sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Odisseias Sergipanas - O Bar do Meio da Rua

(Odisseias Sergipanas). 

O Bar do Meio da Rua.

O nome é apropriado: trata-se de uma incongruência urbanística que aparece no Largo do Esperanto logo após o edifício Maria Feliciana, de repente, no meio da rua. Fica entre o “Ferro de Engomar” - um edifício pontudo que já foi tudo na vida e o antigo cabaré “Pinga Pus”- que Deus me livre dele! Mas está nas cercanias de duas ruas absolutamente comerciais em Aracaju: a Itabaianinha e a João Pessoa.
Como tudo aqui é liliputino, você caminha trezentos metros de comércio e dá de cara com o entroncamento urbano a que me refiro: acaba ali a elegância das vitrines, o bom gosto dos manequins bem afeiçoados, a passarela da burguesia. É quando a cidade endoida em permissividades, carrinhos de mão, camelôs se estendendo nas calçadas aos gritos, calçolas de morim e blusões de frio em promoção. Entre o bafafá dos mafuás e a circunspeção das vitrines, o Bar do Meio da Rua é a convergência.

Ele permanece aberto como uma teimosia que a cidade guarda com zelo provinciano e imutável graça. Os inchadinhos inda se chegam por lá para os últimos dois dedos de cachaça, os guardas noturnos, as meninas da vida, enfim, a Aracaju preservada nas delícias da noite ainda comparece ao Bar do Meio da Rua, nem que seja para contar antigas aventuras, inesquecíveis cachaças.

Digo isto porque fui lá conferir, antes de lembrá-lo aqui. Fui ver se ainda rosnam os velhos liquidificadores, se as mortadelas penduradas ainda fascinam moscas e se a média com pão e farta manteiga inda me faziam babar. Pois fez.

Só me faltou o papo decente entre a marginalia de rua e os meninos cheirosos de 78. Nós, advindos da Tropicália, esticávamos ali loucas programações sociais quando nos batia no estômago a fome de sustança. No Bar do Meio éramos satisfeitos: vitamina forte, tira-gosto de lei, comida “de mesmo” para agüentar o tranco. O tranco, sim, porque até pela sua situação geográfica, o Bar do Meio era apenas uma estação para os boêmios em trânsito a caminho das locas tradicionais no Bairro Santo Antonio, como o cabaré de Ciganinha no Beco do Cemitério, os bailes da Fugase, as bocas de fumo do Mané Preto e o inesquecível Caverna’s Bar, onde nos cabia enfrentar nos alvores do dia, a desafiante bomba calórica do estupô balaio que estrelava o seu cardápio: uma fornida Sopa de Mão de Vaca, onde se acrescentava ao gorduroso mocotó de boi uma boa dose de pimenta machucada na hora.

O Bar do Meio da Rua era a esticada certa no cu da madruga. O mal ainda era uma hipérbole incompreendida, algo romântico e inofensivo que atraia a juventude doida por coisas bárbaras - doces bárbaros. O pior que poderia nos acontecer seria o cintilar de uma peixeira, pura adrenalina ardendo acesa na noite. Epa! Mas era só correr, e pronto. Aliás, segurança havia que polícia lá era de fazer lama. Bêbados, com suas raparigas e fartos das contravenções noturnas, os policiais sabiam que nós, os meninos malucos com suas calças “boca de sino” éramos intocáveis. Quem saberia filhos de quem?

Numa noite o amigo Euler, lourão magro meio derrubado pelo vício dos cabarés, convidou-me para um cuscuz com ovos. O maluco, em chegando lá inchou parança, que era tudo perôbo, que a mãe do guarda tava na torre, e outras malcriações indevidas. Ficou feio, quase teve tiro, o código de proteção se quebrara. Era cada um por si e Deus por nós todos. Então, quequeuqueroaqui? Corri, corri até me homiziar entre os travestis da Ponte do Imperador - doce e inexpugnável cidadela!

No outro dia soube que não deu em nada! Que a querela se resolvera com um tira-gosto de fígado e uma vitamina de frutas. E que o guarda ofendido, chorando ao ombro do meu amigo Euler e até apelidara a temida Beretta que ostentava carinhosamente de “Lindinalva”. Uma esculhambação!

Ocorre que eu demorei a sair do aconchego seguro na Ponte do Imperador, um pouco por causa desse contratempo e muito por certa afinidade com o que se passava por ali, reconheço agora.

O Bar do Meio da Rua ainda está lá, eu é que não sou mais o mesmo!

Amaral Cavalcante, 10/12/2008.

Postagem originária da página do Facebook/MTéSERGIPE,
 de 10 de fevereiro de 2014.

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