quarta-feira, 14 de setembro de 2016

Das canoas de toldas só ficaram as argolas no cais onde elas eram amarradas.


Publicado originalmente no site Click Sergipe, em 02/09/2016.

Das canoas de toldas só ficaram as argolas no cais onde elas eram amarradas.

Por Adeval Marques

Das canoas de toldas só ficaram as argolas no cais onde elas eram amarradas: memória, história e patrimônio histórico.

Quem passeia pelo quais de Propriá, se for um passeante atento e não se importar em dedicar um pouco de tempo, perceberá inúmeros detalhes que contam um pouco da História da cidade. Um deles nos faz lembrar a época em que as canoas de toldas aportavam em toda extensão da cidade pelo lado do rio trazendo e levando mercadorias e pessoas.

De uma ponta à outra o cais de Propriá tem diversas argolas em intervalos regulares que contam um pouco daquela História. São inúmeras argolas em ferro em grande diâmetro fincadas na parede de pedras que foram construídas em cao batido, misturado a água do São Francisco, areia e muito esforço humano.

A construção do cais tinha ideia de projeto sob várias óticas. Uma delas era a de embelezar a vista da cidade, funcionar como um muro de proteção nos tempos das grandes cheias do Opará e por fim dá uma certa magnitude ao porto onde ancoravam as balsas, lanchas de passageiros, pequenos navios de poucos calados e as belas e majestosas canoas de toldas na cidade mais importante do Baixo São Francisco.

Ao ser construído, o cais deu uma nova roupa à cidade, pois deixou de ser um porto de chão e areia batida, com pequena ladeira íngreme em toda sua extensão para em fim trazer uma qualidade de vida melhor ao que dele faziam uso diariamente. Em todo o Baixo São Francisco dizia-se: “Não há porto mais bonito no Baixo São Francisco do quê o da cidade de Propriá [..]”. Grande em extensão e belo em arquitetura.

Naqueles idos do começo do século 20, até os anos de 1960, Propriá tinha uma economia sólida. Eram fábricas, comércio pujante, prestadores de serviços em diversas áreas circulando na cidade, população crescente. Propriá era próspera. Um verdadeiro centro de referência em diversas áreas. Ela tinha pressa em crescer. Parecia que nada interromperia seu desenvolvimento. Era então, em meio a essa agitação, que o abastecimento da cidade precisava ser reposto a toda hora.

Através das canoas de toldas chegavam uma diversidade incrível de mercadorias de todas as partes. Eram tantas que o porto ficava lotado de canoas em toda sua extensão. Ao aportarem as cordas eram jogadas à terra e em seguida amarradas nas argolas do cais e os descarregadores cuidavam em agilizar, com rapidez, o trabalho de descarga porque haviam outras aguardando para serem descarregadas. Era um porto movimentado porque assim tinha que ser naquela cidade próspera da dobra do século 20. A grande maioria das mercadorias chegavam através da canoas de toldas. Era o caminhão da época.

Com o passar do tempo a economia de Propriá começou a dar sinais de enfraquecimento. Fábricas foram fechadas, comércio declinando, lojas mudando-se para outras cidades, movimento financeiro caindo... As previsões não eram boas e logo alguns proprietários de canoas de toldas começaram a migrar para outras áreas de comércio. Alguns tornaram-se comerciantes com pequenas vendas, outros em agricultores e assim, sem a movimentação e fluxo de mercadorias, as canoas de toldas foram vendidas, algumas se acabavam nos portos de outras cidades e até vendidas para o Médio São Francisco, Juazeiro e Petrolina, onde a economia dava indícios de crescimento. Lá elas tornavam-se grandes lanchas movidas a motor, como foi o caso da Sergipana, construída por Pedro Minervino.

Daquele tempo são poucas as lembranças do reinado das canoas de toldas e uma delas são as argolas fincadas no cais marcando um reinado que, embora tenha passado, ficou registrado no tempo, nas fotografias, na lembrança dos mais antigos, em poucos registros escritos e no cais da Princesinha do São Francisco como era então conhecida e chamada à cidade de Propriá. Deveriam ser tombadas como patrimônio público antes que sejam retiradas de seus locais. Elas contam a História local. São importantes e devem ser preservadas a todo custo. Tem valor histórico e cultural.

Hoje elas já não amarram as canoas de toldas e nem as outras embarcações que aportavam no cais. Hoje elas guardam a história e memória daqueles idos de prosperidade da cidade de Propriá.
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*Adeval Marques: graduado em História / Unit; membro do CCP (Centro de Cultura de Propriá); fundador dos sites Própria News e Revista Sergipe News.
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Fonte: Propriá News
Data Original: 01/09/2016.

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