Foto: Fernanda Araujo.
Cotidiano - Especial - 28/12/2015.
Há 30 anos Licor da Gabriela agrada ao paladar de sergipanos
e turistas
Confira a segunda reportagem da série especial Made in
Sergipe.
Notícias Sergipe
Por Fernanda Araujo
Entre as décadas de 70 e 80, a má gestão do dinheiro captado
no exterior fomentou a paralisação do crescimento econômico brasileiro por uma
década inteira, transformando os anos 80 na “década perdida”. A crise da
dívida, resultado de outro erro (a crise do petróleo, de 1973), fez com que
alguns setores da economia brasileira começassem a fazer cortes no orçamento,
um período de estagnação que formou uma retração agressiva da produção
industrial.
Essa redução de gastos foi o ápice para inúmeras demissões
que ocorreram no país e um dos atingidos foi o trabalhador em construção civil
Carlos Henrique de Oliveira Santana, 74 anos. Funcionário de uma empresa na
Bahia, em 1980, o sergipano sentiu o peso do desemprego até que um hobby de
família o fez retornar ao seu lugar de origem.
Ainda na cidade baiana e sem trabalho formal, Carlos
resolveu montar um negócio de fabricação de licor, o que não deu muito certo.
Separado da esposa, ele voltou para Aracaju (SE), sua cidade natal, onde
retornou a apostar no mercado de bebidas. Hoje, produtor de licor artesanal e
dono da microempresa Licor Gabriela, localizada no bairro Pereira Lobo, na
capital sergipana, seu Carlos produz cerca de 2 mil litros por ano e mais de 70
tipos diferentes de licor, em um espaço criado há 30 anos.
“O licor nasceu com meu avô Antônio José de Oliveira, mais
conhecido como Antônio Ferreiro, em 1880, fazíamos para uso próprio ou para
presentear. Quando chegamos aqui não tinha água e nem luz. A persistência faz
com que você progrida na vida, várias pessoas já vieram com muitas propostas,
mas nunca aceitamos passar nosso lugarzinho”, lembra Carlos Henrique.
Tudo começou com a fabricação de dois tipos de licores
caseiros: jenipapo e canela. A última, mais famosa, deu nome ao
estabelecimento. “Quando as pessoas vinham pedir o licor de cravo e canela,
pediam: Me dê um licor da Gabriela, por causa da novela Gabriela, cravo e
canela (escrita por Walter George Durst, adaptada do romance de Jorge Amado)”.
Sem rótulos, a bebida era apenas armazenada em garrafas e depois na geladeira.
“Graças a esse trabalho consegui chegar até aqui e formar meus filhos”.
O negócio
Mas o negócio tem seus altos e baixos. A última crise que o
empreendimento teve que enfrentar foi na presidência de Fernando Collor, em
1990, com o anúncio de medidas como a volta do cruzeiro como moeda; o
congelamento de preços e salários; bloqueio de contas correntes e poupanças por
18 meses; demissões de funcionários e diminuição no número de órgãos públicos.
“Logo quando eu estava começando a dar certo, levei uma cacetada, várias
situações de crise”, diz.
Uma possível saída dessa tensão seria a contratação de
empréstimos em instituições financeiras. Seu Carlos até que tentou para ter um
‘capital de giro’, mas o crédito que conseguiu custeava apenas máquinas
industriais. “Como era produção artesanal não tinha essa necessidade”, conta.
A princípio quando foi criada a oportunidade de se
formalizar, o produtor não encontrava um código de atividade que se enquadrasse
no perfil do seu negócio; após três tentativas, obteve êxito este ano. Ele
conta que a falta de formalização dificultou a comercialização do produto em
mercadinhos e o fez perder várias oportunidades. “Uma vez na feira de São
Cristóvão (SE) uma pessoa se interessou, mas eu não era formalizado. E depois
da formalização, que para mim é outra vida, fiquei conhecido no estado e agora
no resto do país”, comemora.
Apesar de sentir dificuldades em pagar os funcionários
durante o ano, a produção chega a dobrar no período junino, que começa a ser
feita três meses antes, com a ajuda de mais quatro funcionários.
Posteriormente, a demanda só aumenta em eventos culturais Brasil afora, como a
Vila do Forró e a Feira de Sergipe, em Aracaju. “Já vendi em todo o país, só
nunca fui para o Norte”.
Apoio
Carlos Henrique possui a carteirinha de artesão do
Ministério do Desenvolvimento, é cadastrado no Núcleo de Apoio ao Trabalho
(NAT) e no Programa do Artesanato Brasileiro (PAB), que promove feiras em todo
o país. Além disso, hoje, é presidente da Cooperativa de Artesãos em Sergipe.
Para ele, é preciso mais apoio. “Aqui em nosso estado não temos apoio, com isso
deixam de ajudar e escondem o talento de uma coisa típica. Assim que viajo,
levo os produtos dos amigos para vender. E aqui no meu espaço eu também vendo
produtos de colegas, por exemplo, o doce da Cabrita”, salienta.
“Como estamos produzindo desde 85, logo depois de sete anos
o negócio cresceu e eu não estava mais com os únicos dois sabores. E aí foi o
pontapé para o sucesso”, conta Henrique lembrando que foi descoberto através da
mídia.
O segredo da longevidade
O produtor viu a oportunidade de desenvolver seu negócio
unindo diversos sabores que, possivelmente, agradariam ao paladar dos
degustadores. De forma criativa, Carlos Henrique busca, todo ano, utilizar as
misturas conforme temas da atualidade. O futebol brasileiro com a torcida pelo
Hexa e até a Lava Jato – operação da Polícia Federal que desvendou um esquema
de corrupção na Petrobras – já foram usados como inspiração. “Esse ano fizemos
o do Lava Jato, que tem sabor de pizza”, diverte-se
Dos 70 sabores produzidos atualmente, 20 são os mais
solicitados, entre eles, cravo e canela, jenipapo, abacaxi, cajá, caju,
jabuticaba, ‘lágrimas’ feito de vinho, gengibre ‘bastante diferenciado’,
mangaba, maracujá, tamarindo, umbu e um ‘viagrinha’ feito de ervas. Os preços
variam entre R$ 12 e R$ 15, mas sabores diferenciados como de chocolate chegam
a R$ 30. E a receita, ele mesmo ensina.
Sempre pensando em adquirir conhecimento, o produtor
aprendeu a fazer a mistura dos sabores através de um curso no Senac sobre
manipulação de alimentos. “Eu procuro sempre me adequar, não gosto de ficar
parado. Fiz dois cursos e fiz o de Plano Nacional Qualificação, patrocinado
pelo Governo Federal. Tem que se adequar para não perder espaço”, acredita
Carlos.
Manter um negócio aberto por três décadas não é uma tarefa
fácil. Uma pesquisa divulgada este ano pelo IBGE mostrou que mais da metade das
empresas fundadas no Brasil fecha as portas após quatro anos de atividade.
Especialistas também indicam que os dois primeiros anos de atividade de uma
nova empresa são os mais difíceis, o que torna a consultoria especializada um
fator fundamental para garantir a sobrevivência desses empreendimentos e o
consequente desenvolvimento da economia brasileira, como ressalta o gerente de
negócios do Banco do Nordeste, Breno Valentim.
“Planeje, veja onde quer chegar e cerque-se de pessoas que
possam te ajudar. Para que o sonho seja alcançado é necessário muito suor, não
se pode desistir no primeiro tropeço e nem adianta querer melhora do dia para a
noite, existem alguns passos a serem seguidos. Recursos são bons, porém em
excesso podem levar ao endividamento”, orienta Valentim.
Texto e imagem reproduzidos do site: f5news.com.br
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