domingo, 13 de dezembro de 2015

Entrevista com Antônio Carlos Viana

Fotos: arquivo pessoal.

Publicado originalmente no site G1 SE., em 07/12/2015.

Antônio Carlos Viana fala sobre obra que recebeu prêmio nacional.
Autor narra conflitos com morte, sexo e solidão em 'Jeito de matar lagartas'. Livro foi lançado em março e pode ser adquirido nas livrarias de Sergipe.

Do G1 SE.

O escritor sergipano Antônio Carlos Viana, considerado um dos maiores contistas brasileiros da atualidade, é o vencedor da categoria Literatura em Contos/Crônicas da Associação Paulista de Críticos de Artes (APCA) pela publicação do livro 'Jeito de Matar Lagartas'. A lista dos premiados foi divulgada no dia 3 de dezembro.

O prêmio não tem inscrições e os concorrentes são escolhidos ao longo do ano conforme as publicações são feitas.

Em entrevista ao G1 o revela os bastidores da construção da obra literária.

G1:O livro ‘Jeito de matar lagartas’ foi escrito em um momento delicado da sua vida quando você passava por problemas de saúde. Mesmo sem nenhuma pretensão de vê-lo publicado agora vem o reconhecimento do prêmio de alcance nacional da Associação Paulista de Críticos de Artes (APCA). É um incentivo para continuar produzindo textos?

Realmente, o livro foi produzido quando eu já sentia as dores do mieloma que tomou conta de mim. Isso foi em maio de 2014. Como senti que algo muito ruim se avizinhava, peguei os contos que meus quatro primeiros leitores haviam selecionado e os retrabalhei em duas semanas. Foi um trabalho insano, trancado num flat em Curitiba. Foi uma decisão sensata, essa minha. Se tivesse demorado mais um mês, não teria publicado esse livro. As dores se agravaram no final de maio, o diagnóstico demorou a ser feito e só fui piorando. Assim que terminei de revisar o livro, mandei para a Companhia das Letras, que deu sinal positivo. Daí em diante perdi o interesse por ele, pois a doença se tornou avassaladora, com dores que não passavam nem com os remédios mais fortes. Quando, em dezembro, eu estava internado aqui no São Lucas, a editora me pediu para revisá-lo, pois ia sair em janeiro. Eu não tinha a menor condição de ler. Foi meu filho que o fez. Sem ele, o livro não teria saído. Ganhar esse prêmio é algo que me soa ainda estranho, pois não estava no meu roteiro. Ninguém escreve pensando em ganhar prêmio, creio eu. A boa recepção crítica de "Jeito de matar lagartas" me fez muito feliz, evidentemente. Quem não ficaria? Um júri da maior qualidade, cujos integrantes jamais vi. Um prêmio como esse da APCA dá um gás enorme para a gente ter coragem e procurar ler o que está guardado. Tenho muitos contos arquivados, mas só vou pegar quando estiver bem recuperado mesmo, com muita energia. Escrever deixa qualquer um esgotado, ainda mais sendo exigente como eu.

G1: Nesta obra premiada você aborda os conflitos e descobertas desde a infância até a idade avançada. Como é o passeio por essas realidades?

Sempre meus contos giraram, em sua maioria, em torno da infância e dos seres marginalizados. Agora, por motivos óbvios, começaram a girar também em torno da velhice. Não deixa de ser interessante pegar essas duas pontas da existência e explorá-las com o viés que me é peculiar: uma visão de mundo desesperançada, trágica até, pois parece que nascemos mesmo para a tragédia, embora hoje, depois de tudo por que passei, eu esteja menos pessimista. Mas o livro tem esse lado triste, desesperançado, de seres esquecidos, que não tem muito o que esperar da vida. O erotismo surge como uma possibilidade de felicidade, mas nem sempre o é.

G1: A miséria e a morte também são abordadas no livro, foi influência da sua experiência de vida? Seria uma visão mais realista?

Diz-se que a gente sempre escreve melhor sobre o que viveu. Acredito nisso. Desde o primeiro livro, "Brincar de manja", que a morte e a miséria aparecem em meus contos. Eu não saberia escrever sobre a riqueza, pois nunca fui rico. Minha família era humilde, morávamos na zona rural de Aracaju, e isso me marcou muito. Eu via as dificuldades em casa e nas pessoas que moravam nos arredores do sítio onde fui criado. Isso foi um grande manancial para minha ficção. Seres à margem sempre me interessaram. E tem nada mais à margem que a criança e os velhos, tais como os exploro hoje? Quanto à presença da morte, ela sempre nos acompanha, e não há nada mais incompreensível para nós do que ela. Não deixa de ser uma visão realista, mas um realismo que vem mais do trabalho com as palavras do que com os fatos em si.

G1: ‘Jeito de matar lagartas’ tem conflitos, mas também humor. Como foi possível esse equilíbrio?

O conto é um gênero muito difícil. Se ele não agarrar logo o leitor nas primeiras linhas, pode virar um belo fracasso. O conflito é a sua base. Sem este, o conto não se desenvolve. O humor é peça indispensável em qualquer gênero. É uma forma de aliviar as tensões existentes num texto que muitas vezes trata de assuntos pesados. Confesso que é muito difícil harmonizar conflito e humor. É trabalhando incansavelmente que a gente chega a um ponto de equilíbrio. Escrever é isso: trabalho, trabalho, trabalho. Nunca nenhum conto me foi dado de primeira. Trabalho feito um maluco para que cada frase tenha o peso que lhe quero dar no contexto da história narrada.

G1:A sua formação acadêmica em teoria literária ajuda na criação dos seus contos? Tem algum ingrediente que não pode faltar no texto?

Há pessoas que acham que a teoria atrapalha. Claro que ela atrapalha se o escritor começar ficar pensando em regras o tempo todo. Ele não sairá do lugar. A teoria é boa porque nos dá os instrumentos para verificar se os elementos de uma narrativa estão bem desenvolvidos, se a linguagem é convincente, se há verossimilhança, se as personagens estão bem delineadas. Num primeiro momento, escrever exige liberdade absoluta. Nada de regrinhas cercando o texto. Ter conhecimento nesse campo me ajudou muito e ainda ajuda a pôr à prova meus contos para mim mesmo. É como uma prova dos noves para o escritor.

G1: Seu filho André Viana herdou o talento para a literatura e publicou o livro ‘O Doente’ neste ano. Quando você percebeu esse dom nele?

Fica difícil responder pelo André. O que posso dizer é que ele foi meu aluno no pré-vestibular e depois no curso de jornalismo na UFS. Eu vi que ele escrevia bem e pegava as coisas no ar. A palavra talento é um tanto perigosa, pois me parece muito excludente. Será que uns nascem com talento e outros não? Assim o mundo fica ainda mais desigual. Mas voltando ao André, o que percebi nele depois de formado foi o gosto cada vez maior pela literatura e pela escrita. O romance que ele escreveu foi fruto de seu trabalho constante com a palavra e das leituras que foi fazendo ao longo dos anos. Para ser escritor, é preciso antes ser um bom leitor. Ler de tudo, não ter preconceito com nada.

G1: Após esse reconhecimento do seu trabalho, vem livro novo por aí?

Tenho contos arquivados esperando a hora de serem trabalhados, mas o tratamento a que me submeti me tirou toda a energia de que precisamos para escrever. Estou me recuperando ainda, e espero o mais breve possível pegar esses contos e trabalhá-los com a dedicação que dedico a cada palavra enunciada. Acho que não vai demorar não. Quem sabe não lanço um novo no ano que vem? Que os deuses digam Amém, como está na moda.

Texto e imagens reproduzidos do site: g1.globo.com/se/sergipe

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