quarta-feira, 11 de outubro de 2023

José Augusto: a nossa sofrência com poesia

Legenda da foto: José Augusto, o cantor sergipano de maior abrangência nacional até hoje

Publicação compartilhada do site JLPOLÍTICA, de 6 de outubro de 2023

José Augusto: a nossa sofrência com poesia

Por Mário Sérgio Félix*

Se hoje a palavra da moda no campo musical é sofrência, em tempos de música com poesia chamávamos de música romântica. Afinal de contas, cantar o amor sempre cantamos. Com poesia. Muita poesia. Podemos até questionar a poesia com a qualidade que a música pedia. Mas era poesia.

E a nossa música não era diferente. Cantávamos o amor no samba, com Pedrinho Rodrigues e João Melo na década de 1970. Naquela década, esse amor estava escrito também nas músicas de Roberto Alves, Agildo Alves, As Moendas.

Porém, esse amor escancarado, aberto, sofrido, estava presente no nosso maior representante da música romântica daquele período: José Augusto.

Minha mãe, D. Ivone - que Deus a tenha -, ficava danada da vida quando chamavam José Augusto Sergipano. Qual o quê! Para ela, José Augusto era único. O outro - José Augusto Carioca – veio bem depois do ídolo sergipano.

José Augusto foi o primeiro sergipano a emplacar uma música nas paradas de sucesso entre as 50 mais executadas: “Beijo Gelado” - Rubens Machado - foi a 34ª música mais tocada naquele ano de 1964. Um orgulho para nós que conseguíamos competir com os grandes ídolos nacionais.

Não à toa, José Augusto trilhava no caminho do sucesso com nomes como Altemar Dutra, Adilson Ramos e tinha um desempenho bem aceitável no Sul e no Sudeste do país, embora pertencesse a um Estado que ainda não tinha uma referência de peso.

Outro grande sucesso de José Augusto, “Sombras” é uma versão de um grande sucesso argentino, um tango, composto por José Maria Contursi em 1943, que o sergipano Hélio Araújo fez a versão em 1965, gravado com bastante sucesso por José Augusto.

Essa música seria regravada por Agnaldo Timóteo em 1979. Em depoimento à imprensa, Timóteo disse que gravou “Sombras” para homenagear José Augusto, de quem ele dizia ser fã.

Outro sucesso gravado por José Augusto aconteceu nesse mesmo disco, e mais uma vez, uma versão de um grande clássico. “Se Choras, Se Ris” é uma versão da música gravada pelo cantor italiano Bobby de Solo, “Se Piangi, Se Ridi”, que também foi gravado aqui no Brasil com letra italiana por Jerry Adriani.

A importância da música de José Augusto é de um significado ímpar para o segmento daquilo que viria a acontecer nas décadas de1960, 1970 e1980 no Estado. Era um momento de aceitação do público por causa dos shows que eram produzidos e que aconteciam nos parques e circos que invadiam o interior brasileiro. E Sergipe não era diferente.

Nomes importantes da música brasileira se encontravam nos shows desses circos e desses parques, que enchiam suas plateias com apresentações dos grandes ídolos. Luiz Gonzaga foi um grande artista que se apresentava nesse segmento artístico. E com plateias que lotavam essas apresentações.

Numa dessas apresentações, José Augusto se apresentou num circo desses que a gente costumava chamar de “tomara que chova”, que eram os de lonas com remendos, com poucos recursos. José Augusto estava na cidade quando um circo se instala e pelo serviço de alto falante avisa que terá sessão naqueles dias.

Ouvindo aquela propaganda, Zé manda saber o horário da sessão do circo e se poderia se apresentar nele. Prontamente o dono do circo fica radiante com a notícia e reforça no serviço de alto falante que naquele dia terá a apresentação do famoso cantor sergipano, José Augusto. Não precisa dizer que o circo esteve totalmente lotado para aquela apresentação.

Chega a hora da apresentação e José Augusto se apresenta com bastante sucesso. Aplausos e aplausos cortam o ar identificando o quanto foi sucesso a apresentação daquele dia.

Com o fim da apresentação - não havia acerto nenhum de cachê para apresentação de José Augusto -, o dono do circo recolhe o numerário cobrado na bilheteria e uma parte considerável passa para o artista que havia se apresentado com sucesso.

Ocorre que José Augusto avisa ao dono do circo que o cachê deveria ser bem mais do que o dono do circo havia separado para pagar ao convidado. O dono do circo não entendeu muito o que estava se passando. Ficou atordoado com aquela notícia de última hora, mas pagou o valor que José Augusto havia cobrado. Triste, mas pagou.

Quando José Augusto se encaminha para sair do circo, com toda aquela bolada, se despede de todos que ali estavam e se dirige a uma senhora que estava grávida. Era a esposa do dono do circo. Ele a chama, a cumprimenta, pega toda a renda que havia recebido e entrega a ela. E diz: “Compra um enxoval bonito para a criança, faz uns reparos no circo para dar um melhor conforto àqueles que estavam ali trabalhando”.

Essa história foi contada por Fernando Pereira, radialista, memorialista, que muito trabalhou e acompanhou José Augusto nesse “mundo de meu Deus” nos shows em parques e circos pelo interior do Brasil.

Fernando Pereira tinha um programa de rádio que, além de contar esses casos acontecidos com José Augusto, também alegrava o ouvinte com as belas canções desse grande cantor sergipano que nos deixou com apenas 45 anos de idade, acometido de um acidente de carro quando ia à cidade de Senhor do Bomfim, próxima a Feira de Santana, na Bahia, para apresentação de um show.

* É radialista, jornalista e pesquisador da MPB. 

Texto e imagem reproduzidos do site: jlpolitica com br

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