quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

Canhões e Trincheiras na Praia Formosa

Arquivo Público Mineiro | Fotografias.
Imagens reproduzidas do site: siaapm.cultura.mg.gov.br
Postada pelo blog Isto é SERGIPE, para ilustrar o presente artigo.

Publicado no blog Clodoaldo Alencar, em 18/05/2009.

Canhões e Trincheiras na Praia Formosa.
Por José Anderson Nascimento*

Na madrugada de 13 de julho de 1924, a cidade do Aracaju era sacudida por cruento tiroteio, alimentado pelo matraquear das metralhadoras do 28º Batalhão de Caçadores, cuja corporação havia sido sublevada pelo capitão Eurípedes Esteves de Lima e tenentes Augusto Maynard Gomes, João Soarino de Melo e Manuel Messias de Mendonça, para apoiar a Revolução Paulista de 1924, que havia estourado na cidade de São Paulo, a 5 de julho, sob a liderança do general Isidoro Dias Lopes, major Miguel Costa, João Cabanas e Joaquim Távora, contra o Presidente da República, Artur da Silva Bernardes.

O objetivo desse movimento de oposição a Bernardes, era pôr fim à oligarquia do Partido Republicano Paulista e Partido Republicano Mineiro, que impunham sempre em seus conchavos os presidentes, impedindo assim que se manifestasse livremente o desejo do povo na escolha do Chefe da Nação. Crises militares foram uma constante na primeira fase da República, mas, a partir de 1922, elas ganhariam um novo protagonista: a oficialidade de baixa patente, de que decorreu a denominação "Tenentismo".

Encarnando as aspirações da classe média urbana, esses revolucionários pugnavam pela adoção do voto livre e secreto e pela moralização dos costumes políticos. O primeiro levante tenentista teve lugar no final do governo do Presidente Epitácio Pessoa, com a Revolta do Forte de Copacabana. Enfrentando uma grave crise militar, provocada pela publicação na imprensa de cartas ofensivas às Forças Armadas, atribuídas ao candidato Artur Bernardes, Epitácio Pessoa determinou o fechamento do Clube Militar e a prisão do seu presidente, Hermes da Fonseca.

Dois meses depois, a 5 de julho de 1922, revoltaram-se as guarnições dos fortes do Vigia e de Copacabana, neste último sob o comando do capitão Euclides Hermes da Fonseca, filho do ex-presidente. A revolta, contornada em dois dias, não teria maiores conseqüências, não fosse o episódio dos Dezoito do Forte de Copacabana, quando o tenente Antônio Siqueira Campos e dezesseis companheiros negaram-se a capitular e marcharam para a praia, onde receberam a adesão do civil Otávio Correia.

Ali, enfrentaram sozinhos as tropas do governo. No combate, morreram os tenentes Nilton Prado e Mário Carpenter e o civil Otávio Correia. A Revolta de 13 de Julho, associada ao 5 de Julho, marca o inicio do movimento tenentista em Sergipe. Os revoltosos atacaram o Palácio do Governo, que foi defendido pelo tenente Stanley Fernandes da Silveira. Na luta, morreu o soldado José Martins de Castro e saíram feridos o cabo Marcílio Cordeiro Santa Bárbara e o soldado Manuel Inácio Teles. No ataque ao Quartel da Policia Militar, situado na antiga Rua da Frente, hoje Ivo do Prado, onde funciona a Secretaria da Educação, morreu o soldado José Rodrigues de Oliveira e muitos ficaram feridos.

O Telégrafo Nacional e a Estação Ferroviária, esta última, localizada nas proximidades do Mercado Thales Ferraz, foram ocupados simultaneamente. Recolhiam-se presos ao Quartel do 28º Batalhão de Caçadores, então, localizado na atual Praça General Valadão, onde, hoje, está edificado o antigo Hotel Pálace de Aracaju, os oficiais que não aderiram ao movimento, a começar pelo seu Comandante, Major Jacinto Dias Ribeiro, capitães Augusto Pereira, Misael Mendonça e Galdino Ferreira Martins e os tenentes Heráclito d'Ávila Garcez, Antenor Cabral, João Batista de Matos e José Figueiredo Lobo, filho do ex-Presidente do Estado de Sergipe, José Joaquim Pereira Lobo. Na mesma madrugada era também preso o Chefe de Polícia, Ciro Cordeiro de Farias, e a resistência do governo estadual ficava fraca e acéfala, tendo os revoltosos ocupado todos os pontos estratégicos da capital.No dia seguinte, o Presidente (Governador) do Estado, Dr Maurício Graco Cardoso, era preso e recolhido ao Quartel do 28º BC, juntamente com alguns auxiliares do primeiro escalão, entre eles o Dr. Hunald Santaflor Cardoso e o Secretário Gera1 do Governo, Dr. Carlos Alberto Rolla.

O governante ficou incomunicável enquanto durou a Revolta. Formada a Junta Governativa, logo passou-se à convocação de reservista e de voluntários. Aracaju estava em pé de guerra. Enorme era o aparato bélico nas suas ruas e areais. Preocupados com um possível desembarque de tropas contrárias pelo mar, os revoltosos cuidaram logo de minar a barra do Rio Sergipe e de estacionar o canhão SERGIPE, nas brancas areias da Praia Formosa, voltado para o canal. Ali, também, colocaram mais dois canhões, um denominado de UNIÃO FAZ A FORÇA e o outro conhecido por 42, mortífera arma alemã da Guerra de 1914. Na Praia Formosa cavaram várias trincheiras e levantaram barricadas com sacos de areia. A resistência à possível reação dos bernardescos não ficou só em Aracaju.

O tenente Maynard deslocou tropas para a Vila do Carmo, atual Carmopólis, ao Norte, visando conter o Batalhão Hercílio Brito, que marchava contra as suas posições com mais de 80 homens em armas e muitos cangaceiros procedentes do Baixo São Francisco. Tropas de Maynard foram ainda enviadas para São Cristóvão e Itaporanga D'Ájuda, ao Sul. Sabia-se, outrossim, que partia de Simão Dias uma coluna comandada pelo coronel Pedro Freire de Carvalho, objetivando defender o Presidente c Estado, em poder dos revoltosos. Em Salvador, o general Marçal Nonato de Faria era encarregado pelo Governo Federal de restabelecer a ordem em Sergipe, sufocando a Revolta e reconduzindo ao Governo o Dr Graco Cardoso.

Para essa tarefa contou com mais de mil homens, procedentes de várias unidades militares, a começar pelo 20º BC, de Alagoas; 21º BC, de Pernambuco e 22º BC, da Paraíba. Contou, mais, com soldados das Policias Militares da Bahia e de Alagoas, além do Batalhão Hercílio Brito. Na verdade, só os revoltosos do 28º BC cumpriram o articulado com os seus camaradas paulistas. Em São Paulo, o Governo Federal reagiu logo, bombardeando a cidade às cegas, atingindo civis e residências.

No final de julho o cornando revolucionário evacuou a cidade, dirigindo-se parte de suas tropas para o sul onde se juntou às forças do capitão Luís Carlos Prestes, e parte para Catanduva, onde ainda houve uma resistência por alguns meses. As tropas de Prestes haviam surgido no Rio Grande do Sul, como decorrência da Revolução de 1924. Quando se uniram à Coluna Paulista, formaram um novo destacamento revolucionário, a Coluna Prestes, ' que por quase três anos percorreu 36.000 km pelo interior do Brasil, através de quase todos os Estados, divulgando o programa revolucionário do tenentismo e travando uma série de combates com as forças do governo.

O restabelecimento da ordem legal em Sergipe tornava-se, contudo, missão espinhosa para o general Marçal Nonato, desde quando te ria que cumpri-la sem derramamento de sangue e sem negociar condições de rendição com os revoltosos. Por outro lado, o capitão Euripedes Esteves de Lima, em nome da Junta Governativa, anunciava às autoridades e ao povo em geral que os revoltosos estavam preparados para reagir a qualquer provocação ou afronta.

Dizia, mesmo, que a deposição do Dr. Graco Cardoso não se prendia à política estadual, absolutamente. Atendia isso sim, a movimento revolucionário. O primeiro choque das revoltosos com o Batalhão Hercílio Brito aconteceu nos arredores de Carmopolis e os ribeirinhos fugiram desesperados ao primeiro tiro de um velho canhão. No Rio de janeiro o Congresso Nacional decretava no dia 14 de julho o estado de sitio sobre São Paulo, que se estendia aos Estados de Sergipe e Bahia. Respaldado com instrumentos legais, o general Marçal nato montou a operação para restabelecer a legalidade em Sergipe.

Seria uma campanha conjunta de mar e terra. Para isso contou com navios da Marinha de Guerra e locomotivas da Ferrovia Leste Brasileiro. Devido às dificuldades ao desembarque que teriam as tropas legalistas na Praia Formosa, o executor do sitio em Sergipe preferiu desembarcá-las nas praias da Estância.Com efeito, no dia 24 de julho, por cerca das 10 horas, os navios Comandante Miranda, Iris, Maraú e Canavieiras singravam as águas do Rio Real e Piauí, desembarcando as tropas e os equipamentos no Crasto, em Santa Luzia do Itanhy. Defronte da praia do Mangue Seco, ficando ao largo o contra-torpedeiro Alagoas.

O cerco aos revoltosos apertava. O general Nonato proclamava a 25 de julho, na Estância, que todos os atos praticados pela Junta Governativa estavam nulos. Adiantava que até o momento do restabelecimento da ordem constitucional, todas as autoridades deviam-lhe obediência, situação que somente cessaria com a reposição do Dr. Graco Cardoso no Governo do Estado. Ajustados os primeiros preparativos, a tropa da Policia da Bahia foi unir-se a segmento do Exército em Salgado. Daí partiram para Itaporanga D'Ájuda, onde os revoltosos recuaram para São Cristóvão e, de São Cristóvão recuaram ainda mais para Aracaju, em que a resistência foi efêmera fazendo-os capitular.

Em Carmópolis a resistência foi maior, em que pese o porfiado tiroteio que abafou a retaguarda dos tenentes. A calma somente voltou a reinar em Aracaju a 3 de agosto. Revoltosos eram capturados e levados ao Quartel do 28º Batalhão de Caçadores, outros entregavam-se voluntariamente. O tenente Augusto Maynard, auxiliado pelo amigo Brasiliano de Jesus, conseguiu fugir ao cerco e bateu-se em São Paulo, sendo preso e conduzido à ilha da Trindade, localizada a 1.150 Km a leste do Estado do Espírito Santo, que se havia transformado em prisão militar. Mais de 500 pessoas foram indiciadas em processos criminais, porém os ideais de liberdade permaneceram vivos entre os sergipanos. Com Maynard, nascia em Sergipe a liderança na luta contra a casagrande e a cana-de-açúcar, na expressão do Professor Artur Fortes.

O coroamento, porém, do movimento tenentista em Sergipe, deu-se com a Revolução de 30 e, principalmente com a nomeação do capitão Augusto Maynard para Interventor Federal no Estado. E, em sua homenagem, a Praia Formosa transformava-se em "Praia 13 de Julho", pelo Ato nº 11, do Intendente Municipal Camilo Calazans, publicado no Diário Oficial de 28 de novembro de 1930, em que Augusto Maynard Gomes foi reconhecido como o grande líder militar do levante de 13 de Julho de 1924.

*Ocupante da Cadeira nº 20 da Academia Sergipana de Letras.

Texto reproduzido do blog: clodoaldoalencar.blogspot.com.br

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