Publicado originalmente no site G1 SE., em 24/02/2016.
Governador Jackson Barreto depõe à Comissão Estadual da
Verdade.
Jackson disse que viveu na luta pela redemocratização do
País.
Governador foi preso durante três vezes na ditadura militar.
Do G1 SE.
Na segunda fase das sessões públicas para registro de
depoimentos, a Comissão Estadual da Verdade reúne, no período de até esta
sexta-feira (26), em sessões públicas no Museu da Gente Sergipana, mais seis
vítimas do regime militar instaurado no Brasil pelo Golpe de 1964.
Em 20 de fevereiro de 1976, a "Operação Cajueiro",
desencadeada em Sergipe pelos militares no ápice da ditadura, teve como uma de
suas vítimas o então deputado estadual e hoje governador Jackson Barreto. Para
elucidar e tornar públicos os fatos ocorridos à época, o governador relatou, na
manhã desta quarta-feira (24), à Comissão Estadual da Verdade (CEV), o que
viveu na luta pela redemocratização do País.
Além de Jackson Barreto, nesta fase, já foram coletados
depoimentos das vítimas, Delmo Naziazeno (servidor público) e do jornalista
Milton Alves. O advogado Carlos Alberto Menezes, o promotor de Justiça, José
Elias Pinho de Oliveira e Marcélio Bonfim serão os próximos a serem ouvidos.
“Sofremos na pele as consequências da luta pela liberdade e
redemocratização do País. Na Operação Cajueiro eu não fui torturado, porque na
época eu era deputado e imagino que eles estavam preocupados com a repercussão
de torturar um deputado, foi mais uma tortura psicológica, com ameaças o tempo
todo. O coronel gritava, batia na mesa e dizia: ‘Deputado, aqui as pessoas
falam o que quer e o que não quer’, deixando claro que se alguém não falasse o
que eles queriam, teriam meios persuasivos para coletar as informações. Mas
eles não conseguiram nada da nossa parte. Da minha parte, na verdade, eles
queriam justificar que meu mandato de deputado estadual era um instrumento de
financiamento das atividades do Partido Comunista Brasileiro (PCB) do qual eu
era militante, filiado do setor de Agitação e Propaganda, naquele momento.
Sofri processo de Segurança Nacional e depois todos nós fomos absolvidos, ainda
assim, tentaram rever minha absolvição. Era algo que, depois entendi, também de
interesse político, já que eu seria candidato a deputado federal em 1978”,
relatou o governador.
Em seu depoimento, Jackson recordou que além da Operação
Cajueiro, onde foi detido por quase um dia completo para interrogatório, foi
preso político por mais duas vezes, durante a ditadura militar. Quando
estudante universitário, ao lado dos companheiros de movimento estudantil,
também só não foi expulso da Faculdade de Direito pela coragem do então reitor,
João Cardoso, que se negou a fazê-lo.
“Fui preso três vezes, primeiro com o grande jornalista
sergipano, Ancelmo Gois, fomos presos no Quartel do 28º BC. A segunda vez, foi
na sede da antiga Polícia Federal, na rua Capela, onde fiquei na mesma cela do
major do Exército, João Teles de Menezes, muito ligado à figura de Luís Carlos
Prestes. Era também meu companheiro de cela o geólogo Artemísio Resende e José
Alves.
Nascimento, irmão da primeira dama da capital, Maria do Carmo. Depois fui
preso e levado para o Quartel da Polícia Militar, na rua Itabaiana, onde passei
17 dias e recebíamos visitas de alguns companheiros e familiares e a todos
orientávamos no sentido que a coisa mais importante que todos tinham que fazer
era divulgar a nossa prisão, porque cada vez que um companheiro era preso o
fundamental era que informássemos o máximo à opinião pública, para garantir a
segurança e a própria vida daquele que
foi preso”, recordou.
Antes de iniciar os relatos à CEV, Jackson fez uma homenagem
aos militantes da Universidade, já falecidos, que também viveram os duros
tempos de repressão, a exemplo de Paulito, da Faculdade de Química, Vieira, da
Faculdade de Economia, Urbano Jacinto, da Faculdade de Direito, Jackson
Figueiredo, da Faculdade de Direito, Rosalvo Alexandre, militante desde o
Colégio Estadual Atheneu Sergipense, Vivaldo Lima Sobrinho (irmão de Rosalvo e
recentemente falecido) e Mário Jorge Menezes Viera.
Segundo Jackson, a Comissão Estadual da Verdade cumpre o
papel de relembrar esses fatos que já pertencem à história para servir como
exemplo às futuras gerações. “Seguindo uma orientação nacional, a Comissão
Estadual da Verdade está aqui para que esses fatos não voltem mais a acontecer
no Brasil. Para que a gente tenha consciência da necessidade de vivermos e
defendermos a democracia”.
De acordo com o presidente da Comissão Estadual da Verdade,
o professor Josué Modesto dos Passos Subrinho , o relato do governador foi uma
importantíssima contribuição ao futuro acervo da Comissão Estadual da
Verdade, pois ilustra bem a memória de uma geração que construiu à resistência
ao regime e testemunhou os mecanismos de repressão e resistência. “O governador
teve uma trajetória política que se inicia no movimento estudantil na
resistência ao regime autoritário, o depoimento dele foi muito ilustrativo, já
que ele tem uma memória impressionante e conseguiu relembrar fatos, pessoas e
localidades. Depois analisaremos esses depoimentos, que estão sendo gravados,
para ver as diferentes nuances, versões, eventualmente omissões, e poderemos
novamente indagar os depoentes para detalhar, aprofundar algumas questões. Mas
isso será um trabalho posterior da comissão”, explicou.
Para Subrinho, os relatos contribuem para reavivar um
passado recente que por vezes trazem fatos imagináveis para aqueles que
nasceram após o processo de redemocratização do Brasil e ainda realçam as
conquistas obtidas neste pequeno espaço de tempo.
“Do ponto de vista da atual geração, são coisas
impressionantes, porque felizmente vivemos uma normalidade democrática há muito
tempo. O fato das pessoas serem presas sem mandado, de não ter direito a
advogado, dos advogados terem medo de serem constituídos como defensores, de
instituições silenciares, a imprensa sergipana, por exemplo, não noticiou nada
a respeito da Operação Cajueiro, tudo isso constitui o que nós ganhamos. A geração
que já nasceu no regime democrático às vezes só tem a percepção dos impasses,
dos problemas da democracia e não têm a percepção dos ganhos em termos de
direito, liberdade, de pensamento, de manifestação, de preservação da pessoa,
dos seus bens. Esses depoimentos trazem também, a memória para pessoas da minha
geração, que conviveram com isso, de como era diferente, e como isso é
aterrorizante. Enfim, acreditamos que as conquistas democráticas que o País tem
tido, que estão avançando, se contrapõem a este período de terror, elas ficam
realçadas diante de tudo isso”.
*Com informações da ASN.
Texto reproduzido do site: g1.globo.com/se
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