eles e
aprendi, muito mais que ensinei.
Mas depois de aposentada, me dediquei a outra atividade, bem
mais “calma” que a outra, evidentemente, mas igualmente surpreendente...
Hoje me dedico à revisão de textos e a escrever livros, uma
atividade com que sempre sonhei. Só que do mesmo jeito que nunca consegui ser
apenas uma professora que transmitia conteúdos mas me envolvia inteiramente na
vida dos meus alunos, também me vejo completamente envolvida na história das
pessoas que me pedem ajuda para revisar, organizar ou escrever um livro. A
maioria das vezes nem conheço essas pessoas, pois os pedidos me chegam pela
internet, mas a partir do primeiro capítulo, já me vejo mergulhada na história
e “amiga íntima” daqueles personagens. Imagino os cenários, sinto o drama dos
personagens e, por vezes até, misturo a minha emoção com a deles...
Assim também foi quando Beto, irmão de minha cunhada Leila,
me convidou para escrever um livro sobre o pai dele, Valteno Menezes. Eu nunca
tinha escrito uma biografia antes, mas como sempre acontece, meu entusiasmo
fala primeiro e, quando percebo, já aceitei o desafio, sem nem ao menos pensar
direito.
O objetivo de Beto e dos irmãos era homenagear o seu pai com
um livro sobre ele, a ser lançado em 2019, por ocasião do centenário dele, se
vivo estivesse.
Só havia um pequeno problema: seu pai tinha falecido há
quase 30 anos e muitos dos amigos e contemporâneos dele também já se tinham
ido. E apesar de ele ter sido um comerciante muito conhecido, dono da maior
loja de tecidos em Aracaju, um dos donos da Viação São Pedro e um dos sócios do
Hotel Beira Mar, não havia absolutamente nada na internet sobre ele, nenhum
registro, nenhuma foto.
Mas nosso entusiasmo falou mais alto. Decidimos prosseguir,
mesmo assim. E durante um ano, eu e Beto saímos à procura de amigos,
ex-funcionários e parentes de Valteno Menezes para entrevistá-los, a fim de
conseguir mais uma pecinha para montar aquele enorme quebra-cabeça sobre a vida
dele.
E a cada entrevista, minha alma literária ia desenhando a
figura daquele personagem que eu só tinha visto duas vezes em minha vida.
Mas não foi fácil montar aquele quebra-cabeça com tantas
peças faltando... Por vários dias eu fiquei debruçada no computador, tentando
encontrar um link que fizesse dois pedaços da história se encaixarem. Eu
conseguia vislumbrar por inteiro a alma do meu personagem, mas uma história não
se faz só de emoção, ela também precisa de dados concretos.
E de pouquinho em pouquinho, extraindo da memória de um e de
outro, fui conseguindo trazer à tona aquele pequeno homem, pobre, manco e
semianalfabeto, que veio lá de Riachuelo disposto a abrir uma loja de tecidos
em Aracaju.
E ele conseguiu. Não só abriu uma loja de tecidos, como
conseguiu se tornar um dos maiores empresários sergipanos, graças à sua visão
empreendedora.
Mas não foi só isso o que me encantou em sua história. Muito
mais do que saber “o que” ele conseguiu, foi saber “como” ele conseguiu. E
muito mais surpreendente do que conhecer sua visão aguçada para os negócios,
foi sentir o quão generoso era o seu coração.
Mas para descobrir isso, é preciso ler esta história com o
coração, pois foi com o coração que ela me foi contada e com o coração que ela
foi escrita.
E para que esse pequeno grande homem continue vivo em nossa
memória é preciso continuar falando dele, rindo dos seus ‘causos’ e nos
orgulhando dos seus feitos. Pois “uma pessoa só morre no dia em que morre a
última pessoa que se lembra dela”…
Texto e imagem reproduzidos do Facebook|Lilian Rocha
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