Publicado em 14 de maio de 2015 por Claudio Teixeira em In
Memoriam
Dois crimes em Sergipe nos anos 80: a elite sergipana se
mata?
Por João Augusto Gama da Silva
O primeiro tiro foi forte e seco. De escopeta. A cabeça de
Carlos Augusto tombou para frente caindo sobre o volante disparando a buzina.
Ele tinha acabado de entrar no carro e ligado a ignição.
Era por volta das 7,30 da noite quando nós dois saímos do
“Cacique Chá”. Seu carro estava do outro lado da rua, onde hoje funciona a
Procuradoria Geral do Estado. O meu carro estava estacionado no mesmo lado do
restaurante, isto é na Praça Olímpio Campos. Percebi quando um carro parado do
mesmo lado do carro de Carlos Augusto deu partida. Havia três homens dentro. O
carro estava exatamente na antiga sorveteria “Iara”.
Gritei avisando a Carlos Augusto que ouviu o meu grito. Foi
tarde. Um dos criminosos deu o segundo tiro. Um tiro de revólver e o carro
seguiu em velocidade em direção à Rua da Frente. Foi o “tiro de misericórdia”.
Os freqüentadores do “Cacique” ouviram os dois disparos e correram para ver o
que acontecera.
Neste momento passou uma caminhonete que parou e deu socorro
levando a vítima para o Hospital São Lucas, na zona sul da cidade. Marcelo Déda
e José Carlos de Almeida Filho, saídos do “Cacique”, ajudaram a colocar Carlos
Augusto, deitado, na viatura e José Carlos, nosso amigo “ Zé Miséria”, foi ao
lado de Carlos Augusto até o hospital, lá permanecendo até o resultado da
cirurgia.
No hospital Carlos Augusto me pediu que chamasse Dr. José
Augusto Barreto, médico conceituado e proprietário do hospital, para acompanhar
todo o procedimento. Avisei a Teotonílio Mesquita, pai de Carlos Augusto e fui
procurar Dr. José Augusto que estava em casa oferecendo um jantar a um casal de
amigos. Muito gentil, o médico não demorou a chegar.
Realizada a operação Carlos Augusto logo teve de voltar ao
centro cirúrgico para ser reoperado. Continuava com uma hemorragia na carótida.
Desta vez deu certo. Foi providenciado um forte esquema de segurança para sua
proteção. Sua família temia que o hospital fosse invadido por pistoleiros para
terminarem o serviço. Os boatos eram muitos. O hospital em pouco tempo ficou
cheio. Parentes, polícia, imprensa tornavam a circulação difícil. A presença da
segurança atrapalhava a rotina do hospital.
Alguns dias depois da tentativa de homicídio, em companhia
de minha mulher, fui ao Rio de Janeiro assistir a uma temporada do Balé Bolshoi
que se apresentara no Teatro Municipal. Quando retornei encontrei uma
convocação do delegado Gisélio Gonçalves para depor sobre o atentado. Eu era a
única testemunha.
Na delegacia, nas imediações do Ceasa, encontrei Gisélio
que, depois do meu depoimento, onde informei que não sabia a quem atribuir o
crime, me disse que “Carlos Augusto Barreto Mesquita iria morrer pelas mãos das
pessoas encarregadas de sua segurança”. Sugeriu que eu o avisasse, mas sem
envolver seu nome.
Preocupado, fui ao “Cacique” e conversei com Antônio Góis,
então juiz de direito que achou que deveríamos conversar com Carlos Augusto em
sua casa, aonde convalescia. Fomos imediatamente.
Lá, surgiu uma oportunidade e eu lhe relatei a conversa com
o delegado. Na mesma noite, despistando sua própria segurança ele foi para São
Paulo, onde ficou um longo período.
Em junho de 1988, antes do atentado a Carlos Augusto,
aconteceu o crime do empresário e usineiro Fernando Luiz de Melo Barreto,
assassinado barbaramente na porta do escritório da Usina Santa Clara, na Rua de
Siriri, em Aracaju. Típico crime de mando. Foi uma comoção na cidade pela
violência do homicídio e pelas relações sociais da vítima e de sua família.
No Instituto Médico-Legal para onde seu cadáver foi levado
reuniu-se uma multidão. O trânsito ficou complicado na Praça Tobias Barreto. O
homicídio acontecera pela manhã. Cheguei às 2 horas da tarde. As especulações
sobre a autoria intelectual do crime eram o assunto de todas as rodas formadas
na Praça. Começava o convencimento da sociedade de que Carlos Augusto matara
Fernando Barreto pelo controle societário da Usina Santa Clara. A interminável
briga de família. Ódios atávicos.
Conheci Fernando Barreto no início da década de 80, quando
fiz uma incursão na advocacia, como sócio de Jaime Araújo e Valdemar Bastos
Cunha. Como seu advogado, fui a algumas audiências na cidade de Japaratuba, em
processos substituindo Jaime que se encontrava no Rio de Janeiro, trabalhando
na Confederação Nacional das Indústrias. Os processos eram sempre de litígio de
terras. Tinha uma boa impressão de Fernando. Vivido e experiente era uma
excelente contador de histórias. Uma companhia agradável.
Fernando Barreto era tio de Carlos Augusto. Ambos pertenciam
a elite sergipana. Tinham a mesma raiz. O primeiro, Fernando, era filho de
Ariovaldo Barreto, usineiro rico, dono de muitas terras no estado e da usina de
açúcar Santa Clara, no município de Capela. A fina flor da “aristocracia
criola”. Reacionário, ligado ao agronegócio, Ariovaldo Barreto sempre militou
politicamente com os setores mais retrógrados do estado. O segundo, Carlos
Augusto Barreto Mesquita, era seu neto, filho de uma de suas filhas.
Empresário bem sucedido. Com o falecimento de Ariovaldo
Barreto, surgiu uma forte disputa judicial pelo espólio, entre os seus
herdeiros. A família cindida. Algum tempo depois do crime de Fernando Barreto,
a justiça sergipana decretou a prisão preventiva de Carlos Augusto como
mandante do crime.
Carlos Augusto fugiu para fora do estado evitando sua
detenção. Dois anos depois conseguiu um Habeas Corpus em Brasília. Retornou à
Aracaju no final dos anos 90, aonde veio a falecer de causas naturais, na
primeira década do século XXI. Os dois crimes que em diversos momentos se
entrelaçam, jamais foram solucionados.
Publicado em Facebook/João Gama
Texto e imagem reproduzidos do site:
institutomarcelodeda.com.br
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