Legenda da foto: Adega do Antonio: resgate da memória afetiva através dos lugares e da gastronomia
Artigo compartilhado do site JLPOLÍTICA, de 24 de fevereiro de 2023
Bares e Restaurantes de Aracaju dos anos 80 e início dos 90. A gente quer comida, diversão e arte - (parte 2)
Por José Roberto de Lima Andrade*
Dando sequência à série de artigos sobre comida, vamos falar sobre os bares e os restaurantes de Aracaju dos anos 80 e início dos anos 90, período que coincide com minha adolescência e juventude, e que para a maioria das pessoas é o início na boemia e da descoberta de novos sabores e experiências.
Até o início da minha adolescência, minhas experiências com comida fora de casa se resumiam basicamente nas idas - normalmente à tarde - ao centro da cidade. No trajeto Rua Campos, Rua Itabaiana, Centro, a tradicional parada na Sorveteria Cinelândia. Sorvete de coco com ameixa e, às vezes, coco com mangaba.
A Cinelândia marcou tanto a cidade de Aracaju com seus vendedores de picolé com a caixa de isopor amarela, que virou até nome de praia. Reza a lenda que uma das estratégias de conseguir a liberação de recursos em Brasília era a de presentear o burocrata da época com sorvete de mangaba da Cinelândia. Infalível. E barato. Para mim, o mais exótico era um picolé cor de rosa chamado picolé “russo”. O sabor? - de picolé de russo. Se fosse hoje, seria tachado de comunista. Um comunista soft.
No retorno do Centro, a parada no parque para comer o cachorro quente de Seu João - pão jacó, molho de carne moída, batata, alface com talo. Nada de ketchup nem maionese. Acompanhava Guaraná Brahma ou Fratelli Vita, refrigerantes caprichados no gás e no açúcar. A digestão era feita no retorno à Rua Campos pela Rua Santa Luzia.
Às vezes o cachorro quente de seu João era substituído pelo acarajé vendido na Rua São Cristóvão. Lembro que tínhamos mais vendedoras de acarajé nos anos 80 e 90 - Centro da cidade, em frente aos GBarbosa do São José e da Saneamento. Foram substituídos pelo delivery.
Na Aracaju dos anos 80 e 90, o bairro São José podia ser considerado a Manhattan nordestina. É pouco provável que você encontre em um único bairro tanta coisa junto. Equipamentos de saúde - Hospital São Lucas, Urgência do Ipes e Clínica dos Acidentados. Educação - Arquidiocesano, Atheneu, Brasília, São José, Graccho Cardoso. CCAA, Instituto Canadá - primeiras escolas de inglês - e Yazigi. E a Biblioteca Pública. A sede da Secretaria de Segurança Pública e do Instituto de Identificação.
Era impossível um sergipano não ter que passar pelo São José. Na religião - Igreja São José, Segunda Igreja Batista e União Espírita Sergipana. No lazer, Cotinguiba, Iate e Associação Atlética. Batistão, Constâncio e o Parque Aquático. Supermercados GBarbosa e Paes Mendonça - depois Hiper Bom Preço. Se naquela época existisse o Google, o São José seria uma das maiores concentrações de pontos vermelhos do planeta.
E a gastronomia. Adega do Antonio. Meu primeiro jantar em um restaurante. Escalopinho ao molho madeira. Restaurante da Crase - apesar das várias mudanças, continua funcionando como restaurante. O João do Alho - na primeira vez, cismei de comer Charque a Francesa - pelo nome, deveria ser algo sofisticado. Mas, na verdade, um jabá com ovo. Frustação total. Sempre achei sensacional a ideia de homenagear os clientes mais assíduos com placas nas paredes. Era rua sicrano, avenida beltrano. Fechou, ufa! O Galeto Prensado - melhor salada de maionese de Aracaju. Resiste até hoje.
Duas lanchonetes importantes - Fred’s - virou Mag´s. Concorre heroicamente há quase 40 anos com o McDonalds, Burguer King, etc. E a Passport, trailer que ficava ao lado da Crase, depois da curva do Iate. Vendia uma espécie de strogonoff servido em um pão de cachorro-quente, coberto com queijo ralado e batata palha. O Só Sucos na Praça Camerino. Canecão de suco grosso de vários sabores.
E a Sorveteria Vi Sabor. Espaço mais sofisticado, que sempre primou pela qualidade do sorvete e que trouxe, pelo menos para mim, algumas novidades que eu só conhecia nos filmes, como milkshake e banana split.
Existiam nos anos 80 e início dos 90 poucas opções da chamada “culinária internacional”. Pizzarias, duas: a Janaína, que ficava entre o canal e o Constâncio Vieira, e a Forno a Lenha, Rua Duque de Caxias, em frente ao Instituto de Identificação. Pizza tradicional à moda paulista – com molho de tomate no lugar de catchup.
Quando a Praça Tobias Barreto era o grande ponto de encontro da cidade aos domingos - principalmente depois da missa da noite na Igreja São José -, a Forno a Lenha era o local dos eventos muito especiais, como comemoração de aniversário, primeira saída com a namorada etc.
E o Ton Fon Palace, restaurante chinês perto do então Hotel Beira Mar! Família feliz, frango xadrez com broto de bambu, rolinho primavera, arroz chop suey. Comida de excelente “custo-benefício” - no bom economês: boa, e dava pra comer muita gente. Outro restaurante chinês se instalou às margens do Rio Poxim, o Depan. A culinária japonesa demorou a chegar em Aracaju. Acredito que só no início do século XX I ou finalzinho do XX.
Outro polo gastronômico da cidade era a Atalaia, onde o Tropeiro sempre ocupou um lugar de destaque. Eu era estagiário de Economia na então Secretaria de Planejamento quando fui convidado a jantar ali com uma missão do Banco Interamericano de Desenvolvimento - BID. Era casquinha de caranguejo, pata de caranguejo - a grande. Só de entrada. E o fenomenal Surubim defumado no espeto com arroz a grega e molho tártaro. Aproveitando o momento, minha gratidão a Antonio Carlos Borges, um dos maiores economistas sergipanos, minha referência profissional. Por essa e por tantas outras oportunidades.
O tradicional roteiro de bares. Batida do Manequito - Amanda - Bar do China, onde normalmente a noite acabava. Outros locais também foram points da boemia daqueles anos. O Baixo Barão – concentração de bares na Barão de Maruim no trecho entre as Ruas Santa Luzia e Dom José Thomaz. Os bares no entorno da Saneamento, próximo ao viaduto - Acauã, Gosto Gostoso, Bar de César - músico famoso da noite sergipana nos anos 80 e 90.
No Trevo, A famosa pela picanha; Bar do Tabaréu - quem gostava de caça -, Bar do Estudante - sopa de mocotó -, Buraco de Lurdes etc, etc. Com certeza, muitos lugares não foram mencionados. Depois dos 50 anos, não é fácil. Mas o objetivo é resgatar a memória afetiva através dos lugares, experiências e sabores de quem viveu uma Aracaju ainda em formação. Também no paladar, recordar é viver.
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* É economista e professor da UFS.
Texto e imagem reproduzidos do site: jlpolitica.com.br
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