quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

Entrevista com a historiadora Terezinha Oliva

Foto: arquivo Infonet.

Publicação originária do blog VICISSITUDES, de 25/06/2011.

Entrevista com a historiadora Terezinha Oliva.

Fale-nos sobre sua origem e sua formação social.

Sou sergipana de Riachão do Dantas. Na minha origem estão pequenos proprietários rurais de prole numerosa e rígida formação católica. Dos meus avós, apenas o avô paterno sabia ler e escrever e chegou a ser o Coletor Federal no município. Mas a avó materna foi grande comerciante e enviou minha Mãe, filha única, para estudar no Colégio Nossa Senhora da Conceição da Capela. Já o meu Pai, até adulto, tinha apenas o Curso Primário, embora fosse apontado como “homem de letras”; já na década de quarenta, enviava colaborações para jornais de Aracaju. Em 1956 mudou-se para esta cidade como funcionário público federal (no IBGE) e começou a atuar no jornalismo. Aqui fez Madureza (correspondente ao Supletivo), estudou na Escola de Contabilidade e mais tarde se formou em Direito pela UFS.
Sou a primeira filha entre dez irmãos. Meu avô materno me ensinou o alfabeto e aos quatro anos entrei na escola. Embora 80% da população do município de Riachão não fosse alfabetizada, eu tive a sorte de aprender a ler ainda na minha primeira escola, de modo que ao vir para Aracaju estudei no Jardim de Infância Augusto Maynard, mas um ano depois fui para o Colégio Patrocínio São José, onde as professoras, percebendo que eu já lia com fluência, me transferiram do Pré-Primário para o Primeiro Ano.
A política violenta, polarizada pelos embates entre PSD e UDN e a falta de perspectivas de futuro, provocaram a decisão dos meus pais de virem para Aracaju. Riachão era, em meados dos anos cinqüenta, um município agrário onde predominava a grande propriedade, castigado pelos efeitos da “indústria da seca”, marcado pela pobreza, pelo desemprego e pela emigração; esta situação era agravada pelo declínio completo do pequeno comércio local, sob o influxo da rodovia e da atração exercida pelos centros regionais de Lagarto e Tobias Barreto. A pequena cidade tinha um modo de vida bastante rural, o que se agravou quando as disputas políticas motivaram o corte da luz elétrica e o abandono das praças e ruas.
Aracaju era um mundo novo. Não mais o casarão vistoso em que morávamos no alto da Praça principal, descortinando toda a cidade de Riachão e a bela vista dos arredores; não mais a convivência com os avós e uma multidão de primos e amigos, as ruas conhecidas, as idas à feira dos sábados. A capital plana, desconhecida, a casa pequena, quase sem quintal, a ausência de primos e amigos, as ruas “perigosas”, as aulas no Jardim onde eu não deveria demonstrar que já sabia ler, marcaram muito a minha visão do que era agora uma cidade. Estranhava os novos costumes e passava a perceber a mercantilização de tudo – lembro de como eu estranhei que em Aracaju se compravam flores ! Aqui convivíamos com mais proibições e uma vida que se resumia, no início, às idas à escola e à Igreja.

Como foi sua formação escolar depois do primeiro ano no Colégio Patrocínio São José? O que fez cursar a licenciatura em História? Quem foram seus professores? Como as aulas eram ministradas? Recorda de autores e de eventos na área da história que mais marcaram sua formação quando estudava a licenciatura em História? O que mais ou quem mais a influenciou na sua formação intelectual?

No São José, fiz o Primário e o Ginásio. Como colégio de educação católica, a socialização tinha por base motivos religiosos. Eu participava de tudo e aproveitava as oportunidades para desenvolver o meu gosto pela leitura e pela escrita. Fazia pequenos artigos para o jornal mural do Colégio, encarregava-me de atas de reuniões. Aos doze anos participei de uma seleção para a Academia Sergipana de Letras dos Jovens Estudantes, movimento literário criado pela Professora e escritora Carmelita Pinto Fontes, que agregava estudantes de vários colégios de Aracaju. Integrei o grupo fundador e publiquei algumas crônicas e poemas na coluna semanal reservada para a Academia no jornal A Cruzada, além de apresentar os meus trabalhos nos saraus e reuniões promovidas pelo grupo.
O ambiente em casa era propício ao crescimento intelectual. Com um pai jornalista nós tínhamos o hábito de ler jornais e ouvir juntos os programas que ele produzia para a Rádio Cultura de Sergipe, geralmente abordando questões da política e da cultura. Penso que vem daí o meu gosto pela investigação e pela escrita. Em meio às tarefas que me cabiam numa família numerosa e modesta, desenvolvi, sob orientação da minha mãe, a capacidade de dividir o tempo entre os trabalhos domésticos e o estudo. Por outro lado eu lia tudo o que estava ao meu alcance. Entre outras coisas, ganhei do meu pai a obra completa de Julio Verne, a coleção “Grandes Vocações” e até a História do Brasil organizada por Sérgio Buarque de Holanda. Assistia aos concertos, peças de teatro e espetáculos de balé trazidos pela Sociedade de Cultura Artística de Sergipe, ia aos festivais de cinema do Cine Palace, e aos catorze anos acompanhava o meu Pai aos debates filosóficos promovidos por um grupo de intelectuais católicos, alguns de tendência esquerdista.
Em meados dos anos sessenta eu estudava no Ateneu Sergipense, onde fazia o Curso Clássico. Vivíamos sob a ditadura militar e eu tinha como professor de História do Brasil um militar do Exército, repetindo inteirinho o Borges Hermida. Já a professora de História Geral, Auxiliadora Diniz, muito exigente, nos fazia ir além da “decoreba” através de uma abordagem mais conseqüente da disciplina. Mas na hora do vestibular eu fiquei dividida entre Letras e História; optei por História, acatando a opinião dos meus pais, de que o Curso me proporcionaria formação mais ampla e poderia me abrir maiores perspectivas.
Entrei para a Faculdade em 1968, o que me possibilitou participar de manifestações do movimento estudantil, desde o trote, altamente politizado. Era o contato com uma nova realidade e com professores dos melhores que a recém-criada UFS tinha em seus quadros. Silvério Fontes foi o professor de Introdução aos Estudos Históricos, História Moderna e Prática de Ensino de História. Fui sua monitora num momento em que o Departamento de História implantava o Levantamento das Fontes Primárias da História de Sergipe, sob coordenação dele, criando a pesquisa histórica num Curso de Licenciatura, o que era uma verdadeira revolução; com Maria Thetis Nunes fiz História do Brasil, Cultura Brasileira e História Contemporânea, curiosa com a experiência da mulher cosmopolita, que se encarregou do levantamento de nossas fontes nos arquivos portugueses; Juan Jose Rivas Páscua foi meu professor de Geo-História, proporcionando uma visão diferente e descortinando-me o conhecimento de autores espanhóis; o então Pe. Luciano Duarte, recém chegado do Doutorado na Sorbonne, era o erudito professor de Filosofia e Teologia, algumas vezes secundado pelo jovem Frei Florêncio Pecorari; Luiz Rabelo Leite, um jurista de posições firmes e indiscutíveis, ensinava História Econômica. Além deles havia o trio de jovens ex-alunas da Faculdade Católica de Filosofia de Sergipe, que procuravam, com determinação, ombrear-se aos seus ex-professores: Maria da Glória Santana de Almeida, de História Antiga e Medieval; Maria de Lourdes Amaral Maciel, de História da América e Prática de Ensino e Maria de Andrade Gonçalves, de História de Sergipe.
Mas eu não posso deixar de falar na importância do estudo de Sociologia, com o padre pernambucano Ovídio Valois Correa, responsável pelo contato com uma bibliografia que politizava a interpretação sobre o Nordeste no quadro geral do país; Antropologia Geral com Luiza Maria Gonçalves, de práticas e abordagens inovadoras na sociedade aracajuana; Antropologia Brasileira, com a disciplina e a competência de Beatriz Góis Dantas e Língua Portuguesa, com João Costa, o rigoroso professor que não tinha tolerância com a má escrita. Giselda Morais e Ivanete Rocha ministravam as disciplinas de formação para o ensino, Psicologia, Estrutura e Dinâmica do Ensino de Primeiro e Segundo Graus e Didática, completando a nossa formação específica.
As aulas eram, na sua maior parte, grandes exposições orais, mas havia também Seminários, Estudos Dirigidos e outros métodos e técnicas, sem falar no turno semanal nos arquivos, introduzido pelo Projeto de Levantamento das Fontes Primárias, abraçado com entusiasmo por todos os professores da área de formação específica. Ao lado disso tivemos contato com professores de fora, em cursos de Extensão, dos quais lembro o de Historiografia Brasileira com Maria de Lourdes Janotti, o de História do Brasil, com José Sebastião Witter, o de Metodologia da Pesquisa com Odah Regina, as conferências de José Honório Rodrigues, todos marcantes pela novidade.
A biblioteca da Faculdade Católica de Filosofia incorporada pela Universidade tinha uma boa bibliografia de autores franceses da primeira geração de Annales e traduções em espanhol de alguns clássicos da historiografia do século XIX, que eu me aventurava a ler; as leituras de Sociologia davam um senso de realidade no conhecimento do Brasil apesar da rigorosa censura dos anos de chumbo.
Além do meu Pai, desde a infância, quem mais me influenciou foram, sem dúvida, o Professor José Silvério Leite Fontes e a Professora Beatriz Góis Dantas. Se me perguntarem como eu gostaria de ser avaliada, diria que como alguém que conseguiu corresponder dignamente a essa influência. Não por acaso eu assumi no Curso de História, por muitos anos, disciplinas que me foram ensinadas pelo Prof. Silvério: Introdução aos Estudos Históricos e História Moderna. Também fui sua Auxiliar de Ensino em Teoria da História. Dele veio meu gosto pelo estudo da Historiografia, pela pesquisa histórica, pela História Moderna e o entendimento de que pesquisa e ensino são indissociáveis, porque há atitudes e habilidades que só se adquire através da experiência da pesquisa. Além disso, a consciência de que o historiador deve ser um militante pela preservação da memória também foi aprendida do seu exemplo.
Com Beatriz Dantas eu tive uma vivência de maior proximidade pessoal. Ela era muito jovem quando foi minha professora e ao final do Curso fui estagiária do projeto de Reorganização do Arquivo Público do Estado que ela comandou bravamente. Mais tarde trabalhei com ela no Departamento de Cultura e Patrimônio Histórico da Secretaria de Educação e Cultura, o DCPH. Que experiência incrível de amor à pesquisa, de responsabilidade e honestidade intelectual, de respeito à diferença, às culturas do povo e de humildade na busca do conhecimento! Foi por aí que se deu a minha indicação, logo depois de formada, para dirigir o Arquivo Público; dali passei a ser Diretora do DCPH.

Quanto tempo passou no Departamento de História da UFS? Conte-nos sua experiência ministrando aulas de introdução à História e Idade moderna; na chefia do DHI; como orientadora de monografias; nos projetos de pesquisas, incluindo no que gerou o livro "Textos para a História de Sergipe".

Entrei para a Universidade em 1974, depois de uma experiência como professora no Colégio Arquidiocesano e no Ateneu Sergipense. Aposentei-me em 2003, mas fiquei ainda um semestre como professora voluntária. Em 2004 fui convidada pelo Reitor Josué Modesto para dirigir o Museu do Homem Sergipano, onde fiquei até 2009. Assim, posso dizer que atuei na UFS de 1974 a 2009, como professora do Departamento de História, dos Mestrados em Educação e em Geografia e, simultaneamente, exercendo algumas funções de administração, como a de Coordenadora do Programa de Documentação e Pesquisa Histórica do Departamento de História, Vice-Chefe do DHI e depois Chefe do mesmo Departamento em dois momentos, além de Coordenadora de Avaliação Institucional na UFS. Fui também membro do Conselho Universitário, do Conselho do CECH, do Conselho de Extensão e até o presente ano, do Conselho Editorial da Editora da UFS.
Mas a minha história foi mesmo no Departamento de História para o qual entrei por concurso como Auxiliar de Ensino. Assumi História Moderna, depois Introdução aos Estudos Históricos, além de ter ensinado disciplinas que foram introduzidas em diferentes reformas curriculares, como Metodologia da História, Prática de Pesquisa Histórica e História do Nordeste. Por muitos anos todos os alunos de História faziam duas disciplinas obrigatórias comigo, uma no começo do Curso (Introdução), outra na metade (Moderna), o que me fez uma professora muito próxima dos alunos.
Eu me realizei como professora, dedicando-me com muita convicção à formação de futuros professores e historiadores. Em Introdução aos Estudos Históricos segui os passos do Prof. Silvério Fontes, incrementando o trabalho prático de contato direto com as fontes históricas e com questões do ensino da História. Procurava suscitar o debate sobre o papel da disciplina na formação do educando, assim como sobre a responsabilidade do futuro profissional de História com a preservação da memória. Já História Moderna permite a reflexão sobre o eurocentrismo que dominou a história, sobre as marcas da colonização e sobre o surgimento dos grandes sistemas explicativos da modernidade. Sempre tive como preocupação fazer os alunos entenderem diferentes abordagens da historiografia, fugindo à tentação de impingir-lhes apenas aquilo que combinava com o meu próprio ponto de vista.
Por outro lado, acreditando na necessidade de praticar pesquisa e extensão, orientei bolsistas de Iniciação Científica e de Extensão, ao lado dos vários orientandos de Monografia, quer os do Campus de São Cristóvão, quer os do Programa de Qualificação Docente e ainda os do Mestrado. Dos projetos do PIBIC destaco o Levantamento das histórias dos municípios sergipanos, que vasculhou, dentro do possível, toda a bibliografia sobre os municípios e construiu um banco de dados precioso para os pesquisadores de História de Sergipe que continua inédito.
Sou fruto de um Departamento que construía um modo coletivo de trabalhar, através do Projeto de Levantamento das Fontes Primárias para a História de Sergipe, iniciado ainda em 1972; houve ainda vários projetos, que correspondem tanto ao que costumo chamar de “fase heróica” como à “fase de expansão” do campo da História em Sergipe. A elaboração do livro Textos para a História de Sergipe correspondeu a esta mentalidade. O projeto inicial era do Professor Silvério Fontes, mas ele não participou mais da sua execução. Com a assessoria da Professora Rosa Maria Godoy Silveira, da UFPB e a coordenação da Professora Diana Diniz, aquela foi uma obra de historiadoras: além de Diana Diniz, Maria da Glória Santana de Almeida, Maria Andrade Gonçalves, Beatriz Góis Dantas, Lenalda Andrade Santos e eu. Resultou num trabalho que ainda é referência e embora esgotado, é continuamente citado.

Como chegou a temática sobre Fausto Cardoso no seu mestrado e Manuel Bomfim no seu doutorado?

Na década de setenta eu integrei a primeira leva de professores da UFS que saíram para o Mestrado. Escolhi a Universidade Federal de Pernambuco, um pouco pela proximidade – eu estava recém-casada e queria voltar sempre para casa – e também por achar que no único Mestrado em História no Nordeste, eu poderia desenvolver um tema de história local. O Mestrado me proporcionou ampliar a visão sobre a História e o contato com uma realidade regional da qual eu não me dera conta até então. Era plena ditadura; eu e meus colegas sentíamos isso na pele, pelo cuidado com que os professores abordavam certos temas e pela possibilidade de acesso a uma bibliografia “proibida” que comprávamos às escondidas numa pequena livraria de Recife, a Dom Quixote e líamos com sofreguidão. Fiz grandes amigos, em todos os estados nordestinos, conheci a sua problemática histórica e historiográfica, abri os olhos! E defini o que eu poderia estudar em História de Sergipe, através da disciplina História das Idéias Políticas, com o tobiático e encantador professor Nelson Saldanha. Da Escola do Recife para a revolta Fausto Cardoso, foi um caminho só. Mas fui orientada pelo saudoso Prof. Armando Souto Maior, o Coordenador do Mestrado, um erudito.
Talvez pela experiência do estudo de história política e história dos intelectuais, quando fui para o Doutorado em Geociências, da Universidade Estadual Paulista (Rio Claro), em convênio com o Mestrado de Geografia da UFS, também trilhei caminho semelhante. Optei por trabalhar com História do Pensamento Geográfico estudando o Pensamento Geográfico em Manoel Bomfim. Este, também um intelectual sergipano da Primeira República não é tobiático; em grande parte ele representa para mim a outra face da moeda. Não é um intelectual integrado num grupo; fez um caminho muito particular, criando uma interpretação inovadora do Brasil, na contramão da Escola do Recife. Mas cada um à sua medida, Fausto Cardoso e Manoel Bomfim são intelectuais que se destacam por posições pessoais radicais e pela rebeldia. Fausto Cardoso criou uma “sub-escola”, divergindo de Tobias Barreto apesar do grande respeito que lhe devotava. Quando olho para trás fico me perguntando por que exatamente figuras com essas características me atraíram e fascinaram tanto, quando eu mesma me defino como tolerante e conciliadora?

Qual foi sua atuação frente ao PDPH?

Fui Coordenadora do Programa, por mais de uma vez. Procurei organizá-lo não só pela aplicação do Regimento e funcionamento do seu Conselho, como pela sistematização do seu arquivo. Os monitores de Introdução à História acostumaram-se a trabalhar ali, o que aproximava os alunos do PDPH. O Programa teve uma atuação importantíssima na organização dos Encontros de História e Cursos diversos, no trabalho com a ANPUH regional. Em suma, o PDPH foi instrumento fundamental da mentalidade de pesquisa que se instaurou no Departamento de História, passando a ser um centro aglutinador dos trabalhos monográficos dos alunos na fase em que o currículo do Curso de História voltou-se para formar o professor/pesquisador. Infelizmente ele nunca conseguiu realizar a tarefa de ser o foco de um Mestrado em História, que o “nosso” Departamento ainda está a dever.

Seu nome consta no conselho editorial da primeira edição da Revista Cadernos UFS-História na temática do FASC. Poderia nos falar sobre essa sua participação?

Eu vivi os primeiros FASCs e conheço muito bem a sua importância. Mas os “Cadernos” nasceram de um projeto específico: o colega Jorge Carvalho, como Diretor do CULTART, convidou os professores do DHI para a organização do arquivo do primeiro FASC. Isto deu origem à Revista, cujo primeiro número é resultado do trabalho realizado e também é a origem do Projeto de Organização do Arquivo do CULTART, mantido com a participação de alunos de História por vários anos. Nele trabalhou o Prof. Fernando Sá, que me antecedeu na Coordenação e a Profa. Isabel Ladeira, que me sucedeu.
A Revista reuniu, no primeiro número, os professores que participaram do Projeto: Fernando Sá, eu, Lenalda Santos e Edmilson Meneses, cada um, encarregado de analisar um aspecto do FASC. É a primeira publicação da UFS que resgata aquele movimento fundador da extensão cultural. A segunda publicação teve a minha coordenação: foi o Catálogo dos Cartazes do FASC, fruto da idéia do Professor Tiago Fragata, editado pela UFS em 2006.

Qual sua contribuição na preservação dos documentos nos arquivos de Sergipe desde a década de 1970?

Vai aqui uma longa história, que começou quando a Professora Beatriz Dantas dirigiu a reorganização do Arquivo Público do Estado, em 1970. Fui estagiária deste projeto, como estudante de História e isso me marcou tanto, que depois de formada tornei-me Diretora do Arquivo Público, a segunda diretora depois da reorganização. Eu acompanhara a introdução da classificação dos documentos baseada no “Respect des fonds”, orientada pelo Arquivo Nacional. Na direção do Arquivo dei prosseguimento à organização, participei ativamente do I Congresso Brasileiro de Arquivologia, no Rio de Janeiro e criei, em condições muito modestas, o primeiro Boletim do Arquivo, além de ter me empenhado na recuperação de documentos, como o que restou do arquivo de Sebrão Sobrinho, além do Arquivo do Tesouro, que eu trouxe para o APES depois que alguém comentou comigo que a Receita Federal tencionava descartar todos os antigos documentos. Deparei-me com uma montanha de papéis num cômodo e uma tela retratando Felisbelo Freire em tamanho natural, tudo como se fosse para o lixo!
Depois disso, já no Departamento de História, participei da organização dos arquivos do PDPH e do CULTART, além de todas as campanhas em prol dos arquivos, chegando até a criação do Arquivo Geral da UFS pelo então Vice-Reitor Josué Modesto dos Passos.

Maria das Graças Menezes Moura foi uma das suas colegas que mais desfrutou de sua amizade no Departamento de História da UFS. O que poderia nos dizer sobre a mesma?

Eu, Gracinha e Lenalda fazíamos um trio inseparável, muito ligado ainda a Lourdinha que tinha sido professora de nós todas e que foi Diretora do Centro de Educação e Ciências Humanas. Por muito tempo fomos, as três primeiras, as mais jovens do Departamento, “as meninas” como éramos chamadas. Estávamos unidas pela amizade e por projetos e concepções de trabalho, muito comprometidas com a ANPUH, com a pesquisa, com o ensino de História e com a luta pelos arquivos.
Procuramos nos aproximar dos estudantes de História, por um lado, num movimento de abertura e democratização do Departamento liderado pela Profa. Maria das Graças. No seu programa de trabalho para a Chefia do Departamento, que me tinha como Vice-Chefe, isto era muito claro e gerou até algumas incompreensões. Posso dizer que foi uma das fases em que os alunos foram mais ouvidos. Ao mesmo tempo, havia um trabalho intenso pelos arquivos e uma aproximação, na outra ponta, com os professores de História, via Núcleo Regional da ANPUH e junto à Secretaria de Estado da Educação. Nós três nos sucedemos na Direção da ANPUH e estreitamos as relações com outros núcleos no Nordeste.
Gracinha era visionária. Costumo dizer que na dupla que chefiou o DHI, eu era o feijão, ela o sonho. Era corajosa, comprometida, democrata e líder. Sua morte foi um duro golpe e nos deixou um tanto quanto desnorteados. Eu e Lenalda continuamos trabalhando muito juntas, participamos ainda de outros projetos, escrevemos livros didáticos e nunca deixamos de lado a preocupação com o ensino de História. É outra grande companheira, parceira e amiga.

Quais outros professores colegas seus contribuíram nos domínios da História em Sergipe?

Ao longo das respostas anteriores mencionei várias contribuições, como a do Prof. Silvério Fontes e de todos os professores do antigo Departamento de Filosofia e História no Levantamento das Fontes Primárias, de que resultaram publicações ainda em mimeógrafo e a organização de arquivos como o da Cúria Metropolitana, o da Paróquia São José e a criação do Arquivo Judiciário de Sergipe, fruto do apoio do Prof. Luiz Rabelo Leite e do trabalho da Professora Maria da Glória Santana de Almeida. Houve ainda o Levantamento das Fontes para a História de Sergipe nos arquivos portugueses feito pela Profa. Thetis Nunes, mais tarde atualizado pelo Prof. Lourival Santana Santos.
Já falei do grupo dos “Textos para a História de Sergipe”, construído em conjunto, em intermináveis reuniões de estudo e debate; acrescento o trabalho de Gracinha no Arquivo Público, na fundação do núcleo da Associação dos Arquivistas, na organização do Arquivo da Assembléia Legislativa; da Profa. Maria Nele dos Santos, que organizou o arquivo da Associação Comercial de Sergipe e escreveu a sua História; da Profa. Verônica Nunes, trabalhando não só com a organização de arquivos, como com a área de museus.
Na década de oitenta, eu e a Profa. Lenalda participamos do Plano Nacional de Microfilmagem, um Projeto que visava a preservação das fontes pela microfilmagem, liderado por Ester Bertoletti, da Fundação Pró-Memória. Os jornais sergipanos da Biblioteca Epifânio Dórea foram microfilmados, depois de um trabalho incessante de preparo dos originais e confecção das fichas-espelho, junto com alunos estagiários. Todos esses trabalhos com as fontes promoveram a escrita da história, seja em artigos para revistas, em comunicações e palestras em congressos, em trabalhos monográficos e dissertações de Mestrado e mesmo em livros que constituem o panorama da historiografia dos anos oitenta e noventa.
Nos anos noventa, novos professores passaram a integrar o DHI e ampliaram, com os seus trabalhos de Mestrado e Doutorado, a contribuição à historiografia local e nacional. Novas abordagens surgem, no terreno da Geografia, da Antropologia, da Sociologia, da História da Educação, ampliando os horizontes e as visões sobre a História.

Como percebe as transformações no campo da História nos últimos anos?

Se o conhecimento histórico nos ajuda a compreender o mundo, percebo as transformações no campo da História nos últimos anos como resultado do que aconteceu no “breve século XX”, como o chamou Hobsbawn. O processo de constração do espaço e do tempo que o ser humano vivencia nas últimas décadas tem profundos efeitos não só na História como na Geografia, para ficar apenas nestes dois campos. Diante de um mundo em rápida mutação, os paradigmas de construção da História como ciência foram profundamente questionados, a ponto de se tornar indistinta a fronteira entre história e ficção. A par das discussões sobre o fim da história, as geografias pós-modernas também proclamaram a era do espaço, o fim do predomínio do tempo. Tudo isso é resultado da perplexidade, da necessidade de busca de novos instrumentos para a tentativa de compreender o que está acontecendo. Da minha parte, embora entenda assim as transformações e ache corajosa a atitude dos historiadores que chegaram a “cortar na própria carne”, continuo acreditando que o trabalho criterioso de construção do conhecimento histórico a partir das fontes o distingue da ficção e recuso a redução desse conhecimento à simples narrativa pela narrativa: pode ser antigo, mas continuo acreditando que o que me atrai na história é a busca do sentido sobre a caminhada do homem na Terra.

E sobre a historiografia sergipana. Qual sua avaliação sobre as diversas contribuições nas últimas décadas?

Haverá quem questione a existência de uma historiografia sergipana. Sou daqueles que acreditam que ela existe e que estudá-la é uma necessidade. José Calazans, Silvério Fontes, Itamar Freitas estão entre os historiadores que o fizeram e apontaram características que a identificam. Como mostrou o primeiro, nas últimas décadas a Universidade Federal assumiu a liderança nos estudos históricos e as bases dessa liderança remontam à década de setenta, substituindo o papel que, no passado, coube ao Instituto Histórico. Obras fundamentais à compreensão da nossa história saíram da pena de uma Thetis Nunes, de um Ibarê Dantas, de um Josué Modesto, para citar apenas alguns nomes. A monografia introduzida nos Cursos de Graduação cumpriu outro papel na historiografia acadêmica, reforçado e ampliado pelas pesquisas do PIBIC e, principalmente pelas dissertações e teses dos Cursos de Mestrado e Doutorado, feitos aqui e alhures.
Hoje não é a UFS um agente isolado na área. Os Cursos de História se multiplicaram e o Instituto Histórico voltou a ter um papel ativo seja pela organização e publicação de fontes e repertórios, seja pela realização do Congresso de História, seja ainda como um centro de pesquisa referencial. A nova classificação da Revista do IHGSE, que atualizou a sua periodicidade, mostra o bom nível da nossa produção. Mas faz falta um Curso de Mestrado ou Doutorado em História, que a Universidade não tem conseguido implementar, apesar da qualificação do seu corpo docente e da demanda da sociedade. O boom de História da Educação, liderado entre outros pelo Prof. Jorge Carvalho, comprova o dinamismo que a Pós-Graduação imprime à produção de determinado campo.
Por outro lado, ampliam-se as oportunidades de publicação. Na Editora da UFS, em torno de 20% de todos os títulos são de História. Mas há também uma ativa produção de história e memória dos municípios, fora dos padrões da historiografia acadêmica, rica de informações e porque não dizer, de novos encantos.

Atualmente a senhora exerce o cargo de diretora do IPHAN. Como tem sido sua administração frente a esse órgão tão importante para o historiador. Fale-nos sobre o processo que levou a praça São Francisco ser considerada patrimônio Mundial pela UNESCO.

Há um ano estou como Superintendente do Iphan. O trabalho administrativo é uma experiência nova, mas o objeto central do trabalho já me era familiar. Cheguei num momento em que o Iphan ampliou a sua área de atuação e em que se afirma na missão de preservar o patrimônio cultural como fator de desenvolvimento da sociedade brasileira, respeitando a diversidade das suas manifestações. É um trabalho sério, feito por um corpo de servidores muito pequeno em relação às atuais demandas desenvolvidas.
É com um misto de admiração e um sentimento de descoberta que eu tomo conhecimento do que já existe acumulado em termos de pesquisa no Iphan e sinto que há necessidade de aproximação maior também com a comunidade acadêmica, não apenas para oferecer a ela a possibilidade de acesso às informações de que o Instituto dispõe sobre o patrimônio cultural brasileiro, como pela possibilidade de estabelecer parcerias em torno da preservação do patrimônio, principalmente no que diz respeito à educação patrimonial. Neste sentido, estamos construindo um Termo de Cooperação com a UFS no campus de Laranjeiras, cheios de expectativas.
Já o processo que elevou a Praça São Francisco a Patrimônio da Humanidade, que encontrei em andamento, foi uma experiência muito particular. A candidatura é de 2005. O IPHAN, o Governo do Estado e a mobilização da sociedade constituíram o tripé responsável por essa vitória. O Governo do Estado contratou o dossiê que justificou o valor universal e excepcional do Bem; o IPHAN orientou o processo e articulou a comunicação com a Unesco, além de ter proporcionado, através do Programa Monumenta, a maior parte dos recursos necessários às obras que foram realizadas pelo Estado em São Cristóvão para atender às exigências de preservação da Praça e do seu entorno.
Na reunião do Comitê do Patrimônio Mundial o debate em torno dos bens que integram a Lista do Patrimônio da Humanidade suscita questões da política mundial, da economia e da ecologia. É, portanto, um fórum em que está em jogo não apenas a memória, mas o futuro da humanidade. É neste nível que se encontra a nossa Praça São Francisco, desde o dia 1 de agosto de 2010.

Entrevista para os Cadernos UFS História, edição de número 11.
ISSN 19804784.

Texto e imagem reproduzidos do blog:
antoniolindvaldosousa.blogspot.com.br

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