sábado, 20 de março de 2021

Por uma melhor acolhida à literatura sergipana passada, presente e futura

Publicado originalmente no site JLPOLÍTICA, em 18 de março de 2021

Opinião - Por uma melhor acolhida à literatura sergipana passada, presente e futura

Por Marcio Du Coqueiral (Coluna APARTE)

Há mais ou menos um ano, enquanto deslizava o feed de notícias me deparei com o texto do jornalista Marcos Cardoso publicado em um conhecido portal de notícias de Aracaju. Intitulado “A literatura sergipana está viva - e tem humor”, foi publicado originalmente na Revista Cumbuca número 26, de março de 2020.

No artigo, o jornalista celebra a extensa publicação de livros no ano anterior. Na ocasião, apresentava o índice de publicações de duas importantes editoras do Estado que, em 2019, juntas, somavam o impressionante número de 84 obras. Mas também atestava que poucos dos trabalhos eram dedicados à literatura.

Do ponto de vista da quantidade, é um número louvável. O problema realmente reside no fato de que menos de um terço da produção desse volume é dedicado à ficção, tão importante para a construção do imaginário, identidade e da subjetividade do leitor sergipano.

Também louvável é o fato de entre tudo o quanto foi publicado, Marcos Cardoso ter conseguido apontar ao menos quatro obras literárias em meio a profusão de obras técnicas do número já mencionado.

Celebrando a presença dos poucos autores literários presentes nas publicações de 2019, ele também provoca de maneira amistosa aqueles que têm os famosos “romances de gaveta”, que se habilitem a ser um Amando Fontes, Hermes Fontes, Gilberto Amado, Genolino Amado, Alina Paim, Nélson de Araújo, Mário Cabral, Francisco Dantas, Antônio Carlos Viana.

E foi a partir daí que aquele texto me trouxe uma inquietação! Pois na minha opinião, antes que alguém se habilite a ser ou replicar o sucesso de alguns desses grandes autores mencionados, se faz necessário que tal candidato conheça quem de fato são estes nomes e quais as suas contribuições para a nossa literatura.

Entendo que com esta provocação, o intento do jornalista é provocar e incentivar novos e “velhos” autores a trazerem seus trabalhos a público. Mas não podemos ficar esperando o momento em que eles se sintam seguros para apresentar esses trabalhos.

Enquanto a disposição destes novos e ainda desconhecidos talentos não lhes possibilita lançar suas obras, as editoras mencionadas por Cardoso deveriam, nesse meio tempo, resgatar nossas maiores vozes literárias em publicações que façam jus a elas e a eles, os autores.

Vozes estas relegadas ao esquecimento ou meramente tornadas objetos de estudos acadêmicos de alguns poucos iniciados/interessados, sendo que, muitas vezes, ou quase sempre, estes estudos não contribuem para o acesso do público a essas obras encerradas nos muros da universidade.

O que se vê, na verdade, é a construção de teses acadêmicas para leitores acadêmicos. E só. Onde depois de apresentadas suas notas e aprovação dos pesquisadores envolvidos, essas nossas joias literárias voltam para o baú mofado do qual foram tiradas, não cumprindo seu papel, uma vez que “a literatura é a expressão máxima de um povo, no que possui de mais característico”, e nesse caso, em particular, uma ferramenta de promoção identitária e também de afirmação da sergipanidade.

Não podemos esquecer que muitos dos nossos autores têm presença literária na discussão e na contribuição de temas imprescindíveis da literatura nacional. Temáticas como a questão do negro, a República, a Monarquia, o filosofismo, a sátira e a ironia, assim como outros conteúdos, sempre tiveram lugar na produção literária sergipana.

Desse modo, então, por que esperar pelos novos autores quando ainda não conhecemos o suficiente e nem temos boas publicações ou republicações das autoras e do autores da nossa literatura?

Creio que a republicação de obras como “Dias e Noites”, “Os Corumbas”, “Ibiradiô”, entre outros, repaginadas com um novo projeto gráfico, ampla divulgação e inclusão nos currículos escolares, contribuiria muito mais para o fomento e gestação de novos autores e um estímulo a mais para aqueles que mesmo com seus livros prontos sentem certo acanhamento em publicá-los.

“Os efeitos e sensações produzidos pela literatura”, como dito por Marcos Cardoso em seu artigo, não podem atingir apenas um seleto grupo. As tais “verdades da condição humana” devem ser do conhecimento de todos, e para tal precisam estar disponíveis para o maior número de pessoas possível.

Em uma sociedade cada vez mais mergulhada num mar de desinformação, onde a cultura é menosprezada e encarada como objeto de descrédito por parte de uma verdadeira turba que se sente representada por um lunático que ocupa a cadeira de presidente do país, “ler diretamente no livro do mundo” já não é tão eficiente assim.

Novos Fontes, Hermes, Amandos, Pains, Araújos, Cabrais, Dantas e Vianas não podem existir se não tomarmos consciência da importância e existência dos Tobias, Sampaios, Núbias, Iaras e tantas outras personalidades literárias para além dos muros da Academia.

Valorizo a presença dos novos autores, o incentivo de sua produção, a exaltação de suas genialidades, mas também se faz mais que necessário o reconhecimento e a valorização do legado daquelas e daqueles que primeiro pavimentaram o caminho das letras sergipanas.

Nessa esteira, e de maneira muito positiva, não podemos ignorar o magnífico trabalho do grande mestre Jackson da Silva Lima e sua fantástica contribuição como “o maior inventariante da literatura e da cultura de Sergipe”.

Porém, o que tem sido feito com a clareira aberta por seu trabalho, e que trouxe ao nosso conhecimento uma gama gigantesca de autores outrora por nós ignorados? Até quando pesquisadores ficarão aprisionados no labirinto infinito da escrita acadêmica sem que seus textos aproximem o grande público dos escritores e de obras por eles pesquisadas?

É necessário um verdadeiro resgate das obras dos nossos grandes nomes, tanto do passado quanto dos nossos contemporâneos. Com uma nova roupagem, projeto gráfico que também seja agradável aos olhos, colocando em destaque o trabalho destes incríveis artífices da palavra.

Texto e imagem reproduzidos do site: jlpolitica.com.br

Que seus trabalhos ocupem livrarias, bibliotecas e salas de aula. De roupa nova e não comumente como aparecem vez ou outra em alguns destes espaços, com um visual ultrapassado e pouco atrativo.

Que não se limitem apenas a uma pequena parcela das publicações editoriais. Que sejam presença cativa nos espaços de discussão acadêmica, mas que também estejam nas mãos do leitor “comum”, dos estudantes das escolas públicas e particulares.

De outra forma, enquanto isso não for possível, enquanto apenas quatro obras ficcionais puderem ser destacadas de um montante de 84 publicadas, a literatura sergipana poderá até estar viva, e ter até algum humor. Mas estará respirando com ajuda de aparelhos.

* É poeta, negro, nordestino, ibero-americano e camusiano. Um asceta esteta e artista da fome! De esquerda, apesar da esquerda e apesar dele mesmo!

Texto e imagem reproduzidos do site: jlpolitica.com.br

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