Publicação compartilhada do site MANGUE JORNALISMO, de maio de 2023
O ano era 2012, eu estava em êxtase com a programação do Projeto Verão, evento que reunia o melhor da música brasileira nos palcos espalhados por algumas cidades sergipanas. Rita Lee era uma das atrações da arena musical no município da Barra dos Coqueiros, próximo a Aracaju. Rita estava se despedindo dos palcos, o show em Sergipe seria o último, e eu, fã de tudo que Rita representava, não podia perder a única oportunidade de vê-la nos palcos e na minha terra.
No carro, peguei carona com amigas tão empolgadas quanto eu, fomos ouvindo e cantando as músicas que nos representavam. Eram coros de “Agora só falta você”, “Lança-perfume”, “Doce Vampiro”, entre outras que atravessaram e ainda atravessarão gerações. Ficamos tentando adivinhar o que ela cantaria, como seria o show, o que ela estaria vestindo, afinal, era Rita Lee, a mulher mais icônica e transgressora do Brasil. Nessa época, eu tinha 26 anos, e conhecia toda a trajetória, história e músicas de Rita. Cresci numa família em que Rita era ouvida e celebrada na boca e nos ouvidos de todos.
Na Barra dos Coqueiros, o show começou, ela maravilhosa, com uma presença só dela, uma banda familiar, o puro suco do rock n’ roll brasileiro. Estávamos num ambiente de praia, um show gratuito de uma mulher sempre à frente do tempo, que sempre lutou e defendeu a liberdade de expressão como um lema de vida. Enfrentou uma época tenebrosa de nossa história, a ditadura militar, foi acusada de louca, de transgressora, e seguiu com força total em sua linha tortuosa de brilhantismo dentro de suas inúmeras facetas como cantora, compositora, multi-instrumentista, ativista, atriz e escritora.
Sergipe, do palco para delegacia
Rita tem o título de Rainha do Rock Brasileiro, a mulher que vendeu mais de 55 milhões de discos com suas músicas, saiu, em Sergipe, do palco à delegacia. O conservadorismo sergipano não conseguiu acompanhar a força de Rita, o pensamento crítico e a defesa atuante por uma sociedade justa, por uma polícia que não oprima e agrida. Afinal, Rita viveu a ditadura, e em 2012, violência policial em seu show, seria algo impossível de engolir.
Naquela ocasião, policiais agredindo dois jovens ao meu lado, eu estava lá, os dois garotos fumavam seu baseado curtindo o show, quando uma fila de capacetes brancos surge empurrando o que estivesse à sua frente e batendo de maneira truculenta nos garotos que estavam timidamente fumando. Gritei, minhas amigas gritaram, as pessoas ao redor gritaram, até que Rita viu e também gritou contra a violência policial. O governador era Marcelo Déda. Ele e seus representantes ficaram constrangidos e deixaram o palco, como vídeos que circulam até hoje na internet dão conta de provar.
O último show da carreira
Rita Lee saiu do palco à delegacia. O último show da carreira de Rita foi marcado pelo conservadorismo da polícia militar sergipana, que além de tirá-la para que ela prestasse depoimento por ter xingado os policiais que bateram nos garotos, ainda precisou enfrentar um processo por danos morais, o qual ela foi absolvida posteriormente. A polícia de Sergipe não aguentou a força de Rita, era mais fácil seguir batendo nos garotos ou em quem mais estivesse fazendo o mesmo, e eram muitos, do que refletir sobre a violência desproporcional que deita no berço da hipocrisia de uma sociedade que jamais esteve preparada para alguém como Rita Lee.
Em sua biografia, há uma parte profética em que ela dita: “Quando eu morrer, posso imaginar as palavras de carinho de quem me detesta. Algumas rádios tocarão minhas músicas sem cobrar jabá, colegas dirão que farei falta no mundo da música, quem sabe até deem meu nome para uma rua sem saída. Nenhum político se atreverá a comparecer ao meu velório, uma vez que nunca compareci ao palanque de nenhum deles e me levantaria do caixão para vaiá-los”. Em seu epitáfio, ela termina: “Ela nunca foi um bom exemplo, mas era gente boa”.
Para sempre, Rainha Rita!
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* Díjna Torres > é jornalista, repórter da Mangue Jornalismo, doutora em Antropologia pela UFSC, mestra em Sociologia pela UFS, especialista em religiosidades e cultura afro-brasileiras e estudos de gênero. É autora do livro “Mulher Nagô: liderança e parentesco no universo afro-brasileiro”.
Texto e imagem reproduzidos do site: manguejornalismo org
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