Publicado originalmente no site DESTAQUE NOTÍCIAS, em 18 de
julho de 2020
O Mosquito
Por Inacio Loiola*
Mosquito é quem dá vida ao personagem criado por Marcos
Cardoso no livro O Anofelino Solerte.
Uma narrativa que conta a trajetória de
um garoto até sua fase adulta. A história perpassa as cidades de Salvador,
Aracaju e Atalaia Nova. O apelido insignificante que o torna quase invisível,
na realidade zomba da inteligência do mesmo e o torna diligente e sagaz nessa
aventura recheada de experiências entre os amigos. Ele narra quase tudo que viu
e viveu. Aprendeu com a vida a respeitar os diferentes, a dor alheia, pensar
sobre a sua dor e assim tornar-se um personagem simples que o torna diferente e
especial.
Mosquito, apelido dado pelo seu aspecto raquítico é brasileirinho
que desde cedo aprendeu com o medo a se virar e perceber a hipocrisia dos
adultos envolvendo a safadeza e desfaçatez que existe no mundo das aparências e
hipocrisia e que ninguém consegue esquecer. Entre cenas de estupro, suicídio,
casamentos, jogos e campeonatos vai tecendo a sua personalidade de filho de
sergipanos criado em terras soteropolitanas. Contando os dias para voltar à
Atalaia Nova para novamente encontrar a sua zona de conforto entre parentes e
amigos.
As brincadeiras de índio e caubói vão acontecendo num vai e
vem de histórias e apresentando seus personagens maldosos, metidos a espertos,
as vezes medrosos, outros alegres, vão tecendo casos bizarros e muitas vezes
sinistros. Falam dos loucos de sua cidade e de como se divertiam zoando de sua
loucura. Se reuniam na casa de algum deles para outras histórias mentirosas e
fantasmagóricas que ia desde o Lobisomem até o caso de certa mulher de branco
que atraía os motoristas para a morte.
Ele e seus primos aprenderam com o tio Rodolfo, a tratar as
mulheres. A iniciação sexual com Neide, a mulher fogosa e experiente, louca por
garotos na puberdade. Essa experiência se iniciava na brincadeira com as
meninas de Pera uva ou maçã, dentre elas existia sempre um galã representado na
pessoa de Marinho que já era um homem e todas queriam beijá-lo. A frustração
maior de Mosquito não era a de não saber beijar, mas que a garota que amava em
segredo fora beijada por Marinho. Sua decepção fora tamanha e lhe rendera
expurgar seus sentimentos através do primeiro poema também chamado Maçã,
“desejando as maçãs por amadurecer ainda”.
Em Aracaju aprendeu a beijar, aprendeu a fazer amor de
verdade e talvez tenha começado a amar. Amava Claudinha em segredo e com ela
fazia amor e se sentia homem de verdade, mas foi arrebatado pela perspicácia de
Eliete que lhe apresentara Baudelaire e declamou seu poema do livro as Flores
do Mal. Sem compreender foi apenas ouvindo, sentindo, se permitindo. Naquela
noite ele leu o poema O Bobo e a Vênus e imaginou ter compreendido o
significado daquela cena muito mais do que fora ali revelado. Beijou pela
primeira vez Eliete embalado pelos versos de A Megera Domada, declamado por
ela, “não ensines aos lábios o desprezo, eles foram feitos para os beijos”, e o
seu primeiro beijo foi inesquecível.
Dessa forma acompanhamos o crescimento do nosso herói e com
ele o crescimentos das cidades de Salvador e de Aracaju, aos poucos os morros,
dunas e o manguezais vão cedendo lugar para a urbanização das ruas e avenidas,
com a terraplanagem e o asfalto se expandindo da zona norte para a zona sul
tudo sendo tingido de negro com o asfalto que aos poucos fora apagando as suas
pegadas na areia. A História da cidade se movimenta na velocidade do tempo, que
vai levando também a infância e a inocência de Mosquito e de seus amigos.
Absorviam o aprendizado possível com a vivência dos
acontecimentos, da educação informal. Valia mais que palavras, mais do que era
dito pelos pais ou o aprendido na escola. Era sentido na pele pela dor, no
sofrimento do outro. Desde cedo aprenderam que nem tudo que viam podia ser
revelado aos adultos e, portanto, calavam, porque os adultos não permitiam
comentários, não entendiam ou não aceitavam discussões sobre a violação de conduta,
estupro, sexualidade e outros assuntos que se revertiam em verdadeiros tabus. O
silêncio, o segredo ente amigos os preservava da punição e castigo.
Nosso herói passa por um acidente ao mergulhar num riacho,
cai de mau jeito num local não muito profundo, bate com a cabeça num banco de
areia. Não sente dor, mas não consegue se mover. Após ser arrastado pelas águas
é resgatado pelos colegas, sofre uma lesão na coluna vertebral. Passa por
tratamentos e enfrenta a depressão, chega a duvidar da existência do Todo
Poderoso. Sabia da sua condição, mas tinha convicção de que estava vivo e
precisava se apegar a alguma esperança, esperança de poder se movimentar
normalmente. Descobre-se nessa condição mais vivo do que nunca. Como vivera
intensamente, sua vida tinha sido ativa e frutífera e era feliz.
Ler sobre essa história da infância e adolescência de
garotos do nordeste brasileiro nos revigora e nos faz reviver a nossa própria
história. Nos faz perceber que a vida é cheia de pequenos acontecimentos e
surpresas que nos fazem ou não felizes. Melhor seria aprender que se deve viver
intensamente cada dia, cada momento como se fosse único, porque também somos
únicos e estamos narrando a trajetória da nossa existência, escrevendo, também,
a nossa própria história.
*Inacio Loiola é poeta e cronista, autor dos livros
“Rabiscos e devaneios” e “Ranhuras do tempo” e servidor da UFS.
Texto e imagem reproduzidos do site: destaquenoticias.com.br
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