Entrevista compartilhada do jornal CORREIO DE SERGIPE, de 21 de maio de 2022
Memorial revelará feitos de heróis sergipanos na II Guerra Mundial
Por Wilma Anjos
A atuação de André Cabral como Administrador de Empresas e Piloto Comercial pode até causar estranhamento inicial quando se coloca em pauta a participação dos sergipanos na Segunda Guerra Mundial. Mas à medida que a conversa flui, ele se revela não só um apaixonado pelo tema, como um consistente explanador. O assunto despertou o seu interesse quando descobriu que um piloto sergipano recebe homenagem na Itália. Decidiu investigar do que se tratava e foi aí que percebeu que era apenas a ponta do iceberg de uma riqueza de informações sobre os heróis de Sergipe. Decidido a tornar público todas as descobertas que fez, ele agora se debruça em tirar do papel o projeto de um memorial no Farol da Orla do bairro Coroa do Meio, Zona Sul da capital. A Marinha do Brasil já demonstrou interesse, mas a crise pandêmica mundial e a econômica no Brasil o forçou a adiar seus planos. Confira como será o memorial da Segunda Guerra Mundial, aqui em Sergipe:
Correio de Sergipe: O senhor está com um projeto de fazer um memorial sobre a II Guerra Mundial, nas dependências do Farol da Orla. O projeto inclui apenas a participação de Sergipe ou se estende para o resto do país?
André Cabral: Passadas oito décadas, a Segunda Guerra Mundial ainda atrai o interesse de várias pessoas. Nos 70 anos do “Dia D”, evento que simboliza a retomada das principais nações ocupadas pelo regime nazista, onde tropas americanas, canadenses e inglesas desembarcaram na Normandia, compareceram nada menos do que 17 chefes de Estado, incluindo a rainha Elisabeth. Diversos filmes, séries e livros ainda são lançados. É um tema muito extenso que ainda está sendo estudado por diversas pesquisas, artigos, teses e dissertações. Nossas ações ficarão restritas a eventos relacionados a Sergipe ou sergipanos em outros locais. A proposta de fazer algo no Farol na Orla de Aracaju precisa da autorização da Marinha do Brasil, que já demonstrou interesse. Trata-se de um modelo utilizado em lugares como Farol da Barra em Salvador (BA) e Forte de Copacabana, no Rio de Janeiro, onde unidades militares são exploradas para ações culturais de muito sucesso.
CS: De onde surgiu essa ideia?
AC: Pouco antes da pandemia, o Major Aviador Diego Teixeira, um ex-comandante do Destacamento de Controle do Espaço Aéreo de Aracaju, compartilhou um artigo publicado pela Força Aérea Brasileira que falava de um piloto sergipano sendo homenageado na Itália. Fiquei surpreso pois nunca tinha ouvido falar dele. Junto com outros entusiastas do tema, resolvemos conhecer melhor nossa história. Fomos a Rodano, cidade italiana que fica 15 km a leste de Milão, numa visita de cortesia e agradecimento, pois o Tenente Aurélio Vieira Sampaio, sergipano de Aracaju, era homenageado por lá. No dia 22 de janeiro de 1945, ele estava em sua décima sexta missão, quando foi abatido por uma FLAK (bateria antiaérea alemã). Lá fomos recebidos pela prefeita Roberta Maietti e Guido Rozze (assessor). Levamos algumas lembranças de artistas sergipanos, como escultura do Elias Santos, pintura do Tintiliano, livro do jornalista Cleiber Vieira, uma foto do Aurélio, que sua irmã, Dona Consuelo, mandou emoldurar e uma bandeira de Sergipe. Lá visitamos um monumento em homenagem aos cidadãos de Rodano mortos na Primeira e Segunda Guerra. O único não italiano ali era o Tenente Aurélio. Por fim, conhecemos o Raffaele Serio, engenheiro italiano que liderou a pesquisa que definiu o local de queda do Aurélio. Foram anos de pesquisa documental, e junto com Diego Vezzoli, que participou da pesquisa de campo, eles conseguiram encontrar restos compatíveis com o do avião Republic P-47 Thunderbolt, do Ten. Aurélio. Ao retornar para Aracaju, Ezio Déda permitiu que nosso evento fosse realizado no Museu da Gente Sergipana. Reitero aqui nossa gratidão. Fizemos uma palestra ministrada pelo Dr. William Soares, contando toda a história desse herói de guerra. Após a palestra, fizemos o descerramento de um busto e um diorama (representação artística tridimensional de uma cena), de autoria de Francisco Leão, de sua última missão.
CS: Pode falar mais do Tenente Aurélio?
AC: O tenente Aurélio Vieira Sampaio foi um piloto de caça durante a Segunda Guerra Mundial. Ele nasceu em Aracaju, em 31 de maio de 1923, estudou no colégio Tobias Barreto e, antes de completar nove anos, mudou-se com sua família para o Rio de Janeiro. Ao terminar o ginásio em 1938, ele ingressou no curso preparatório para Escola Militar de Realengo, tendo sido aprovado em 1940. Seguiu para a Escola de Aeronáutica no Campo dos Afonsos em 1941, onde formou-se Aspirante Aviador. Após sua formatura, seguiu para operações de patrulha marítima no litoral brasileiro, baseado em Fortaleza, pilotando aeronaves P-36 e P-40. Após o Brasil decretar estado de beligerância contra a Alemanha e Itália, Aurélio se voluntariou para fazer parte do 1º Grupo de Caça, começando seu treinamento no Panamá. Mesmo já possuindo experiência de voo, foi desligado do treinamento por seus instrutores americanos. Novamente, voluntariou-se para o Tenente Coronel Nero Moura, comandante do Grupamento que o encaminhou para o curso de controlador de radar na Albrook Air Force Station, no Panamá. Seguiu seu treinamento em 1944 na Escola de Tática Aérea em Orlando, na Flórida. Já na Itália, em novembro daquele mesmo ano, foi promovido ao posto de 1º Tenente e, dada a escassez de pilotos, apresentou-se voluntário pela terceira vez para compor o grupo de aviadores. Realizou com sucesso 16 missões, voando em média pouco mais de duas horas em cada uma. Ao final das missões, era comum que os pilotos procurassem e atacassem “alvos de oportunidade” e, em 22 de janeiro de 1945, próximo a Milão, seu Republic P-47 Thunderbolt “B6” foi atingido por uma Flak 38 (bateria antiaérea alemã de 20 mm). Parte dos destroços foi encontrada na cidade de Rodano, a 15 km de Milão), em 2012. Em 2016, ele recebeu uma homenagem nessa cidade, ao lado dos soldados italianos. Em 2017, sua família em Aracaju recebeu do governo do estado, a Ordem do Mérito Aperipê. Em 2020, por uma iniciativa popular, o Tenente foi homenageado no Museu da Gente Sergipana, através de um busto e um diorama retratando sua última missão.
CS: Do que você precisa para concretizar o projeto? Já tem data marcada para a inauguração?
AC: Temos um expressivo potencial turístico, econômico, acadêmico e cívico de fazer algo que chame a atenção de muita gente. Existem três propostas separadas, de acordo com o nível de complexidade. Apresentei para diversos órgãos e personalidades que se mostram surpresas com a abrangência do tema e a importância de fazê-lo. No entanto, a pandemia e a crise econômica têm dificultado a evolução. Em agosto estamos discutindo sobre um final de semana de eventos em memória dos 80 anos dos torpedeamentos que levaram o Brasil a entrar no maior conflito da humanidade. Queremos realizar um seminário com palestrantes de Sergipe, alguns nomes bem gabaritados do Brasil, incluindo participação internacional. Mas é necessário apoio dos órgãos, empresários e sociedade civil.
CS: O que terá no acervo?
AC: Varia de acordo com a proposta, mas já temos busto, diorama, réplica de uniforme, kit do submarino que fez o ataque, livros importantes sobre o tema, incluindo autores sergipanos, escultura de uma cobra fumando, em alusão ao termo “A Cobra Vai Fumar“, muito comum na época que veio a ser um dos símbolos da força expedicionária, e réplica da medalha mais importante recebida por um sergipano. Para os próximos passos queremos construir ambientes de imersão em que as pessoas se sentirão dentro de um dos torpedeamentos que aconteceram em nosso litoral. Um corredor simulando o interior do submarino U-507. Diversas fardas de soldado, enfermeira, piloto e médico, que são posições onde tivemos sergipanos. Simulador do P-47, avião utilizado pelos brasileiros na Itália. Um monumento aos mortos em combate que consistiria de uma réplica em tamanho real do avião que o Tem. Aurélio foi abatido, seis cruzes de campo de batalha (quando o soldado morre em combate, seu corpo é enterrado e seu rifle fincado no chão com o capacete em cima, formando seu túmulo) representando os cinco soldados e um sargento sergipano do exército, tudo isso em cima de um espelho d’água com o nome dos 21 marinheiros que morreram nos ataques. O túmulo do marinheiro é o fundo do mar. Também existe a proposta de um curta-metragem.
CS: Como foi a participação de Sergipe na II Guerra Mundial?
AC: “Para o Brasil, o estopim da guerra foi em Sergipe”. Essa frase sintetiza bem nossa história. Até agosto de 1942, o Brasil tinha sofrido ataques em 15 navios com cerca de 136 mortes, mas todos eles fora de águas territoriais brasileiras, exceto um pequeno ataque de um submarino italiano próximo à Fernando de Noronha, sem grandes consequências. Na noite de 15 de agosto de 1942, três navios da Marinha Mercante que partiram de Salvador, com destino a Aracaju, Maceió e Recife, foram atacados próximo de nosso litoral, ceifando a vida de 551 pessoas. Em uma noite, morreram mais brasileiros em nosso litoral do que em oito meses nos campos de batalha na Itália, que hoje são merecidamente relembrados em belos monumentos e cerimônias em Pistóia (Itália) e no Rio de Janeiro. Na noite seguinte, os primeiros náufragos chegaram a Estância, de onde partiu a primeira mensagem informando às forças armadas sobre o ataque. Na manhã do dia 17, partiu do Aeroclube de Sergipe a primeira missão de busca e salvamento em território nacional por causa de ataques da Alemanha em nosso território. Pilotos civis em três aeronaves, sem treinamento especializado, foram liderados pelo fundador e presidente do aeroclube, Walter Baptista, e durante três dias patrulharam nosso litoral encontrando e transportando náufragos para serem melhor atendidos em Aracaju. Um tio-avô meu foi um dos pilotos. Uma semana após esse ataque, o Brasil declarou estado de beligerância contra a Alemanha e Itália. Alguns historiadores consideram esses ataques o “Pearl Harbor Brasileiro”, em alusão ao ataque feito pelo Japão aos Estados Unidos em 1941.
CS: Quais nomes o senhor destacaria no conflito e por quê?
AC: Segundo dados preliminares, cerca de 285 sergipanos participaram do conflito: 185 pelo Exército Brasileiro; 92 patrulhando nosso litoral;4 pela Força Aérea Brasileira no 1o Grupo de Caça; 3 Enfermeiras e 1 pela Marinha Americana.
Tivemos alguns destaques, como o General do Exército, Walter de Menezes Paes, então capitão, seu irmão, o Capitão Médico, Álvaro de Menezes Paes, o Brigadeiro Paulo Costa, então Tenente, as Tenentes Enfermeiras Joana Simões, Isabel Feitosa e Lenalda Campos, Sargento Zacarias Isidoro, o ganhador da Silver Star (segunda maior condecoração dada pelos EUA a um estrangeiro), Joel Silveira, que foi um dos grandes correspondentes de guerra, os irmãos, Sargento José Pinheiro e Soldado Dionísio Pinheiro, que se encontraram nos campos de batalha, mesmo um deles tendo ficado para cuidar de sua mãe, Cabo Eronides da Cruz teve grande atuação na preservação da memória através do Museu do Expedicionário, em Curitiba, Nelson Pereira dos Santos, que serviu pela Marinha Americana, dentre várias outras histórias que estamos descobrindo e compilando.
CS: O senhor foi convidado pelos acadêmicos Carlos Pinna de Assis e Guilherme da Costa Nascimento para falar na Academia Sergipana de Letras, durante a Conferência da participação de Sergipe na II Guerra Mundial. Como foi a participação do senhor neste evento?
AC: Foi bem acolhedora. Os acadêmicos ainda têm uma conexão afetiva com o tema, não apenas por o terem estudado, mas também pelo fato de seus pais e avós, que vivenciaram esse drama, foram testemunhas oculares da tragédia que é uma guerra. Num debate após a explanação ficou evidente que temos um compromisso em enaltecer, perpetuar esses eventos em nosso estado, fazendo com que um maior número de pessoas conheçam nossa história.
CS: O fato de ser convidado por esses estudiosos já é uma corroboração da consistência de seu trabalho neste projeto, na sua opinião?
AC: Sem dúvida é uma grande honra ter o apoio de personalidades com tamanha importância em nossa sociedade. Minha primeira pergunta ao apresentar o projeto é saber o que acharam e, principalmente, as críticas para melhorá-lo. A recepção tem sido muito boa e as críticas ajudam o projeto a ficar mais robusto.
CS: O senhor acha que os sergipanos desconhecem ou sabem muito pouco sobre os feitos de seus próprios heróis?
AC: Desde que comecei a me aprofundar no tema, todas as pessoas que tive contato concordaram que, no geral, os sergipanos não conheciam a própria história, mas sem dados concretos. Apliquei um formulário com aproximadamente 200 pessoas e hoje posso garantir o quanto não conhecem e o que não conhecem sobre nossa participação. Oitenta por cento das pessoas declararam que não conheciam ou conheciam pouco sobre a participação de Sergipe na Segunda Guerra. Porém, os 20% que declararam que conheciam, ainda erraram 32% das perguntas de validação. Temos um documento que justifica diversas ações. Em Sergipe, gostaria de destacar os importantes trabalhos já feitos pelo GET (Grupo de Estudos do Tempo Presente) da Universidade Federal de Sergipe, organizado pelo professor Dilton Maynard e professora Andreza Maynard. Vale também lembrar as publicações do professor Luiz Antonio Pinto Cruz.
Texto e imagem reproduzidos do site: ajn1 com br
Nenhum comentário:
Postar um comentário