Publicação compartilhada do site JLPOLÍICA, de 13 de março de 2023
E se o presente de Aracaju fosse conhecer a sua própria arte?
Por Thiago Paulino* (Coluna Aparte)
O que nos faz aracajuanos? Certa vez pedi a um auditório lotado de estudantes secundaristas que me dissessem o nome de cinco artistas sergipanos. Com muita dificuldade, alguns disseram o nome de dois ou três. Quais são as raízes dessa ignorância? De quem é a culpa?
Se trocarmos a palavra culpa por responsabilidade, iremos perceber que é um conjunto de frentes e responsabilidades. Do poder público, que pode determinar regras do jogo; da mídia e veículos, que podem e devem fazer a arte circular, e dos artistas, que precisam se produzir.
Mas essas responsabilidades devem ser puxadas, debatidas e principalmente colocadas em ações reais através de uma política pública de cultura que seja consistente e estruturante. Um programa que deve ser discutido e executado por muitas mãos.
Talentos nós temos, e muitos. Talentos que já conquistaram visibilidade internacional. A turma da música, em um post provocativo na página do instagram @festivallivesuasmaos, fez uma linda programação cultural para mostrar a alma musical e artística aracajuana.
Mas o card virtual logo alerta que é “programação meramente ilustrativa”. No entanto, eu complementaria esse aviso: meramente ilustrativa, mas “urgentemente necessária”.
“A” programação - Na programação, seriam sete polos espalhados pela cidade: “Já imaginou atravessar o Rio Sergipe no Tototó, ao som de muito forró? Ou curtir uma roda de poesia no alto da Colina Santo Antônio?
Quem sabe um rock dos bons nos cajueiros? E uma mostra aracajuana de cinema? Foda, né! Mas nada disso vai rolar. Mais uma vez a postagem tem como intuito provocar o debate público sobre gestão cultural da cidade e mostrar a gama de possibilidades que @edvaldonogueira e @luccorreia_ tinham para montar uma programação plural e representativa da cidade.
Mas preferiram fechar os olhos pro que temos de melhor, que é a nossa cultura. Será que é tão difícil pensar numa programação como essa? Porque não incluir mais artistas sergipanos no aniversário de sua cidade? Está faltando criatividade ou vontade política? Ou os dois?”, questiona a turma da música.
Essas questões são válidas e pertinentes e reforçam que necessitamos de uma política construída com diálogo e vinculada a um orçamento necessário. O problema não é falta de dinheiro, pois temos muito dele pulverizado em dois grandes eventos: Forró Caju e Festival de Verão.
A velha história de cachês altíssimos e mega estruturas que se desfazem no mês seguinte. Cachês que ficam no bolso dos empresários do entretenimento de fora do Estado. No aniversário de Aracaju, teremos, promovidos pela Prefeitura Seu Jorge, por R$ 380 mil, Xande de Pilares, R$ 205 mil, Gabriela Rocha, R$ 120 mil, Som e Louvor, R$ 95 mil, DJ Abençoadão, R$ 45 mil.
Palco como formação de público. Esses mega palcos trazem visibilidade política, mas não formam públicos. Isso porque o público já conhece aquelas músicas incansavelmente tocadas nas rádios e na grande mídia.
Valorizar a cultura local não é se apropriar de seus símbolos. Quanta propaganda com trios pé de serra e quadrilhas juninas sem valorizar de forma consistente esses grupos. É necessário levar cultura a sério. Colocá-la no orçamento do município para que os bairros tenham bibliotecas decentes, polos de ensino de arte.
Cadê a Valdice Teles com estrutura para formar produtores de mercado? Com um bom corpo pedagógico que receba bem e voltado para diversas linguagens? Por que não há cursos para mostrar ao artista popular como entrar no mercado digital?
É preciso medidas que ajudem o artista a se produzir, a formar novos repertórios. Enfim, a viver de sua arte. E reforçando: investir na cultura traz retorno financeiro contínuo para a economia local. Imagine naquele exemplo de aniversário descentralizado de Aracaju quanto economia dos bairros poderia ser provocada. Mas não é só economia. A arte faz o público olhar para si mesmo.
Imagine a potência de o próprio aracajuano conhecer outros cantos da sua cidade se a programação que a turma da música sugere acontecesse. Uma população que sente orgulho coletivo e se vê no palco tem mais força para fazer inclusive escolhas políticas melhores.
Quem viu Zé Peixe mergulhar no Rio Sergipe e salvar vidas? Quem ouviu falar da arte de Arthur Bispo do Rosário? Quem escutou as histórias do Bairro Cirurgia no rap de Tonho Baixinho e Irmão? Quem viu o Imbuaça atuar? Ou Edgar do Acordeon entoar sua canção embaixo de um cajueiro secular?
Esses são alguns dos mestres que ecoam suas vozes e sua arte nas paisagens aracajuanas. Suas vozes, melodias e performances instigam os artistas que ainda continuam sua caminhada por aqui com a necessidade vital de ter sua arte valorizada e reconhecida.
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[*] É jornalista, sociólogo e autor do livro “Palco de Disputas e Disputas pelo Palco no País do Forró”.
Texto e imagem reproduzidos do site: jlpolitica.com.br
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