Legenda da foto: J. Inácio: talvez a referência mais efetiva de Aracaju. Primitivismo e tropicalismo nos traços e na memória de Roseneide Santana
Publicação compartilhada do site JLPOLÍTICA, de 23 de março de 2023
Com atraso e com afeto: parabéns, Aracaju!
Por Roseneide Santana*
Em 1975, aos 12 anos, a menina baiana aportou na Aracaju de 120 anos. Foi somente um ano na Avenida Simeão Sobral, esquina com Rosário, mas o suficiente para ver, várias vezes, Magnólia passar de batom vermelho, sobrancelha Piaf e com um bom dia! Sorridente.
Dedé da MotoPop riscava a avenida com suas máquinas azuretadas e, na garupa, a mais bela mulher que eu já tinha visto até ali. Passava também uma senhorinha raquítica, de cabelos brancos e chambre azul, com um saco de gatinhos nas costas. Pedia esmola na Praça General Valadão enquanto cuidava dos bichinhos.
Em 1976, meu pai comprou a casa própria no Conjunto Lourival Fontes: areais, lagoas e vacaria à salta em pastação. O bairro era conhecido como Suissa Braba. Eu mudei de escola, deixando o John Kennedy com suas disciplinas de Técnicas Agrícolas, Técnicas Bancárias e Educação para o Lar, e fui estudar embaixo das escadarias do Batistão. Depois, o Glorioso Atheneu. Sim, o Colégio de Maria da Glória! Quem viveu, entende.
O amor pela leitura vinha de criança, mas pela literatura foi uma junção: as maravilhosas aulas de Ivani Lobão e, obviamente, a vontade de estar à altura do paquera intelectual da época. Na universidade, foram muitos os incentivos.
Já citei antes os mestres literários, mas o elenco de Língua e Linguística não deixava a desejar: João Costa, Antônio Ponciano, Solange Montalvão, Isaura Torres e José Araújo. Difícil não ser estudante empolgada com uma turma dessa.
Hoje, beirando os 60, posso provar que sou de Aracaju. Vi J. Inácio cruzando as ruas de pés descalços. Frequentei a Cinelândia do Centro, sentei com Alberto Carvalho no Cacique Chá. Assisti a cenas de sexo explícito no Cine Rio Branco. Assisti ao Imbuaça, na rua, com Mariano.
Até hoje sou cliente da Passarela. Amo caranguejo com pirão. Tantas vezes almocei no João do Alho com Jeová, Jozailto, Ronaldson, Sérgio Borges. Tive o prazer de conversar tantas vezes com Seu João Firmino, na sua Banca de Cordel do Thales Ferraz.
Conheço o Grupo Abaô Capoeira de Angola. Compro CDs da Banda Reação. Admiro a Auto-organização de Mulheres Negras de Sergipe Rejane Maria. Tive um encontro tardio, mas encantador com o Sr. João Oliva. Fiquei amiga da escritora e primeira mulher a se doutorar em Sergipe: Gizelda Morais.
Entraram para o meu rol de bem-querência Antonio Carlos Viana, Araripe Coutinho, Ya Sônia Oliveira, Cacilda Carreiro, Isabel Santos, Euler Lopes, Hortência Barreto, Isabel Ladeira, Tereza Cristina Cerqueira da Graça, Severo D’Acelino, Hunald de Alencar, Amaral Cavalcante, Rian Santos.
Coordenei Rodas de Leitura na Epifânio Dória, entre 2010 e 2018, apresentando a produção literária em Sergipe, por isso vou terminar meu texto amoroso, deixando fragmentos sobre a minha linda cidade:
“ANO-BOM! E toda a população da capital, vestida de novo e alvoroçada, corria para a praia a ver a procissão do Senhor Bom Jesus dos Navegantes...(...). Espalhada ao longo da praia, desde o Carvão à Chica Chaves, Aracaju assistia, deslumbrada, ao encanto sem-par daquela festa, que era a maior festa da cidade. O sol morrente projetava grandes sombras sobre a toalha movimentada das águas”. (FONTES, Amando. Os Corumbas. RJ: José Olympio, 2003, p. 188)
“A cidade de Aracaju, portanto, nasceu assim: feia, pobre, impaludada, perseguida por muitos, ajudada por alguns.(...).Aos 10 anos era uma criança levada do diabo. Suas amigas mais velhas - Maruim e Laranjeiras - começaram a temer-lhe a vivacidade, a inquietação, a maluquice. Aquilo não era um bom sinal. A garota era bem capaz de roubar-lhes os namorados.(...) Aos 15 anos teve caxumba. Aos 18 anos, coqueluche. Aos 20 tomou lombrigol e virou gente grande. Então começou o desacato. Então começou a atrair, a fascinar, a enamorar. Hoje a nossa cidade é esse encanto. Aracaju vale por si mesma." (CABRAL, Mário. Roteiro de Aracaju. Ed. Aracaju:Banese, 2001, p. 33)
“A PONTE E O VAZIO
à Ponte do Imperador
Nesta ponte não impera a dor
Mas sim a alegria
Pois ao ligar-se ao nada
Beira a margem da poesia”.
(Jeová Santana. Poemas Passageiros. Maceió: UNEL, 2011. p. 48)
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“O verão de Aracaju
nasce polpudo
numa luz sólida
e amarela
parida de um caju sideral
imenso
etéreo
que cobre todo o litoral.”
(Ronaldson. Litorâneos. Aracaju: Ed. Diário Oficial, 2009, p. 17)ac.
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* Articulista Roseneide Santana - É mestra em Letras e técnica em Educação da UFS.
Texto e imagem reproduzidos do site: jlpolitica.com.br
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