Texto publicado originalmente no site JLPOLÍTICA, em 08 de Julho de 2020
Opinião - A difícil luta pela emancipação de Sergipe
Por Jorge Carvalho do Nascimento (Coluna Aparte)
Muitos dos estudos sobre a História de Sergipe afirmam que
a Revolução Pernambucana de 1817 foi a principal causa para a criação da
Capitania de Sergipe D’El Rey, em 8 de julho de 1820. Após aquela revolta, Dom
João VI concedeu autonomia a três novas Capitanias: Sergipe, Alagoas e Rio
Grande do Norte.
Neste texto defendo que o processo que separou o território
de Sergipe da Capitania da Bahia é mais complexo e se coloca no contexto dos
eventos vividos pelo Brasil entre a chegada de Dom João VI, em 1808, e a
proclamação da Independência, por Dom Pedro I, em 1822. É necessário
considerar o contexto econômico e o quadro político que levaram o rei a tomar
esta decisão.
Contudo, vale a pena dizer que a revolta não se alastrou
pelo território de Sergipe, distintamente do que aconteceu em outras
Capitanias. Os proprietários rurais sergipanos entraram em pânico,
principalmente porque a situação dos mais pobres era inquietante.
Naquele momento, Sergipe convivia com a escassez de gêneros
alimentícios para os mais humildes, principalmente a farinha de mandioca, em
face da seca com a qual conviveram os sergipanos em 1816. A elite local
permutou com o Governo da Bahia o abastecimento dos gêneros de primeira
necessidade em troca do compromisso de fornecer homens para combater os
revoltosos e também montarias para a luta.
Não obstante as agruras que frequentemente se abatiam de
modo intenso sobre os pobres, como as consequências da seca de 1816, a elite dos
senhores proprietários de terra e dos comerciantes prosperava em Sergipe, um
espaço geográfico e político que se fazia cada vez mais rico, de modo
célere, desde o final do século XVIII.
Era visível a expansão de vistosos canaviais nos produtivos
vales dos rios Sergipe, Cotinguiba, Vaza-Barris, Piauí e Real, onde o massapê
do solo era propício ao cultivo da cana de açúcar. Da mesma maneira, o poder
dos senhores de terra não conhecia limites, o que transformava o território
sergipano em uma região na qual o Estado era um grande ausente e as contendas
eram decididas num ambiente de muita violência. Os crimes, recorrentemente,
permaneciam impunes.
Do ponto de vista político, portanto, como assinalou no
relatório que fez a Dom João VI o primeiro governador da Capitania, Carlos
César Burlamaqui, alguns movimentos pleiteavam a independência desde a
primeira década do século XIX.O quadro de posições que tomaram os
políticos brasileiros entre 1808 e 1820 é complexo e tem como pano de fundo
um conflito central.
A posição dos que desejavam fazer do Brasil um Estado
nacional independente em confronto com aqueles que gostariam de manter o
território brasileiro na condição de colônia portuguesa, ou no máximo,
aceitavam o reino unido subordinado a Portugal. Quando presentes políticos da
Bahia e os que viviam e possuíam interesses no território que corresponde a
Sergipe, a questão da independência de Sergipe em relação a Bahia era um
dos elementos dentre os que serviam de combustível a este conflito.
O primeiro governador da Capitania de Sergipe, Carlos
Burlamaqui, era português de nascimento, porém se identificava com os
interesses dos brasileiros que defendiam a independência nacional. Após a sua
nomeação e antes da posse pediu ao Conde da Palma, governador geral da Bahia,
100 homens para organizar minimamente uma tropa regular de segurança.
Estes homens organizariam o corpo de milícias sergipano.
Requereu também as condições para fazer a defesa do litoral de Sergipe com
peças de artilharia. Assinalou a necessidade de organização da Junta de
Fazenda, para arrecadar e distribuir os recursos públicos.
Mal sabia Burlamaqui que não conseguiria executar seu plano
e que o seu Governo duraria pouco menos de um mês. Chegou a São Cristóvão
no dia 19 e foi empossado em 20 de fevereiro de 1821. A sua deposição ocorreu
em 18 de março seguinte, por uma força armada vinda de Salvador com 200
homens.
Em Sergipe, já empossado, Burlamaqui garantiu a liberdade
de circulação comercial e a saída das embarcações carregadas com
mercadorias, passando a fiscalizar os portos da Cotinguiba, Estância e
Itaporanga D’Ajuda, todos com fiscais da Fazenda, o que desagradava os senhores
de engenhos produtores de açúcar. Era esse o temor dos senhores de terras que
se apressaram em manifestar apoio a decisão da Junta Provisória de Governo da
Bahia e tramaram abertamente para tirar do poder o governador Burlamaqui.
Os principais polos de conspiração eram as Câmaras das
vilas de Santo Amaro das Brotas e Santa Luzia do Itanhy, além da próspera
povoação de Laranjeiras. Alguns senhores de engenho também eram contrários
a emancipação sergipana, em face dos compromissos financeiros que mantinham
com banqueiros da Bahia. Recebiam de banqueiros e comerciantes lusos quanto
precisavam para plantar cana e moer suas safras que ficavam hipotecadas.
Estes senhores enxergavam facilidades no fato de o governo
estar distante das suas propriedades. Além da sonegação fiscal, não tinham
necessidade de se submeter a nenhum outro tipo de autoridade. Cada
proprietário de engenho era autoridade administrativa, política, policial e
muitas vezes judiciária. A polícia e outros agentes do Estado não ousavam
transpor o limite físico das terras daqueles engenhos e fazendas.
Aos interesses econômicos dos senhores de terras sergipanos
se somavam os interesses dos senhores de terras da Bahia. Mantida a
emancipação política de Sergipe, a Bahia deixaria de receber anualmente a
vultosa soma de 120 contos de réis que arrecadava em impostos, mesmo com toda
a sonegação dos proprietários rurais sergipanos.
Dentre os que defendiam a emancipação estavam os pequenos
comerciantes, os pequenos proprietários de terras, os taverneiros, os donos de
casas de aluguel nas cidades. De um modo geral, as camadas médias urbanas. A
estes se juntavam ainda os pecuaristas.
Quando Burlamaqui foi deposto, Sergipe retornou à
condição de dependente da Bahia. A Carta Régia de 8 de Julho de 1820 perdeu
os seus efeitos. Esta decisão foi submetida às Cortes de Lisboa, que a
aprovaram em 18 de Julho de 1821. Somente os fatos que ocorreram ao longo do
ano de 1822 e o aumento das tensões entre Dom Pedro e as Cortes, além da luta
das lideranças de Sergipe foram capazes de garantir uma efetiva emancipação
política aos sergipanos.
Após a independência, no dia 5 de dezembro de 1822, Dom
Pedro I reafirmou a validade da Carta Régia de 8 de Julho de 1820. A luta dos
emancipacionistas sergipanos valeu a pena.
[*] Jornalista, professor, doutor em Educação, membro da
Academia Sergipana de Letras e presidente da Academia Sergipana de Educação.
Texto reproduzido do site: jlpolitica.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário