sexta-feira, 1 de maio de 2015

Um Bispo a serviço dos pobres no norteste do Brasil


Publicado originalmente na Revista Rever, em 23 de abril de 2014.

Um Bispo a serviço dos pobres no norteste do Brasil.

O bispo dos operários e da educação de base entrava para a história do Brasil, escrevendo um capitulo fundamental no Nordeste pobre e resistente; crente e inquieto

Por Romero Venâncio*

Sai em muito boa hora o trabalho de pesquisa que consumiu alguns bons anos da vida do Padre Isaias Nascimento. Entre a labuta de pastor numa região pobre de Sergipe e o tempo de pesquisa, veio a lume um trabalho precioso: Dom Távora: o bispo dos operários, publicado pela Editora Paulinas. O livro escrito não apenas para reanimar a memória sobre o episcopado de Dom Távora a frente da arquidiocese de Aracaju (1958-1970), mas defender a tese de que ele foi na sua experiência episcopal “um homem além do seu tempo”, um exemplo para os dias atuais. Alentadora a esperança do Pe. Isaias. Os tempos da igreja católica atual são outros, sabemos todos.

O livro trabalha com um rico material de fonte, tais como: entrevistas; matéria de jornal; depoimentos de pessoas que conviveram com o “bispo dos operários”; trabalhos de pesquisa acadêmica sobre a igreja católica da época e a ditadura militar. Isto por si só, já justifica a leitura do livro. Informa-nos, sem apologia barata, a vida de um prelado e de sua atividade pastoral/política decisiva para um momento da igreja católica no Brasil e em Sergipe.

Uma afirmação presente no livro nos chama de imediato à atenção: Dom Távora, bispo da JOC e bispo do MEB. Duas organizações ligadas a igreja católica no Brasil de grande importância na visibilidade social da igreja no mundo moderno (tempos saudosos!). A juventude operária católica (JOC) foi parte integrante da Ação Católica brasileira, era uma espécie de movimento da classe operária urbana. Desde 1947 (quando chega ao Brasil) até o final dos anos 60, foi um dos movimentos mais importantes da igreja atuando no mundo do trabalho, junto a juventude operária pobre.

Numa época em que a maior parte da Igreja católica ainda se encontrava intimamente ligada ao Estado e as classes dominantes, a JOC ajudou a instituição a compreender e engajar-se nas necessidades e valores da classe operária e a importância de desenvolver práticas pastorais mais adequadas aos trabalhadores. Sob este aspecto, a JOC ajudou a transformar uma instituição sabidamente hierárquica, autoritária e indiferente aos movimentos de base ou de leigos. Nesse ponto o livro de pe. Isaias é exemplar: Dom Távora, antes o padre Távora esteve no inicio desse processo de criação da JOC brasileira e teve uma formação que lhe marcaria até o fim de seu episcopado em Sergipe.

Para nós fica aquela saudade de uma igreja que foi engajada numa prática pastoral que lhe mudou a fisionomia e a sua maneira de ser no mundo moderno. A JOC no final dos anos 50 passou a se envolver em questões políticas, iniciando-se uma rápida e profunda transformação de um dos mais importantes grupos leigos na igreja católica brasileira. Devido à crença da JOC, de que sua missão religiosa exigia uma atenção às questões políticas e sociais, ela estava aberta à influencia dos conflitos da sociedade como um todo. A politização da sociedade durante o final do período populista de Vargas levou a JOC a se identificar cada vez mais com a luta da classe operária e a ter uma participação mais ativa na política. Essa tendência foi reforçada pelas mudanças na igreja católica.

Durante o final da década de 50, embora a instituição ainda fosse conservadora, surgiram novos impulsos inovadores, apoiados pela CNBB e pelo saudoso Papa João XXIII. Essa situação ajudou a estimular as inovações pastorais entre as classes populares, incentivando assim as atividades progressistas. Um elemento desenvolvido pela JOC nos parece de importância fundamental para entender um rumo que a igreja tomava ao trabalhar com jovens operários: a preocupação com os problemas materiais da vida da classe trabalhadora substituiu a preocupação inicial com as tradicionais questões morais.

A JOC não mais via os problemas principais dos jovens trabalhadores como questão moral no sentido estrito, mas, sim, como questões políticas e econômicas. Ela se abriu a classe trabalhadora como um todo em vez de focalizar os jovens trabalhadores católicos. Numa só mudança de direção, a JOC relativiza o moralismo religioso e assume uma posição ecumênica no trabalho com jovens pobres. Tudo isso sem fazer com que a JOC continuasse profundamente religiosa. Talvez porque quanto mais a igreja católica entra na vida concreta dos pobres mais religiosa ele continua e o inverso também é verdadeiro: quanto mais espiritualista se torna a igreja, menos profética e mística torna-se essa mesma igreja. Fenômeno que assistimos hoje na igreja católica brasileira. Não são mais homens como Dom Távora ou Dom Helder ou Dom Pedro Casáldaliga que são modelos de profetismo e esperança, mas padres “cantores” e delirantes que adoram se banquetear com estrelas televisivas e ricos e ainda se colocam como esperança para um povo ainda pobre e espoliado pelo capitalismo.

Triste momento na rica religiosidade brasileira. Ganhamos em fanatismo e perdemos em profetismo. É por isso que o livro do Pe. Isaias, ao recuperar e atualizar a memória de Dom Távora, nos faz refletir sobre os rumos da igreja atual e se torna sinal para as ainda comunidades proféticas espalhadas por esse Brasil periférico a fora.

Um outro movimento importante na formação do Dom Távora foi o MEB, de saudosa memória nos anos 60. Em 1961, a CNBB decidiu assumir a experiência das escolas radiofônicas de Natal e estendê-las às regiões Norte, Nordeste Centro-Oeste. Surgia assim o Movimento de Educação de Base (MEB). Uma iniciativa fundamental naquele momento junto às classes populares do interior esquecido do Brasil, tendo em vista a promoção social em sentido pleno dos mais pobres. O grande pedagogo Paulo Freire ofereceu ao movimento o seu “método de alfabetização-conscientização”, fruto de uma iniciativa paralela na universidade de Pernambuco. Sua pedagogia do oprimido salientava o respeito pelas classes populares e por suas capacidades, iniciativa singular na pedagogia brasileira acadêmica, onde tínhamos uma escola ainda muito elitista e preconceituosa em relação a instrução dos pobres.

A educação de base pretendia ser integral. Não podia limitar-se às primeiras letras ou a noções de matemática. Sua meta era o desenvolvimento pessoal e comunitário, com instruções práticas no campo da saúde e da agricultura, incluindo princípios de democracia política e direito sindical. Devia, sobretudo, despertar e apoiar iniciativas locais capazes de preparar o caminho para a indispensável transformação social. Momento precioso da igreja católica no Brasil que é apaixonadamente recuperado pelo livro Dom Távora: o bispo dos operários. Era um momento em que a igreja católica na pessoa dos monitores do MEB deixavam de divulgar um anticomunismo maniqueísta e passavam a se dedicar ao processo de conscientização dos trabalhadores e trabalhadoras rurais, quer dizer, à criação dos estimulantes intelectuais necessários á descoberta, pelos oprimidos, da realidade da sua opressão, das causas econômicas e políticas desta opressão e dos meios de combatê-la.

Rico momento de reflexão teológico-política de uma igreja que cada vez mais descobria o sentido de ser cristão numa dimensão concreta da vida dos pobres e ficamos informados pelo livro do Pe. Isaias que o generoso bispo da arquidiocese de Aracaju participou ativamente desse processo de mudança por que passava o Brasil e a sua igreja. O bispo dos operários e da educação de base entrava para a história do Brasil, escrevendo um capitulo fundamental no Nordeste pobre e resistente; crente e inquieto.

No final do livro, o Pe. Isaias descreve a noticia da morte de Dom Távora em 3 de abril de 1970 de maneira poética e trágica. Estava partido deste mundo o bispo dos operários e da educação de base e a Arquidiocese se preparava sem se preparar para os primeiros passos de um processo de volta a “velha disciplina”. Uma onda de neo-conservadorismo iria se abater sobre a arquidiocese.

O sucessor de Dom Távora, de nome Luciano Duarte e aliado fervoroso da ditadura de plantão, iria desmobilizar toda a pastoral do bispo dos operários e da educação de base; iria isolar os amigos e colaboradores de Dom Távora e antecipando assim, uma linha que seria na década de 80 uma tônica da igreja católica no Brasil.

A geração de Dom Távora estava saindo do cenário da igreja para dar lugar a uma regressão sem precedentes no catolicismo brasileiro… Mas esse não é o tema da pesquisa do livro do Pe. Isaias. O pós-Dom Távora ainda espera ter o seu balanço merecido em Sergipe. Terminamos nossa breve resenha do marcante livro publicado pela editora Paulinas, citando uma nota no jornal católico A Cruzada do dia 4 de abril de 1970 e que define o cristão e a personalidade do bispo dos operários e da educação de base: “Se distinguia por uma bondade infinita que o levava a tornar-se tudo para todos, que a caridade como ele a entendia foi a tônica da sua vida”.

*Romero Venâncio é professor de Filosofia da Universidade Federal de Sergipe e Colaborador da REVER.

Texto e imagem reproduzidos do site: revistarever.com

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