Foto: arquivo Infonet.
Publicação originária do blog VICISSITUDES, de 25/06/2011.
Entrevista com a historiadora Terezinha Oliva.
Fale-nos sobre sua origem e sua formação social.
Sou sergipana de Riachão do Dantas. Na minha origem estão
pequenos proprietários rurais de prole numerosa e rígida formação católica. Dos
meus avós, apenas o avô paterno sabia ler e escrever e chegou a ser o Coletor
Federal no município. Mas a avó materna foi grande comerciante e enviou minha
Mãe, filha única, para estudar no Colégio Nossa Senhora da Conceição da Capela.
Já o meu Pai, até adulto, tinha apenas o Curso Primário, embora fosse apontado
como “homem de letras”; já na década de quarenta, enviava colaborações para
jornais de Aracaju. Em 1956 mudou-se para esta cidade como funcionário público
federal (no IBGE) e começou a atuar no jornalismo. Aqui fez Madureza
(correspondente ao Supletivo), estudou na Escola de Contabilidade e mais tarde
se formou em Direito pela UFS.
Sou a primeira filha entre dez irmãos. Meu avô materno me
ensinou o alfabeto e aos quatro anos entrei na escola. Embora 80% da população
do município de Riachão não fosse alfabetizada, eu tive a sorte de aprender a
ler ainda na minha primeira escola, de modo que ao vir para Aracaju estudei no
Jardim de Infância Augusto Maynard, mas um ano depois fui para o Colégio
Patrocínio São José, onde as professoras, percebendo que eu já lia com
fluência, me transferiram do Pré-Primário para o Primeiro Ano.
A política violenta, polarizada pelos embates entre PSD e
UDN e a falta de perspectivas de futuro, provocaram a decisão dos meus pais de
virem para Aracaju. Riachão era, em meados dos anos cinqüenta, um município
agrário onde predominava a grande propriedade, castigado pelos efeitos da
“indústria da seca”, marcado pela pobreza, pelo desemprego e pela emigração;
esta situação era agravada pelo declínio completo do pequeno comércio local,
sob o influxo da rodovia e da atração exercida pelos centros regionais de
Lagarto e Tobias Barreto. A pequena cidade tinha um modo de vida bastante
rural, o que se agravou quando as disputas políticas motivaram o corte da luz
elétrica e o abandono das praças e ruas.
Aracaju era um mundo novo. Não mais o casarão vistoso em que
morávamos no alto da Praça principal, descortinando toda a cidade de Riachão e
a bela vista dos arredores; não mais a convivência com os avós e uma multidão
de primos e amigos, as ruas conhecidas, as idas à feira dos sábados. A capital
plana, desconhecida, a casa pequena, quase sem quintal, a ausência de primos e
amigos, as ruas “perigosas”, as aulas no Jardim onde eu não deveria demonstrar
que já sabia ler, marcaram muito a minha visão do que era agora uma cidade.
Estranhava os novos costumes e passava a perceber a mercantilização de tudo –
lembro de como eu estranhei que em Aracaju se compravam flores ! Aqui
convivíamos com mais proibições e uma vida que se resumia, no início, às idas à
escola e à Igreja.
Como foi sua formação escolar depois do primeiro ano no
Colégio Patrocínio São José? O que fez cursar a licenciatura em História? Quem
foram seus professores? Como as aulas eram ministradas? Recorda de autores e de
eventos na área da história que mais marcaram sua formação quando estudava a licenciatura
em História? O que mais ou quem mais a influenciou na sua formação intelectual?
No São José, fiz o Primário e o Ginásio. Como colégio de
educação católica, a socialização tinha por base motivos religiosos. Eu
participava de tudo e aproveitava as oportunidades para desenvolver o meu gosto
pela leitura e pela escrita. Fazia pequenos artigos para o jornal mural do
Colégio, encarregava-me de atas de reuniões. Aos doze anos participei de uma
seleção para a Academia Sergipana de Letras dos Jovens Estudantes, movimento
literário criado pela Professora e escritora Carmelita Pinto Fontes, que
agregava estudantes de vários colégios de Aracaju. Integrei o grupo fundador e
publiquei algumas crônicas e poemas na coluna semanal reservada para a Academia
no jornal A Cruzada, além de apresentar os meus trabalhos nos saraus e reuniões
promovidas pelo grupo.
O ambiente em casa era propício ao crescimento intelectual.
Com um pai jornalista nós tínhamos o hábito de ler jornais e ouvir juntos os
programas que ele produzia para a Rádio Cultura de Sergipe, geralmente
abordando questões da política e da cultura. Penso que vem daí o meu gosto pela
investigação e pela escrita. Em meio às tarefas que me cabiam numa família
numerosa e modesta, desenvolvi, sob orientação da minha mãe, a capacidade de
dividir o tempo entre os trabalhos domésticos e o estudo. Por outro lado eu lia
tudo o que estava ao meu alcance. Entre outras coisas, ganhei do meu pai a obra
completa de Julio Verne, a coleção “Grandes Vocações” e até a História do
Brasil organizada por Sérgio Buarque de Holanda. Assistia aos concertos, peças
de teatro e espetáculos de balé trazidos pela Sociedade de Cultura Artística de
Sergipe, ia aos festivais de cinema do Cine Palace, e aos catorze anos
acompanhava o meu Pai aos debates filosóficos promovidos por um grupo de
intelectuais católicos, alguns de tendência esquerdista.
Em meados dos anos sessenta eu estudava no Ateneu
Sergipense, onde fazia o Curso Clássico. Vivíamos sob a ditadura militar e eu
tinha como professor de História do Brasil um militar do Exército, repetindo
inteirinho o Borges Hermida. Já a professora de História Geral, Auxiliadora
Diniz, muito exigente, nos fazia ir além da “decoreba” através de uma abordagem
mais conseqüente da disciplina. Mas na hora do vestibular eu fiquei dividida
entre Letras e História; optei por História, acatando a opinião dos meus pais,
de que o Curso me proporcionaria formação mais ampla e poderia me abrir maiores
perspectivas.
Entrei para a Faculdade em 1968, o que me possibilitou
participar de manifestações do movimento estudantil, desde o trote, altamente
politizado. Era o contato com uma nova realidade e com professores dos melhores
que a recém-criada UFS tinha em seus quadros. Silvério Fontes foi o professor
de Introdução aos Estudos Históricos, História Moderna e Prática de Ensino de
História. Fui sua monitora num momento em que o Departamento de História
implantava o Levantamento das Fontes Primárias da História de Sergipe, sob
coordenação dele, criando a pesquisa histórica num Curso de Licenciatura, o que
era uma verdadeira revolução; com Maria Thetis Nunes fiz História do Brasil,
Cultura Brasileira e História Contemporânea, curiosa com a experiência da
mulher cosmopolita, que se encarregou do levantamento de nossas fontes nos
arquivos portugueses; Juan Jose Rivas Páscua foi meu professor de Geo-História,
proporcionando uma visão diferente e descortinando-me o conhecimento de autores
espanhóis; o então Pe. Luciano Duarte, recém chegado do Doutorado na Sorbonne,
era o erudito professor de Filosofia e Teologia, algumas vezes secundado pelo
jovem Frei Florêncio Pecorari; Luiz Rabelo Leite, um jurista de posições firmes
e indiscutíveis, ensinava História Econômica. Além deles havia o trio de jovens
ex-alunas da Faculdade Católica de Filosofia de Sergipe, que procuravam, com
determinação, ombrear-se aos seus ex-professores: Maria da Glória Santana de
Almeida, de História Antiga e Medieval; Maria de Lourdes Amaral Maciel, de
História da América e Prática de Ensino e Maria de Andrade Gonçalves, de
História de Sergipe.
Mas eu não posso deixar de falar na importância do estudo de
Sociologia, com o padre pernambucano Ovídio Valois Correa, responsável pelo
contato com uma bibliografia que politizava a interpretação sobre o Nordeste no
quadro geral do país; Antropologia Geral com Luiza Maria Gonçalves, de práticas
e abordagens inovadoras na sociedade aracajuana; Antropologia Brasileira, com a
disciplina e a competência de Beatriz Góis Dantas e Língua Portuguesa, com João
Costa, o rigoroso professor que não tinha tolerância com a má escrita. Giselda
Morais e Ivanete Rocha ministravam as disciplinas de formação para o ensino,
Psicologia, Estrutura e Dinâmica do Ensino de Primeiro e Segundo Graus e
Didática, completando a nossa formação específica.
As aulas eram, na sua maior parte, grandes exposições orais,
mas havia também Seminários, Estudos Dirigidos e outros métodos e técnicas, sem
falar no turno semanal nos arquivos, introduzido pelo Projeto de Levantamento
das Fontes Primárias, abraçado com entusiasmo por todos os professores da área
de formação específica. Ao lado disso tivemos contato com professores de fora,
em cursos de Extensão, dos quais lembro o de Historiografia Brasileira com
Maria de Lourdes Janotti, o de História do Brasil, com José Sebastião Witter, o
de Metodologia da Pesquisa com Odah Regina, as conferências de José Honório
Rodrigues, todos marcantes pela novidade.
A biblioteca da Faculdade Católica de Filosofia incorporada
pela Universidade tinha uma boa bibliografia de autores franceses da primeira
geração de Annales e traduções em espanhol de alguns clássicos da
historiografia do século XIX, que eu me aventurava a ler; as leituras de
Sociologia davam um senso de realidade no conhecimento do Brasil apesar da
rigorosa censura dos anos de chumbo.
Além do meu Pai, desde a infância, quem mais me influenciou
foram, sem dúvida, o Professor José Silvério Leite Fontes e a Professora
Beatriz Góis Dantas. Se me perguntarem como eu gostaria de ser avaliada, diria
que como alguém que conseguiu corresponder dignamente a essa influência. Não
por acaso eu assumi no Curso de História, por muitos anos, disciplinas que me
foram ensinadas pelo Prof. Silvério: Introdução aos Estudos Históricos e
História Moderna. Também fui sua Auxiliar de Ensino em Teoria da História. Dele
veio meu gosto pelo estudo da Historiografia, pela pesquisa histórica, pela
História Moderna e o entendimento de que pesquisa e ensino são indissociáveis,
porque há atitudes e habilidades que só se adquire através da experiência da
pesquisa. Além disso, a consciência de que o historiador deve ser um militante
pela preservação da memória também foi aprendida do seu exemplo.
Com Beatriz Dantas eu tive uma vivência de maior proximidade
pessoal. Ela era muito jovem quando foi minha professora e ao final do Curso
fui estagiária do projeto de Reorganização do Arquivo Público do Estado que ela
comandou bravamente. Mais tarde trabalhei com ela no Departamento de Cultura e
Patrimônio Histórico da Secretaria de Educação e Cultura, o DCPH. Que
experiência incrível de amor à pesquisa, de responsabilidade e honestidade
intelectual, de respeito à diferença, às culturas do povo e de humildade na
busca do conhecimento! Foi por aí que se deu a minha indicação, logo depois de
formada, para dirigir o Arquivo Público; dali passei a ser Diretora do DCPH.
Quanto tempo passou no Departamento de História da UFS?
Conte-nos sua experiência ministrando aulas de introdução à História e Idade
moderna; na chefia do DHI; como orientadora de monografias; nos projetos de
pesquisas, incluindo no que gerou o livro "Textos para a História de
Sergipe".
Entrei para a Universidade em 1974, depois de uma
experiência como professora no Colégio Arquidiocesano e no Ateneu Sergipense.
Aposentei-me em 2003, mas fiquei ainda um semestre como professora voluntária.
Em 2004 fui convidada pelo Reitor Josué Modesto para dirigir o Museu do Homem
Sergipano, onde fiquei até 2009. Assim, posso dizer que atuei na UFS de 1974 a
2009, como professora do Departamento de História, dos Mestrados em Educação e
em Geografia e, simultaneamente, exercendo algumas funções de administração,
como a de Coordenadora do Programa de Documentação e Pesquisa Histórica do
Departamento de História, Vice-Chefe do DHI e depois Chefe do mesmo Departamento
em dois momentos, além de Coordenadora de Avaliação Institucional na UFS. Fui
também membro do Conselho Universitário, do Conselho do CECH, do Conselho de
Extensão e até o presente ano, do Conselho Editorial da Editora da UFS.
Mas a minha história foi mesmo no Departamento de História
para o qual entrei por concurso como Auxiliar de Ensino. Assumi História
Moderna, depois Introdução aos Estudos Históricos, além de ter ensinado
disciplinas que foram introduzidas em diferentes reformas curriculares, como Metodologia
da História, Prática de Pesquisa Histórica e História do Nordeste. Por muitos
anos todos os alunos de História faziam duas disciplinas obrigatórias comigo,
uma no começo do Curso (Introdução), outra na metade (Moderna), o que me fez
uma professora muito próxima dos alunos.
Eu me realizei como professora, dedicando-me com muita
convicção à formação de futuros professores e historiadores. Em Introdução aos
Estudos Históricos segui os passos do Prof. Silvério Fontes, incrementando o
trabalho prático de contato direto com as fontes históricas e com questões do
ensino da História. Procurava suscitar o debate sobre o papel da disciplina na
formação do educando, assim como sobre a responsabilidade do futuro
profissional de História com a preservação da memória. Já História Moderna
permite a reflexão sobre o eurocentrismo que dominou a história, sobre as
marcas da colonização e sobre o surgimento dos grandes sistemas explicativos da
modernidade. Sempre tive como preocupação fazer os alunos entenderem diferentes
abordagens da historiografia, fugindo à tentação de impingir-lhes apenas aquilo
que combinava com o meu próprio ponto de vista.
Por outro lado, acreditando na necessidade de praticar
pesquisa e extensão, orientei bolsistas de Iniciação Científica e de Extensão,
ao lado dos vários orientandos de Monografia, quer os do Campus de São
Cristóvão, quer os do Programa de Qualificação Docente e ainda os do Mestrado.
Dos projetos do PIBIC destaco o Levantamento das histórias dos municípios
sergipanos, que vasculhou, dentro do possível, toda a bibliografia sobre os
municípios e construiu um banco de dados precioso para os pesquisadores de
História de Sergipe que continua inédito.
Sou fruto de um Departamento que construía um modo coletivo
de trabalhar, através do Projeto de Levantamento das Fontes Primárias para a
História de Sergipe, iniciado ainda em 1972; houve ainda vários projetos, que
correspondem tanto ao que costumo chamar de “fase heróica” como à “fase de
expansão” do campo da História em Sergipe. A elaboração do livro Textos para a
História de Sergipe correspondeu a esta mentalidade. O projeto inicial era do
Professor Silvério Fontes, mas ele não participou mais da sua execução. Com a
assessoria da Professora Rosa Maria Godoy Silveira, da UFPB e a coordenação da
Professora Diana Diniz, aquela foi uma obra de historiadoras: além de Diana
Diniz, Maria da Glória Santana de Almeida, Maria Andrade Gonçalves, Beatriz
Góis Dantas, Lenalda Andrade Santos e eu. Resultou num trabalho que ainda é
referência e embora esgotado, é continuamente citado.
Como chegou a temática sobre Fausto Cardoso no seu mestrado
e Manuel Bomfim no seu doutorado?
Na década de setenta eu integrei a primeira leva de
professores da UFS que saíram para o Mestrado. Escolhi a Universidade Federal
de Pernambuco, um pouco pela proximidade – eu estava recém-casada e queria
voltar sempre para casa – e também por achar que no único Mestrado em História
no Nordeste, eu poderia desenvolver um tema de história local. O Mestrado me
proporcionou ampliar a visão sobre a História e o contato com uma realidade
regional da qual eu não me dera conta até então. Era plena ditadura; eu e meus
colegas sentíamos isso na pele, pelo cuidado com que os professores abordavam
certos temas e pela possibilidade de acesso a uma bibliografia “proibida” que
comprávamos às escondidas numa pequena livraria de Recife, a Dom Quixote e
líamos com sofreguidão. Fiz grandes amigos, em todos os estados nordestinos,
conheci a sua problemática histórica e historiográfica, abri os olhos! E defini
o que eu poderia estudar em História de Sergipe, através da disciplina História
das Idéias Políticas, com o tobiático e encantador professor Nelson Saldanha.
Da Escola do Recife para a revolta Fausto Cardoso, foi um caminho só. Mas fui
orientada pelo saudoso Prof. Armando Souto Maior, o Coordenador do Mestrado, um
erudito.
Talvez pela experiência do estudo de história política e
história dos intelectuais, quando fui para o Doutorado em Geociências, da
Universidade Estadual Paulista (Rio Claro), em convênio com o Mestrado de
Geografia da UFS, também trilhei caminho semelhante. Optei por trabalhar com
História do Pensamento Geográfico estudando o Pensamento Geográfico em Manoel
Bomfim. Este, também um intelectual sergipano da Primeira República não é tobiático;
em grande parte ele representa para mim a outra face da moeda. Não é um
intelectual integrado num grupo; fez um caminho muito particular, criando uma
interpretação inovadora do Brasil, na contramão da Escola do Recife. Mas cada
um à sua medida, Fausto Cardoso e Manoel Bomfim são intelectuais que se
destacam por posições pessoais radicais e pela rebeldia. Fausto Cardoso criou
uma “sub-escola”, divergindo de Tobias Barreto apesar do grande respeito que
lhe devotava. Quando olho para trás fico me perguntando por que exatamente
figuras com essas características me atraíram e fascinaram tanto, quando eu
mesma me defino como tolerante e conciliadora?
Qual foi sua atuação frente ao PDPH?
Fui Coordenadora do Programa, por mais de uma vez. Procurei
organizá-lo não só pela aplicação do Regimento e funcionamento do seu Conselho,
como pela sistematização do seu arquivo. Os monitores de Introdução à História
acostumaram-se a trabalhar ali, o que aproximava os alunos do PDPH. O Programa
teve uma atuação importantíssima na organização dos Encontros de História e
Cursos diversos, no trabalho com a ANPUH regional. Em suma, o PDPH foi
instrumento fundamental da mentalidade de pesquisa que se instaurou no
Departamento de História, passando a ser um centro aglutinador dos trabalhos
monográficos dos alunos na fase em que o currículo do Curso de História
voltou-se para formar o professor/pesquisador. Infelizmente ele nunca conseguiu
realizar a tarefa de ser o foco de um Mestrado em História, que o “nosso”
Departamento ainda está a dever.
Seu nome consta no conselho editorial da primeira edição da
Revista Cadernos UFS-História na temática do FASC. Poderia nos falar sobre essa
sua participação?
Eu vivi os primeiros FASCs e conheço muito bem a sua
importância. Mas os “Cadernos” nasceram de um projeto específico: o colega
Jorge Carvalho, como Diretor do CULTART, convidou os professores do DHI para a
organização do arquivo do primeiro FASC. Isto deu origem à Revista, cujo
primeiro número é resultado do trabalho realizado e também é a origem do
Projeto de Organização do Arquivo do CULTART, mantido com a participação de
alunos de História por vários anos. Nele trabalhou o Prof. Fernando Sá, que me
antecedeu na Coordenação e a Profa. Isabel Ladeira, que me sucedeu.
A Revista reuniu, no primeiro número, os professores que
participaram do Projeto: Fernando Sá, eu, Lenalda Santos e Edmilson Meneses,
cada um, encarregado de analisar um aspecto do FASC. É a primeira publicação da
UFS que resgata aquele movimento fundador da extensão cultural. A segunda
publicação teve a minha coordenação: foi o Catálogo dos Cartazes do FASC, fruto
da idéia do Professor Tiago Fragata, editado pela UFS em 2006.
Qual sua contribuição na preservação dos documentos nos
arquivos de Sergipe desde a década de 1970?
Vai aqui uma longa história, que começou quando a Professora
Beatriz Dantas dirigiu a reorganização do Arquivo Público do Estado, em 1970.
Fui estagiária deste projeto, como estudante de História e isso me marcou
tanto, que depois de formada tornei-me Diretora do Arquivo Público, a segunda
diretora depois da reorganização. Eu acompanhara a introdução da classificação
dos documentos baseada no “Respect des fonds”, orientada pelo Arquivo Nacional.
Na direção do Arquivo dei prosseguimento à organização, participei ativamente
do I Congresso Brasileiro de Arquivologia, no Rio de Janeiro e criei, em
condições muito modestas, o primeiro Boletim do Arquivo, além de ter me
empenhado na recuperação de documentos, como o que restou do arquivo de Sebrão
Sobrinho, além do Arquivo do Tesouro, que eu trouxe para o APES depois que
alguém comentou comigo que a Receita Federal tencionava descartar todos os
antigos documentos. Deparei-me com uma montanha de papéis num cômodo e uma tela
retratando Felisbelo Freire em tamanho natural, tudo como se fosse para o lixo!
Depois disso, já no Departamento de História, participei da
organização dos arquivos do PDPH e do CULTART, além de todas as campanhas em
prol dos arquivos, chegando até a criação do Arquivo Geral da UFS pelo então
Vice-Reitor Josué Modesto dos Passos.
Maria das Graças Menezes Moura foi uma das suas colegas que
mais desfrutou de sua amizade no Departamento de História da UFS. O que poderia
nos dizer sobre a mesma?
Eu, Gracinha e Lenalda fazíamos um trio inseparável, muito
ligado ainda a Lourdinha que tinha sido professora de nós todas e que foi
Diretora do Centro de Educação e Ciências Humanas. Por muito tempo fomos, as
três primeiras, as mais jovens do Departamento, “as meninas” como éramos
chamadas. Estávamos unidas pela amizade e por projetos e concepções de
trabalho, muito comprometidas com a ANPUH, com a pesquisa, com o ensino de
História e com a luta pelos arquivos.
Procuramos nos aproximar dos estudantes de História, por um
lado, num movimento de abertura e democratização do Departamento liderado pela
Profa. Maria das Graças. No seu programa de trabalho para a Chefia do
Departamento, que me tinha como Vice-Chefe, isto era muito claro e gerou até
algumas incompreensões. Posso dizer que foi uma das fases em que os alunos
foram mais ouvidos. Ao mesmo tempo, havia um trabalho intenso pelos arquivos e
uma aproximação, na outra ponta, com os professores de História, via Núcleo
Regional da ANPUH e junto à Secretaria de Estado da Educação. Nós três nos
sucedemos na Direção da ANPUH e estreitamos as relações com outros núcleos no
Nordeste.
Gracinha era visionária. Costumo dizer que na dupla que
chefiou o DHI, eu era o feijão, ela o sonho. Era corajosa, comprometida,
democrata e líder. Sua morte foi um duro golpe e nos deixou um tanto quanto
desnorteados. Eu e Lenalda continuamos trabalhando muito juntas, participamos
ainda de outros projetos, escrevemos livros didáticos e nunca deixamos de lado
a preocupação com o ensino de História. É outra grande companheira, parceira e
amiga.
Quais outros professores colegas seus contribuíram nos
domínios da História em Sergipe?
Ao longo das respostas anteriores mencionei várias
contribuições, como a do Prof. Silvério Fontes e de todos os professores do
antigo Departamento de Filosofia e História no Levantamento das Fontes
Primárias, de que resultaram publicações ainda em mimeógrafo e a organização de
arquivos como o da Cúria Metropolitana, o da Paróquia São José e a criação do
Arquivo Judiciário de Sergipe, fruto do apoio do Prof. Luiz Rabelo Leite e do
trabalho da Professora Maria da Glória Santana de Almeida. Houve ainda o
Levantamento das Fontes para a História de Sergipe nos arquivos portugueses
feito pela Profa. Thetis Nunes, mais tarde atualizado pelo Prof. Lourival
Santana Santos.
Já falei do grupo dos “Textos para a História de Sergipe”,
construído em conjunto, em intermináveis reuniões de estudo e debate;
acrescento o trabalho de Gracinha no Arquivo Público, na fundação do núcleo da
Associação dos Arquivistas, na organização do Arquivo da Assembléia
Legislativa; da Profa. Maria Nele dos Santos, que organizou o arquivo da
Associação Comercial de Sergipe e escreveu a sua História; da Profa. Verônica
Nunes, trabalhando não só com a organização de arquivos, como com a área de
museus.
Na década de oitenta, eu e a Profa. Lenalda participamos do
Plano Nacional de Microfilmagem, um Projeto que visava a preservação das fontes
pela microfilmagem, liderado por Ester Bertoletti, da Fundação Pró-Memória. Os
jornais sergipanos da Biblioteca Epifânio Dórea foram microfilmados, depois de
um trabalho incessante de preparo dos originais e confecção das fichas-espelho,
junto com alunos estagiários. Todos esses trabalhos com as fontes promoveram a
escrita da história, seja em artigos para revistas, em comunicações e palestras
em congressos, em trabalhos monográficos e dissertações de Mestrado e mesmo em
livros que constituem o panorama da historiografia dos anos oitenta e noventa.
Nos anos noventa, novos professores passaram a integrar o
DHI e ampliaram, com os seus trabalhos de Mestrado e Doutorado, a contribuição
à historiografia local e nacional. Novas abordagens surgem, no terreno da
Geografia, da Antropologia, da Sociologia, da História da Educação, ampliando
os horizontes e as visões sobre a História.
Como percebe as transformações no campo da História nos
últimos anos?
Se o conhecimento histórico nos ajuda a compreender o mundo,
percebo as transformações no campo da História nos últimos anos como resultado
do que aconteceu no “breve século XX”, como o chamou Hobsbawn. O processo de
constração do espaço e do tempo que o ser humano vivencia nas últimas décadas
tem profundos efeitos não só na História como na Geografia, para ficar apenas
nestes dois campos. Diante de um mundo em rápida mutação, os paradigmas de
construção da História como ciência foram profundamente questionados, a ponto
de se tornar indistinta a fronteira entre história e ficção. A par das
discussões sobre o fim da história, as geografias pós-modernas também
proclamaram a era do espaço, o fim do predomínio do tempo. Tudo isso é
resultado da perplexidade, da necessidade de busca de novos instrumentos para a
tentativa de compreender o que está acontecendo. Da minha parte, embora entenda
assim as transformações e ache corajosa a atitude dos historiadores que
chegaram a “cortar na própria carne”, continuo acreditando que o trabalho
criterioso de construção do conhecimento histórico a partir das fontes o
distingue da ficção e recuso a redução desse conhecimento à simples narrativa
pela narrativa: pode ser antigo, mas continuo acreditando que o que me atrai na
história é a busca do sentido sobre a caminhada do homem na Terra.
E sobre a historiografia sergipana. Qual sua avaliação sobre
as diversas contribuições nas últimas décadas?
Haverá quem questione a existência de uma historiografia
sergipana. Sou daqueles que acreditam que ela existe e que estudá-la é uma
necessidade. José Calazans, Silvério Fontes, Itamar Freitas estão entre os
historiadores que o fizeram e apontaram características que a identificam. Como
mostrou o primeiro, nas últimas décadas a Universidade Federal assumiu a
liderança nos estudos históricos e as bases dessa liderança remontam à década
de setenta, substituindo o papel que, no passado, coube ao Instituto Histórico.
Obras fundamentais à compreensão da nossa história saíram da pena de uma Thetis
Nunes, de um Ibarê Dantas, de um Josué Modesto, para citar apenas alguns nomes.
A monografia introduzida nos Cursos de Graduação cumpriu outro papel na
historiografia acadêmica, reforçado e ampliado pelas pesquisas do PIBIC e,
principalmente pelas dissertações e teses dos Cursos de Mestrado e Doutorado,
feitos aqui e alhures.
Hoje não é a UFS um agente isolado na área. Os Cursos de
História se multiplicaram e o Instituto Histórico voltou a ter um papel ativo
seja pela organização e publicação de fontes e repertórios, seja pela
realização do Congresso de História, seja ainda como um centro de pesquisa
referencial. A nova classificação da Revista do IHGSE, que atualizou a sua
periodicidade, mostra o bom nível da nossa produção. Mas faz falta um Curso de
Mestrado ou Doutorado em História, que a Universidade não tem conseguido
implementar, apesar da qualificação do seu corpo docente e da demanda da
sociedade. O boom de História da Educação, liderado entre outros pelo Prof.
Jorge Carvalho, comprova o dinamismo que a Pós-Graduação imprime à produção de
determinado campo.
Por outro lado, ampliam-se as oportunidades de publicação.
Na Editora da UFS, em torno de 20% de todos os títulos são de História. Mas há
também uma ativa produção de história e memória dos municípios, fora dos
padrões da historiografia acadêmica, rica de informações e porque não dizer, de
novos encantos.
Atualmente a senhora exerce o cargo de diretora do IPHAN.
Como tem sido sua administração frente a esse órgão tão importante para o
historiador. Fale-nos sobre o processo que levou a praça São Francisco ser
considerada patrimônio Mundial pela UNESCO.
Há um ano estou como Superintendente do Iphan. O trabalho
administrativo é uma experiência nova, mas o objeto central do trabalho já me
era familiar. Cheguei num momento em que o Iphan ampliou a sua área de atuação
e em que se afirma na missão de preservar o patrimônio cultural como fator de
desenvolvimento da sociedade brasileira, respeitando a diversidade das suas
manifestações. É um trabalho sério, feito por um corpo de servidores muito
pequeno em relação às atuais demandas desenvolvidas.
É com um misto de admiração e um sentimento de descoberta
que eu tomo conhecimento do que já existe acumulado em termos de pesquisa no
Iphan e sinto que há necessidade de aproximação maior também com a comunidade
acadêmica, não apenas para oferecer a ela a possibilidade de acesso às
informações de que o Instituto dispõe sobre o patrimônio cultural brasileiro,
como pela possibilidade de estabelecer parcerias em torno da preservação do
patrimônio, principalmente no que diz respeito à educação patrimonial. Neste
sentido, estamos construindo um Termo de Cooperação com a UFS no campus de
Laranjeiras, cheios de expectativas.
Já o processo que elevou a Praça São Francisco a Patrimônio
da Humanidade, que encontrei em andamento, foi uma experiência muito
particular. A candidatura é de 2005. O IPHAN, o Governo do Estado e a
mobilização da sociedade constituíram o tripé responsável por essa vitória. O
Governo do Estado contratou o dossiê que justificou o valor universal e
excepcional do Bem; o IPHAN orientou o processo e articulou a comunicação com a
Unesco, além de ter proporcionado, através do Programa Monumenta, a maior parte
dos recursos necessários às obras que foram realizadas pelo Estado em São
Cristóvão para atender às exigências de preservação da Praça e do seu entorno.
Na reunião do Comitê do Patrimônio Mundial o debate em torno
dos bens que integram a Lista do Patrimônio da Humanidade suscita questões da
política mundial, da economia e da ecologia. É, portanto, um fórum em que está
em jogo não apenas a memória, mas o futuro da humanidade. É neste nível que se
encontra a nossa Praça São Francisco, desde o dia 1 de agosto de 2010.
Entrevista para os Cadernos UFS História, edição de número
11.
ISSN 19804784.
Texto e imagem reproduzidos do blog:
antoniolindvaldosousa.blogspot.com.br
Grande exemplo de vida!
ResponderExcluirTerezinha Oliva, orgulho de Sergipe.