segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

A boate Lourinha

A boate Lourinha

Aracaju já teve uma boate flutuante, você sabia?

Na década de 1980 ancoraram um velho barco na Ponte do Imperador e ali lhe decretaram o último porto. A nau, já churriada de grandes aventuras pelo mundo a fora, cansada de guerra e incapaz pretender grandes viagens. Viera dar com os costados aqui por obra e graça do inquieto padre Arnóbio Patrício de Melo, então ocupando uma diretoria de turismo, uma figura muito amada pela congregação católica, mas vista de trevéz pelos príncipes da cúria local, chegando a ser proibido de exercer o seu ministério por conta das suas atitudes revolucionárias em favor da diversidade. Não nos esqueçamos dele.

O barco parou ali na Ponte do Imperador e se prestou à curiosidade popular que nunca tinha visto um navio por dentro. Filas de curiosos, por dez reais, para subir e descer suas ferragens carcomidas, da popa aos porões, apresentando novidades e circunstâncias espaciais que o aracajuano desconhecia: então é assim que são os navios? Aracaju não é do mar, de modo que aquela arquitetura inusitada muito nos fez curiosos.

Foi ficando ali, funcionando como uma boate muito seletiva, frequentada por endieirados que precisavam esconder suas comilanças e seus amores clandestinos. Foi então que João de Barros e o performático Antonio Lisboa, resolveram fazer no Lourinha o animado “Baile dos Artistas", numa edição mais ousada e afirmativa na briga pela diversidade. Juro que, naquele tempo tratava-se com muito mais ousadia esta questão. Era um tempo de conquistas afirmativas, milimetricamente vencidas.

O Lour8nha teve, então, seu dia de glória. As plumas e os paetês que o articulado Lisboa trouxe dos mais elegantes e vistosos rincões do transformismo nacional, figuras trans comprometidas com certa revolução estética e moral que muito nos interessava, tomaram o Lourinha todo e fizeram, daquela noite, um levante histórico em direção aos mais caros derivativos da modernidade. O entendimento da diversidade e a consolidação das liberdades individuais era um derivativo batalhado por todos nós, então, quem transpôs os limites da cidade, pulando do batente da Ponte à lúdica aventura das permissividades no Lourinha, teve uma noite gloriosa, tão bela quanto condenada, tão memorável quanto abafada pela opressão social e por isso mesmo posta, até hoje, na vala do esquecimento.

A Boate flutuante Lourinha, depois desse “Baile dos Artistas“ definitivo, desapareceu da costa sergipana. Deixou saudades.

Amaral Cavalcnte.

Foto e texto reproduzidos de postagem de Amaral Cavalcante,
na página do Facebook/MTéSERGIPE.

Nenhum comentário:

Postar um comentário