sexta-feira, 7 de outubro de 2016

Homenagem à Bráulio do Nascimento


Publicado originalmente no site Sergipe Cultural, em 03/10/2016.

Bráulio do Nascimento, presença em Sergipe
Por Beatriz Góis Dantas*

Tornou-se comum homenagear figuras ilustres da terra por ocasião do seu falecimento. Entretanto, muitos há que não tendo nascido nem morado em Sergipe merecem reconhecimento pelo trabalho realizado em benefício dos sergipanos.

Os que frequentaram o Encontro Cultural de Laranjeiras entre 1976 e 2007 lembram-se de Bráulio do Nascimento, cuja atuação como agente cultural e pesquisador marcou o campo do folclore no Brasil por mais de 50 anos e deixou em Sergipe importante contribuição no campo da cultura popular.

Nascido na Paraíba em 1923, fez carreira no Rio de Janeiro, para onde se mudou ainda criança. Formou-se em línguas neolatinas e interessou-se pelos estudos de folclore a partir da literatura oral. Em 1961, foi trabalhar na Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro (CDFB), órgão do governo federal, do qual se tornou diretor em 1974 e permaneceu à sua frente até 1982, quando já se transformara em Instituto Nacional de Folclore. Na sua gestão, de conformidade com o projeto governamental de defesa do patrimônio cultural envolvendo as expressões populares e associando-as ao turismo, Bráulio deu ênfase aos congressos e festivais de folclore. Por outro lado, procurou reativar a rede nacional dos folcloristas criada na década de 1940, incentivando ou recriando antigas comissões estaduais, estabelecendo pontes entre os estudiosos, os grupos folclóricos e o público.

Foi nesse contexto que Bráulio se voltou para Sergipe, dando suporte institucional às demandas colocadas por intelectuais e autoridades locais. Em 1976, discutia-se um evento cultural a ser realizado em Laranjeiras. Ele, como diretor da CDFB, veio a Sergipe, onde contava com amigos como Luiz Antônio Barreto e Jackson da Silva Lima, e viabilizou a criação do Encontro Cultural de Laranjeiras, que teve a primeira edição em maio daquele ano. Esse gesto inaugural foi decisivo, sendo repetido e ampliado nos anos subsequentes, de modo que, sempre no mês de janeiro, aconteceram novas edições do Encontro promovido pelo Governo de Sergipe, pela Prefeitura de Laranjeiras e com apoio de muitas entidades, sendo capitaneado no plano local por Luiz Antônio Barreto. O evento se tornou um grande sucesso e, no corrente ano, completou 41 edições ininterruptas, com múltiplas atividades tendo como fulcro central a cultura popular.

Homem afável e muito habilidoso no trato com as pessoas, Bráulio conseguiu que alguns intelectuais, que faziam das expressões populares de cultura tema de suas preocupações e escritos, se agregassem em torno da Comissão Sergipana de Folclore (CSF) ressurgida em 1976 sob a liderança de Jackson da Silva Lima, pesquisador laureado nacionalmente com o Prêmio Sílvio Romero e trabalhador incansável que muito se esforçou para divulgar a produção cultural local, contando com o apoio de Bráulio, empenhado em ampliar as pesquisas referentes a folclore.

Ainda no I Encontro Cultural, além do Simpósio e das apresentações de grupos folclóricos, foram lançadas publicações, como o álbum de xilogravuras de Enéas Tavares e o número 4 dos Cadernos de Folclore. Este era uma versão condensada do meu livro Taieira de Sergipe, publicado em 1972, que se fazia acompanhar de pequeno disco compacto com o registro sonoro dos cantos das devotas de São Benedito. Seguiu-se a publicação do material que eu havia pesquisado entre grupos folclóricos de Laranjeiras – Chegança e Dança de São Gonçalo – sendo editados textos e discos que integravam a coleção Cadernos de Folclore e o Documentário Sonoro do Folclore Brasileiro, duas séries criadas em sua gestão e publicadas pela Campanha por vários anos. A Revista Sergipana de Folclore, órgão da Comissão estadual, da qual saíram três números (1976, 1978, 1979), também contou com o apoio de Bráulio, abrindo espaço para os pesquisadores locais. Nela publicaram Aglaé Fontes Alencar, Beatriz Góis Dantas, Jackson da Silva Lima, Luiz Antônio Barreto, Núbia Marques, Paulo de Carvalho Neto e outros.

Em Sergipe, a CDFB, sob a direção de Bráulio, também apoiou ou patrocinou cursos e jornadas realizadas em convênio com o governo, com a Comissão Sergipana de Folclore ou com a Universidade, na qual chegou a ser criada uma disciplina de folclore em 1976. Promoveu mapeamento das manifestações folclóricas sergipanas, trabalho infelizmente não publicado; possibilitou a qualificação de estudantes em cursos realizados na Fundação Joaquim Nabuco em Recife, de onde retornavam para ocupar espaços nas agências culturais do estado e do município. Significativamente, nos anos 80, há uma floração de publicações resultantes dos levantamentos e registros realizados sob o guarda-chuva dessas entidades governamentais.

A atuação de Bráulio em Sergipe, contudo, não se limitou apenas a dar suporte material e fazer a articulação de várias atividades relacionadas com o folclore. Ao longo dos anos, ele era presença cativa no Simpósio, ora como palestrante, debatedor ou moderador nas Mesas Redondas, ora como ouvinte atento e interpelante arguto entre os integrantes da plateia, trazendo sempre um ensinamento novo, ampliando o conhecimento e elevando o nível das discussões sobre os temas debatidos.

Quando deixou a direção do Instituto Nacional de Folclore (1982), órgão que substitui o CDFB e que ele ajudou a estruturar, continuou a visitar Laranjeiras anualmente. Era a figura mais querida e esperada do Encontro Cultural, do qual participou durante 30 anos. Dedicou-se a organizar a memória do evento. Em 1995, veio a lume volumoso documentário contendo dados sobre os primeiros 20 anos do Encontro. No seu texto de abertura, recuperou em linhas gerais a história do evento e fez a avaliação de sua importância para os estudos de folclore, afirmando que “não é possível falar do desenvolvimento dos estudos da cultura popular no Brasil sem passar por Laranjeiras”.

Entre 1995 e 1999, continuou como coordenador geral dos Anais do Encontro Cultural, período em que a memória do Simpósio ficou devidamente registrada em várias publicações. Anos mais tarde, quando o Encontro completou 30 anos, Bráulio, então com 80 anos de idade e uma vitalidade de fazer inveja a muitos jovens, presidiu a Mesa de Abertura do Simpósio e assinou um texto rememorativo falando das origens e incorporando os avanços dos últimos 10 anos.

Depois de 2007, Bráulio não mais voltou a Laranjeiras. Porém, mesmo ausente, seu legado continua a pairar sobre todos, e não se pode fazer alusão ao passado sem que a ele se faça referência. O Encontro Cultural de Laranjeiras foi o grande contributo que Bráulio deu a Sergipe. Ajudou a dar visibilidade aos estudos de folclore e a Laranjeiras, mas, antes de tudo, contribuiu para a continuidade/recriação de grupos folclóricos, que entram na construção da identidade local.

Por tudo isso, os sergipanos e os laranjeirenses, em particular, são reconhecidos a Bráulio do Nascimento, a quem concederam títulos de cidadania honorária. Sua morte ocorrida no Rio de Janeiro, no último dia 26, trouxe tristeza aos amigos e aos que dividiram com ele as vivências no Encontro Cultural de Laranjeiras, que ele ajudou a germinar, florescer, frutificar e hoje continua a projetar a terra de João Ribeiro no cenário nacional.

* Mestra em Antropologia Social pela Unicamp, professora emérita da UFS, membro da Academia Lagartense de Letras.

Texto e imagem reproduzidos do site: cultura.se.gov.br

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