Publicado originalmente no site G1 SE., em 07/12/2015.
Antônio Carlos Viana fala sobre obra que recebeu prêmio
nacional.
Autor narra conflitos com morte, sexo e solidão em 'Jeito de
matar lagartas'. Livro foi lançado em março e pode ser adquirido nas livrarias
de Sergipe.
Do G1 SE.
O escritor sergipano Antônio Carlos Viana, considerado um
dos maiores contistas brasileiros da atualidade, é o vencedor da categoria
Literatura em Contos/Crônicas da Associação Paulista de Críticos de Artes
(APCA) pela publicação do livro 'Jeito de Matar Lagartas'. A lista dos
premiados foi divulgada no dia 3 de dezembro.
O prêmio não tem inscrições e os concorrentes são escolhidos
ao longo do ano conforme as publicações são feitas.
Em entrevista ao G1 o revela os bastidores da construção da
obra literária.
G1:O livro ‘Jeito de matar lagartas’ foi escrito em um
momento delicado da sua vida quando você passava por problemas de saúde. Mesmo
sem nenhuma pretensão de vê-lo publicado agora vem o reconhecimento do prêmio
de alcance nacional da Associação Paulista de Críticos de Artes (APCA). É um
incentivo para continuar produzindo textos?
Realmente, o livro foi produzido quando eu já sentia as
dores do mieloma que tomou conta de mim. Isso foi em maio de 2014. Como senti
que algo muito ruim se avizinhava, peguei os contos que meus quatro primeiros
leitores haviam selecionado e os retrabalhei em duas semanas. Foi um trabalho
insano, trancado num flat em Curitiba. Foi uma decisão sensata, essa minha. Se
tivesse demorado mais um mês, não teria publicado esse livro. As dores se
agravaram no final de maio, o diagnóstico demorou a ser feito e só fui
piorando. Assim que terminei de revisar o livro, mandei para a Companhia das
Letras, que deu sinal positivo. Daí em diante perdi o interesse por ele, pois a
doença se tornou avassaladora, com dores que não passavam nem com os remédios
mais fortes. Quando, em dezembro, eu estava internado aqui no São Lucas, a
editora me pediu para revisá-lo, pois ia sair em janeiro. Eu não tinha a menor
condição de ler. Foi meu filho que o fez. Sem ele, o livro não teria saído.
Ganhar esse prêmio é algo que me soa ainda estranho, pois não estava no meu
roteiro. Ninguém escreve pensando em ganhar prêmio, creio eu. A boa recepção
crítica de "Jeito de matar lagartas" me fez muito feliz,
evidentemente. Quem não ficaria? Um júri da maior qualidade, cujos integrantes
jamais vi. Um prêmio como esse da APCA dá um gás enorme para a gente ter
coragem e procurar ler o que está guardado. Tenho muitos contos arquivados, mas
só vou pegar quando estiver bem recuperado mesmo, com muita energia. Escrever
deixa qualquer um esgotado, ainda mais sendo exigente como eu.
G1: Nesta obra premiada você aborda os conflitos e
descobertas desde a infância até a idade avançada. Como é o passeio por essas
realidades?
Sempre meus contos giraram, em sua maioria, em torno da
infância e dos seres marginalizados. Agora, por motivos óbvios, começaram a
girar também em torno da velhice. Não deixa de ser interessante pegar essas
duas pontas da existência e explorá-las com o viés que me é peculiar: uma visão
de mundo desesperançada, trágica até, pois parece que nascemos mesmo para a
tragédia, embora hoje, depois de tudo por que passei, eu esteja menos
pessimista. Mas o livro tem esse lado triste, desesperançado, de seres
esquecidos, que não tem muito o que esperar da vida. O erotismo surge como uma possibilidade
de felicidade, mas nem sempre o é.
G1: A miséria e a morte também são abordadas no livro, foi
influência da sua experiência de vida? Seria uma visão mais realista?
Diz-se que a gente sempre escreve melhor sobre o que viveu.
Acredito nisso. Desde o primeiro livro, "Brincar de manja", que a
morte e a miséria aparecem em meus contos. Eu não saberia escrever sobre a
riqueza, pois nunca fui rico. Minha família era humilde, morávamos na zona
rural de Aracaju, e isso me marcou muito. Eu via as dificuldades em casa e nas
pessoas que moravam nos arredores do sítio onde fui criado. Isso foi um grande
manancial para minha ficção. Seres à margem sempre me interessaram. E tem nada
mais à margem que a criança e os velhos, tais como os exploro hoje? Quanto à presença
da morte, ela sempre nos acompanha, e não há nada mais incompreensível para nós
do que ela. Não deixa de ser uma visão realista, mas um realismo que vem mais
do trabalho com as palavras do que com os fatos em si.
G1: ‘Jeito de matar lagartas’ tem conflitos, mas também
humor. Como foi possível esse equilíbrio?
O conto é um gênero muito difícil. Se ele não agarrar logo o
leitor nas primeiras linhas, pode virar um belo fracasso. O conflito é a sua
base. Sem este, o conto não se desenvolve. O humor é peça indispensável em
qualquer gênero. É uma forma de aliviar as tensões existentes num texto que
muitas vezes trata de assuntos pesados. Confesso que é muito difícil harmonizar
conflito e humor. É trabalhando incansavelmente que a gente chega a um ponto de
equilíbrio. Escrever é isso: trabalho, trabalho, trabalho. Nunca nenhum conto
me foi dado de primeira. Trabalho feito um maluco para que cada frase tenha o
peso que lhe quero dar no contexto da história narrada.
G1:A sua formação acadêmica em teoria literária ajuda na
criação dos seus contos? Tem algum ingrediente que não pode faltar no texto?
Há pessoas que acham que a teoria atrapalha. Claro que ela
atrapalha se o escritor começar ficar pensando em regras o tempo todo. Ele não
sairá do lugar. A teoria é boa porque nos dá os instrumentos para verificar se
os elementos de uma narrativa estão bem desenvolvidos, se a linguagem é
convincente, se há verossimilhança, se as personagens estão bem delineadas. Num
primeiro momento, escrever exige liberdade absoluta. Nada de regrinhas cercando
o texto. Ter conhecimento nesse campo me ajudou muito e ainda ajuda a pôr à
prova meus contos para mim mesmo. É como uma prova dos noves para o escritor.
G1: Seu filho André Viana herdou o talento para a literatura
e publicou o livro ‘O Doente’ neste ano. Quando você percebeu esse dom nele?
Fica difícil responder pelo André. O que posso dizer é que
ele foi meu aluno no pré-vestibular e depois no curso de jornalismo na UFS. Eu
vi que ele escrevia bem e pegava as coisas no ar. A palavra talento é um tanto
perigosa, pois me parece muito excludente. Será que uns nascem com talento e
outros não? Assim o mundo fica ainda mais desigual. Mas voltando ao André, o
que percebi nele depois de formado foi o gosto cada vez maior pela literatura e
pela escrita. O romance que ele escreveu foi fruto de seu trabalho constante
com a palavra e das leituras que foi fazendo ao longo dos anos. Para ser
escritor, é preciso antes ser um bom leitor. Ler de tudo, não ter preconceito
com nada.
G1: Após esse reconhecimento do seu trabalho, vem livro novo
por aí?
Tenho contos arquivados esperando a hora de serem
trabalhados, mas o tratamento a que me submeti me tirou toda a energia de que
precisamos para escrever. Estou me recuperando ainda, e espero o mais breve
possível pegar esses contos e trabalhá-los com a dedicação que dedico a cada
palavra enunciada. Acho que não vai demorar não. Quem sabe não lanço um novo no
ano que vem? Que os deuses digam Amém, como está na moda.
Texto e imagens reproduzidos do site:
g1.globo.com/se/sergipe
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