domingo, 3 de maio de 2015

Grupo Folclórico Parafusos da Cidade de Lagarto


Publicado originalmente no blog Eduardo Bastos, em 9/11/2012.

A SAGA DOS PARAFUSOS DE LAGARTO: RESISTÊNCIA E RESSIGNIFICAÇÃO.

Irineu Roberto de Oliveira é lagartense, e atualmente exerce o cargo de Professor de História nas redes estadual e municipal de ensino. Em 2000, Irineu apresentou um trabalho monográfico à disciplina Prática de Pesquisa Histórica do departamento de história, como requisito parcial à obtenção do título de Licenciatura em História pela Universidade Federal de Sergipe. A Monografia de Ireneu tem por título A SAGA DOS PARAFUSOS DE LAGARTO: RESISTÊNCIA E RESSIGNIFICAÇÃO. No resumo do seu trabalho, Irineu diz que: “O grupo folclórico parafusos da cidade de Lagarto representa o município nos festivais de cultura popular a nível nacional, e mesmo assim passa por uma série crise, que envolve a identidade do grupo, seu lugar na sociedade lagartense e a identidade do próprio município. Considerando a dinâmica do folclore e a importância do grupo para a cultura de Lagarto, procuramos identificar as causas do processo de desvalorização que o grupo sofre na atualidade, o que mantêm viva a tradição do Parafuso e os novos significados do grupo a partir de sua reativação no final dos anos 70, depois de sua quase extinção nos anos 60.”

A discursão do trabalho produzido por Irineu conclui pela “necessidade de um projeto educacional capaz de promover o resgate e a preservação das manifestações populares e da cultura local, como forma de fortalecer a identidade lagartense.”

O trabalho de Irineu é consistente e aborta com riqueza de detalhes aspectos da existência do grupo Parafusos; detalhes que em nenhum momento foram tratados por publicações sobre o tema. Além disso, a monografia em questão tem a vantagem de ser um trabalho científico, amparado em trabalho cuidadoso de checagem e confrontação das fontes – o que lhes garante ainda mais credibilidade e fonte confiável de pesquisa. Sendo assim, e com o consentimento entusiasta de Irineu, disponibilizo agora para meus leitores um fragmento de A SAGA DOS PARAFUSOS DE LAGARTO: RESISTÊNCIA E RESSIGNIFICAÇÃO.

Parafusos

Tem-se divulgado a ideia de que os Parafusos identificam Lagarto. É tão forte esta ideia que algumas representações culturais da cidade são feitas com as fotos dos Parafusos.

O Parafusos constitui um grupo folclórico existente no município de Lagarto desde o século XIX, formado por homens que dançam dando pulos e rodopios, vestidos com varias anáguas, umas sobrepostas sobre as outras, cobrindo todo o corpo.

“No começo dos anos 80, a indumentária do Parafusos era composto de um traje branco, formado de babado desde o pescoço até os pés, como as anáguas dos escravos. Os babados têm bicos e a renda. Nos anos 60 os chapéus dos brincantes eram de palha, com um acessório parecido com uma mola ou espiral, simbolizando um parafuso. Nos anos 80 os chapéus não são mais de palha, passando a ser de ráfia com uma fita vermelha amarrada ao redor.”

Alguns autores fazem referências a grupos de Parafusos em diferentes localidades e com sentidos diferentes. CÂMARA CASCUDO¹ o define como passo do frevo pernambucano, oriundo do maxixe:
“... uma espécie de samba, onde homens e mulheres bailam em roda, contando. No final dos versos , fazem uma pequena série de voltas, terminados por um 'staccato' e batida forte".

De acordo com CARVALHO DEDA (1967)², "os Parafusos em Sergipe é uma festa popular em extinção". A sua referência sugere a existência do grupo em Simão Dias. Já a estudiosa no assunto, professora Aglaé Fontes de Alencar³, colhe com o zelador da Igreja do Carmo em São Cristóvão, versão do folguedo apresentado na antiga capital de Sergipe. Porém, é em Lagarto que essa expressão da cultura popular, denominada Parafusos, ainda hoje sobrevive.

O numero de componentes dos parafusos nos anos 60 era de 21. Com um detalhe: além dos brincantes e tocadores, existia um componente fantasiado de índio – a presença do índio é justificada pelo auxílio que ele dava aos negros nas fugas e nos mocambos. Depois de reativado, no final da década de 70, o Parafusos passou a ser composto por 13 brincantes, e não mais se apresentavam acompanhados da figura do índio.

O atual organizador e mestre do grupo dos Parafusos, Gerson Santos Silva, chega a dizer:
"não existe em lugar nenhum; o único grupo que existe só é em Lagarto, é só no estado de Sergipe ( ... ) não apresenta outro grupo em lugar nenhum do mundo a não ser Lagarto".

O grupo folclórico Parafusos tem sua memória escrita a partir de informações colhidas por Adalberto Fonseca4, em 1968, através de depoimentos de um antigo escravo da fazenda Piauí, Benedito Puciano, filho de africanos, integrante do grupo original dos Parafusos. As informações que ele deu a Adalberto Fonseca tornaram-se a base do conhecimento que se tem sobre a origem do grupo. FONSECA explica assim a origem do folguedo lagartense:

"Como é do conhecimento de todos, os Parafusos surgiram da seguinte forma: negros que fugiam e passavam a viver em mocambos, valiam-se das noites de lua para roubarem mantimentos e tudo o que fosse encontrado". Era costume da época as sinhás e sinhazinhas vestirem anáguas de sete côvados, que ficavam bem rodadas e ornadas, com rendas e bicos franceses muito em moda no século passado. Acontece que, para as peças sofrerem o processo de alvejamento, eram colocadas no sereno depois de submetidas a uma série de branqueamento. Ali, durante a noite, o sereno passava a exercer a interferência no tecido, cujo resultado alcançado satisfazia plenamente. Mas, acontecia que o negro fujão, ao passar ali levava aquela peça, com a finalidade única de servir de cobertor. O roubo das anáguas chegou a tal ponto de não serem mais as peças colocadas no quarador - como era conhecido o local de descoloração. Quando se deu a libertação dos escravos, eles saíram as ruas da vila cantando e pulando, rodopiando e dançando. O padre José Saraiva Salomão, então os batizou de Parafusos, a torcer e a destorcer.

Esta versão é também divulgada por Aglaé Fontes Alencar, que mostra como, daqueles episódios, originou-se a dança.

"assim, as figuras em rodopios andavam pelos canaviais e a imaginação completava o resto. Haviam noticias sobre as" visagens " que apareciam nas estradas, nas matas e nos canaviais. Todo mundo comentava se a noite era de lua. Os claros e escuros das árvores valorizavam ainda as vestes brancas que rodopiavam.

Essa autora ainda salienta outras características e objetivos dos grupos, destacando que:

"após a abolição da escravatura, a saída dos negros vestidos com as anáguas não era mais para fazer a pilhagem para levar ao Quilombo; era pura distração mesmo. Era um desabafo em cima dos seus Senhores".

A apresentação brasileira na cerimônia de encerramento das Paraolimpíadas de 2012, assistida por milhares de telespectadores em todo o mundo, na passagem da bandeira olímpica para o Rio de Janeiro, sede dos próximos Jogos, em 2016, teve como destaque a representação do grupo folclórico sergipano os Parafusos.

Depois que foi reativado no final dos anos setenta o grupo Parafusos passa por um processo de ressignificação, passando a apresentar-se no Festival de Folclore de Olímpia, preservando assim o que em Lagarto passou a ter pouco valor. Pouco se faz para consolidar na consciência do povo de Lagarto a importância de se preservar o conhecimento da existência do grupo folclórico Parafusos.

Quando Aglaé Fontes Alencar faz referência à ideia de que os Parafusos identificam Lagarto, fortalece a nossa convicção de que, em se tratando de manifestação popular, esse grupo é uma referência, que precisa ser melhor conhecida, amada e preservada:

"Ninguém pode falar nos parafusos sem se lembrar de Lagarto. Isto porque é lá que o grupo nasceu, se desenvolveu, morreu e renasceu. É comum o povo dizer: 'vamos ver os parafusos de Lagarto'”.

Assim Lagarto é um nome ligado de forma biológica aos parafusos e hoje, em Sergipe, detém a exclusividade da sua existência.

1. Câmara Cascudo - Luís da Câmara Cascudo (Natal, 30 de dezembro de 1898 — Natal, 30 de julho de 1986) foi um historiador, antropólogo, advogado e jornalista brasileiro. Passou toda a sua vida em Natal e dedicou-se ao estudo da cultura brasileira.

2. Carvalho Deda - José de Carvalho Déda exerceu advocacia como provisionado por mais de quatro décadas. Destacou-se também no jornalismo e na política. Foi diretor do ´Correio de Aracaju´, na capital. Foi fundador e diretor de ´A Semana´, de Simão Dias, onde escreveu, por longos anos seguidos, a ´Coluna dos Lavradores´

3. Aglaé Fontes de Alencar - Aglaé d’ Ávila Fontes professora; escritora; folclorista; historiadora; uma das maiores pesquisadoras do folclore do estado de Sergipe.

4. Adalberto Fonseca – Pesquisador da cultura e do folclore lagartense.

Bibliografia
Oliveira, Irineu Roberto de. A Saga dos Parafusos de Lagarto: Resistência e Ressignificação. Lagarto, 2000.

Imagem e texto reproduzidos do blog: edubastos.blogspot.com.br

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