Ofenísia Soares Freire: professora, escritora e jornalista sergipana.
Uma intelectual da educação (1941 - 1966).
Uma intelectual da educação (1941 - 1966).
Ieda Maria Leal Vilela
Grupo de Estudos e Pesquisas em História da Educação da
Universidade Federal de Sergipe NPGED/UFS e Grupo de Pesquisa História das
Práticas Educacionais /UNIT/SE
Eixo Temático nº 05 – Impressos, Intelectuais e História d
Educação
E- mail- imvilela@yahoo.com.br
Palavras- Chave: Trajetória de Vida; História da Educação:
História Cultural.
O presente artigo integra uma pesquisa mais ampla, em fase
de desenvolvimento, cujo objetivo é investigar e analisar a trajetória da
professora Ofenísia Soares Freire, através do processo histórico-sociológico de
sua formação docente e cultural, intitulada “A Presença de Ofenísia Soares
Freire na História da Educação Feminina em Sergipe: a trajetória da educadora e
escritora (1941-1966).” Este artigo tem o recorte temporal delineado entre os
anos de 1941 a 1966. Foi estabelecido como marco inicial o ano de 1941, em
decorrência da nomeação e ingresso da professora no Colégio Estadual Atheneu
Sergipense, fundado em 1870, primeiro colégio secundário do Estado de Sergipe,
para ministrar aulas de Língua Portuguesa, Teoria Literária e Literatura
Portuguesa e Brasileira. E como marco final, o ano de 1966, pois, foi o ano de
sua aposentadoria, como docente de tal Colégio. A metodologia utilizada para a
elaboração deste trabalho será a da abordagem biográfica, e a fundamentação
teórica dar-se-á através dos pressupostos teórico-metodológicos, a partir das
categorias de análise que constituem o entendimento e compreensão da Nova
História Cultural, Historia da Educação e da Abordagem Biográfica. A abordagem
é feita em conformidade com os conceitos de representação e materialidade de
Roger Chartier1e de civilização de Norbert Elias e da noção de documento-
monumento de Jacques Le Goff.
Assim, no dizer de Freitas (2006:146), a utilização da
abordagem biográfica está enquadrada na perspectiva da análise histórica-
sociológico, elaborada a partir da complementaridade de outras fontes.
Porquanto, para a investigação e análise da trajetória de
vida da Professora Ofenísia, neste recorte temporal, utilizar-se-ão como
fontes, não só as fontes tradicionais, mas, também, os documentos oriundos de
fontes não tradicionais. Ademais, no dizer de Lopes e Galvão (2001), até pouco
tempo atrás, essas fontes não eram consideradas, de certa forma, científicas e
confiáveis, no entanto, nos dias atuais, passaram a constituir indícios para
reconstrução de um passado. Ademais, a partir da utilização de tais fontes, a
pesquisa em História da Educação teve seu campo teórico-metodológico ampliado,
uma vez que tem adotado os pressupostos teóricos da Nova História e da História
Cultural como sua matriz historiográfica. A história nova nasceu, em parte, se
contrapondo a história positivista do século XIX, entretanto, parte das
conquistas técnicas do método positivista, permaneceram. (LE GOFF, 2005, p.
2-12).
Dessa forma, não só a legislação educacional, os relatórios
e mensagens governamentais, educacionais e provinciais , assim como planos de
aula, dados estatísticos, diários de classe, atas de reuniões pedagógicas,
programas e planos de curso, legitimam o acervo documental para o estudo de
trajetórias e histórias de vida de educadores e educadoras. Assim, outros
testemunhos, traços e vestígios deixados por esses educadores são, também,
considerados documentos, fontes históricas. “Nesse sentido assinala Borges, que
a vida de uma pessoa é pesquisada “por intermédio das vozes que nos chegam do
passado, dos fragmentos de sua existência que ficaram registrados, ou seja, por
meio das chamadas fontes documentais” (BORGES, 2006, p.212). Logo, ressalta a
autora, que para compreender a vida de uma pessoa, é de fundamental importância
à discussão sobre os questionamentos referentes à memória, a gênese familiar, a
ancestralidade e também, sobre gênero
Tal estudo realizar-se-á através do processo
histórico-sociológico de sua formação cultural, suas representações e práticas
pedagógicas, assim como a representação da configuração do trabalho docente no
Colégio Estadual Atheneu Sergipense, onde lecionou, durante vinte e cinco anos.
Destarte, em relação a esse projeto mais amplo, o presente artigo representa o
seu primeiro resultado, que visa analisar a trajetória pessoal e profissional
da Professora Ofenísia no seu contexto. Assim, encontra-se ancorado no campo da
História da Educação, que tem utilizado como matriz historiográfica, a Nova
História Cultural. A partir da utilização de documentos e fontes não
tradicionais a pesquisa e os estudos de História da Educação tiveram seu campo
teórico-metodológico ampliado. Destarte, conforme Le Goff (2003), a memória
coletiva e sua forma científica, a história, se utilizam de dois tipos de
materiais: os documentos e os monumentos, que podem se apresentar sob dois
enfoques principais, ou seja, os monumentos, herança do passado, e os
documentos, escolha do historiador. Logo, os estudos de história são realizados
tomando como ponto de partida à memória. Então, é a partir da memória que esses
estudos serão realizados. Daí a necessidade de problematizar as fontes, bem
como analisar a biografia como fonte de relevância para o desenvolvimento de
tais estudos realizados sob a perspectiva da abordagem biográfica. Assevera
Vavy Pacheco Borges3, ao fazer referência sobre o estudo biográfico, no sentido
do senso comum, que “a biografia é hoje, certamente, considerada uma fonte para
se conhecer a História. A razão mais evidente para se ler uma biografia é saber
sobre uma pessoa, mas também sobre a época, sobre a sociedade em que ela viveu
(p.212). Dessa forma, a biografia tem sido considerada uma fonte importante de
conhecimento, não só do indivíduo, do ser humano, como também, do contexto
social, cultural no qual o biografado viveu. Ademais, as abordagens biográficas
são contribuições importantes para reafirmar o indivíduo como sujeito de sua
própria história. Nesse contexto ressalta o Professor Jorge Carvalho do
Nascimento, que “as análises memorialísticas estão para além de simples
biografia dando voz aos intelectuais estudados” (Nascimento, 2007:7), logo,
segundo o autor, tais análises têm um valor maior do que uma simples biografia.
Norbert Elias (1995) que trabalhou com pesquisa biográfica, esclarece que seu
estudo sobre Mozart, não se configura como uma narrativa histórica, mas sim, a
elaboração de um método técnico com a finalidade de verificar a configuração de
uma pessoa. Ressalta Borges2 que o historiador medievalista francês, Le Goff,
autor entre outras obras de “Francisco de Assis” e a “Biografia de São Luis”,
em entrevista concedida à “Folha de São Paulo”, discorreu o seu reconhecimento
sobre a importância da biografia. Passa, assim, a considerar a biografia como o
coroamento do trabalho do historiador de ofício.
Ademais, com a análise biográfica, contextualizada, da
Professora Ofenísia Soares Freire, se pretende recuperar aspectos da sociedade,
da política educacional e da educação feminina, no lapso temporal a ser
estudado. A professora Ofenísia, já naquela época, década de 1960, selecionava
textos literários para ler em suas aulas, e analisar com seus alunos. E com
isso, desenvolver o espírito crítico-analítico de seus alunos. Como destaca seu
ex-aluno, o escritor e jornalista Luiz Antonio Barreto, que ela tinha o livro
didático, tão somente, como livro-texto de referência, na medida em que o
conteúdo utilizado estava nos textos que escolhia para trabalhar com seus
alunos, desenvolvendo a crítica-analítica através de suas reflexões e
ensinamentos para concluir suas aulas (BARRETO, 2007:64-67).
Partindo-se do pressuposto que tal estudo e análise da
trajetória de professora Ofenísia possibilitem a relação entre história e vida,
analisar sua relevância e presença no campo cultural, educacional, assim como
sua contribuição para a educação reveste-se de grande importância, como também,
evidenciar a representatividade dessa educadora para a educação no Estado de
Sergipe.
Conforme assevera Almeida, nas primeiras décadas do século
passado os movimentos feministas já reivindicavam o acesso à educação e o
direito ao voto, a exemplo do que estava acontecendo na Europa. Então no cerne
dessa luta pelos seus direitos, a mulher, destaca a autora, defendia, também, a
aquisição de maiores conhecimentos que possibilitasse sua inserção no espaço
público e o desempenho de uma profissão remunerada, logo, assim, conquistaria
mais autonomia financeira e, consequentemente, liberdade. Muito embora, a
educação, ainda, representasse um veículo pelo qual a cultura e a religião
inculcavam seus valores e transmitiam a ideologia da época (ALMEIDA, 2007).
A professora Ofenísia estudou as primeiras letras na cidade
de Estância, sua cidade natal, vindo para Aracaju aos onze anos de idade para
completar seus estudos na Escola Sant’ana, cuja proprietária era professora
Quitina Diniz, primeira deputada estadual de Sergipe, no entanto a professora
alegou que a menina Ofenísia já estava pronta, não tinha o quê ensiná-la no
curso primário, teria que estudar na Escola Normal, hoje Instituto de Educação
Rui Barbosa, mas, para isso teria que permanecer interna como pensionista no
Colégio Sant’ Anna. Entrementes, a menina Ofenísia contava com apenas 11 anos
de idade e para ingressar na Escola Normal, segundo a própria professora e
escritora Ofenísia Freire, em depoimento concedido em 1992 a Freitas (2003),
contou como conseguiu ingressar para a Escola Normal, contando com o auxílio da
Professora Quintina Diniz, na época Diretora daquela Instituição de Ensino, ...naquele tempo exigia-se a idade de quatorze anos... Não
sei se foi erro, ou se foi certo, que a Diretora do Colégio que era uma grande
senhora, Dona Quintina Diniz, onde eu era interna na no Colégio Sant Anna, na
Rua de Maroim. Ela disse: ‘ Esta menina está pronta demais! Não tenho mais o
que ensinar no curso primário!’ Ela precisa ir para escola normal! [...] ela
precisa ter idade, porque na escola Normal só se entrava com 14 anos’ Então meu
pai providenciou uma nova certidão de idade, com mais três anos para mim...
Minha idade oficial é uma não é... Eu entrei com 11 anos na Escola normal e sai
com 16 anos... Porque naquele tempo eram cinco anos de Escola Normal! (apud
Freitas, 2003: 111).
Contudo, afirma a Professora Anamaria Bueno G. de Freitas
(2003), que a alteração da data de nascimento era uma das estratégias
utilizadas pelas famílias a fim de que suas filhas, apesar de não contarem com
a idade exigida, ingressassem na Escola Normal. Essas meninas, provavelmente,
recebiam aulas particulares, ministradas por professoras ou Preceptoras. A
figura da Preceptora constituiu uma valorosa e grande contribuição para a
educação feminina no período oitocentista brasileiro, embora não tivesse
surgido no período republicano, pois nos meados dos oitocentos já era uma
presença freqüente no âmbito doméstico das famílias brasileiras componentes das
classes mais privilegiadas, financeiramente, do século XIX. Assim, a
Preceptora, segundo definição de Ritzkat (2007), tratava-se de uma mulher que ensinava
em domicílio ou que habitava com a família dos alunos para fazer companhia e
ministrar aulas para as crianças. Muitas vezes eram jovens, bem nascidas,
oriundas da aristocracia empobrecida, principalmente, provenientes da Europa,
geralmente da Alemanha e que se empregavam como Preceptora ou governante, em
casas de famílias abastadas. Até o final do século XIX, houve um grande
desenvolvimento dessa profissão, na medida em que os pais de família desejavam
dar uma educação mais esmerada aos seus filhos. No Nordeste do Brasil, era
muito comum a presença dessas preceptoras nas casas das famílias mais
abastadas, também em Sergipe.
Assevera Albuquerque (2005), que nas primeiras décadas do
oitocentos a presença das professoras estrangeiras em Sergipe, ainda, era muito
diminuta, no entanto, na segunda metade daquele século, elas já faziam parte
daquele contexto, lecionando para os filhos e filhas dos componentes da elite
financeira.
Após a conclusão do Curso Normal, já diplomada professora,
Ofenísia regressara para sua cidade natal, indo morar com seus pais. No
entanto, deparou-se com um obstáculo, pois as professoras formadas no nível
técnico, na Escola Normal, teriam que lecionar nos primeiros dois anos de sua
carreira em escolas dos povoados do interior sergipano. Dessa forma criou-se um
impasse, tendo em vista que o seu pai não permitiu que a filha se ausentasse,
por ser muito jovem, apesar de formada, da cidade de Estância. Decorrente desse
fato, Ofenísia só lecionou dois anos após sua formatura, ao ser criado, dentro
do próprio município, um povoado, por iniciativa do então prefeito da cidade,
objetivando resolver tal impasse e atender à Portaria do Governador do Estado.
Então, em uma pequena escola de um povoado que foi recém-criado “Caminho do
Porto,” na sala de uma casa de família, pertencente às pessoas simples. Logo,
Ofenísia começou a exercer sua função de professora. Na frente da casa, o nome
da Escola pintado na parede, “Nossa Senhora Auxiliadora.” Posteriormente
ensinou em outros colégios, como no Grupo Escolar Gumercindo Bessa e no Colégio
Sagrado Coração de Jesus (Jornal da Cidade, 2007).
Casou-se como Senhor Filemon Franco Freire, funcionário
público estadual, Secretário do Tesouro Estadual do Governo de Seixas Dórea,
vindo residir em Aracaju no final da década de 1930 (PINA, 2007). No final
dessa década de 1930, ocorrera no Brasil fatos importantes e decisivos que
marcaram não só o setor educacional como também os setores social, econômico e
político do país. Durante o processo de industrialização, urbanização e
modernização surgem uma série de leis, objetivando organizar a educação
primária, secundária e superior no Brasil e nos seus respectivos estados. Ainda
em sua cidade natal, mês de agosto de 1933, a Professora Ofenísia, uma jovem de
apenas 20 anos de idade, fizera um discurso de saudação ao chefe do Governo
Provisório da República, Getúlio Vargas e sua comitiva, quando de sua visita a
Sergipe, em nome da mulher estanciana, a convite do Intendente Municipal de
Estância, Francisco de Araujo Macedo, eis um trecho do discurso,
Como todos outros os rincões do nosso Brasil por aí
esparsos, qual mais emocionante, qual mais feliz à espera da brilhante comitiva
que ora os deslumbra. Sergipe, pigmeu gigante glorioso, se movimenta se
apressa, e se engalana paro o grande acontecimento. E Estância, retalho
pequenino desse Sergipe adorado. Estância – cidade da terra Sergipana –
oferece-vos nossa humílima, a mais manifestação a mais eloqüente prova de seu
entusiasmo, de sua gratidão e de sua solidariedade. E vimos nós, mulheres
estancianas, guiadas pela insuplantável fidalguia de nosso Prefeito, Francisco
de Araújo Macedo, esse homem dínamo, vontade e ação, vimos nós, ilustre e
eminentíssimo senhor cumprimenta-vos pela Estância, pela alma de seu povo que vos
sal unánimo; desse povo que vê em vosso perfil de muralha e de granito, de
bravura e de nobreza, o Brasil redivivo, o Brasil liberto, o Brasil alevantado
pelo o ideal mais nobre de todos ideais...
Dr. Getúlio Vargas- no dia 21 de outubro de 1930, data que
culminou a brilhante epopéia revolucionária, V. Excelência com os vossos
companheiros de luta criaram para os brasileiros uma nova e luminosa era;
construiu uma nova pátria que tem como alicerce a imolação de um mártir, traçou
com vosso esforço incansável de batalhador napoleônico a página mais bela
história do Brasil! (FREIRE, Ofenísia. Estância: Jornal A Razão, 1933)
É também, na década de 1930, que ocorreu o início da
publicização da educação,quando as camadas populares ingressaram, aos poucos,
nos processos formais de educação, mesmo sem conseguir aí permanecer. O Brasil,
nesse período, passou por duas ditaduras: a do Estado Novo, de 1937 a 1945; e a
Militar, de 1965 a 1985. Nessa época, destaca Lopes e Galvão2, que apesar de
tais acontecimentos, a educação era considerada como um elemento de grande
relevância para a formação de novas gerações, como também a sua inserção em uma
ordem política e econômica, a qual, então, deveria ser incontestável. Assim, no
ano de 1941, em pleno “Estado Novo” na chamada “Era Vargas”, a professora é
nomeada para o Colégio Atheneu Sergipense a fim de ministrar aulas de Língua
Portuguesa, Literatura Portuguesa e Brasileira e Teoria Literária, onde
permaneceu até a data de sua aposentadoria, 1966. Foi também professora fundadora
do curso secundário do Colégio Jackson Figueiredo, que começou a funcionar em
01 de fevereiro de 1938, sob a direção do professor Benedito Alves de Oliveira
e sua esposa, Judite Rocha de Oliveira, no inicio funcionou na Rua
Itabaianinha, posteriormente, em um prédio situado na Praça Olímpio Campos, no
centro de Aracaju. Lecionou, também, no Colégio Tobias Barreto, ambos, então,
da rede particular de ensino, em Aracaju, posteriormente vendidos para o
Estado.
Ofenísia, além do mais, atuou na imprensa, publicando
artigos em jornais, revistas e impressos em geral, sobre temas diversos,
principalmente, literatura e aspectos biográficos de educadoras e escritores e
poetas sergipanos, como Gilberto Amado, escritor, memorialista, ensaísta e
ficcionista sergipano, nascido, também, na cidade de Estância. Foi Secretário
das Nações Unidas,em 1948, época em que prestou uma homenagem ao seu estado,
Sergipe, estabelecendo o aniversário da ONU para data de 24 de outubro, data
então comemorada, durante muitos anos, em Sergipe, como o marco de sua
emancipação política do Estado da Bahia.
Hermes Fontes, escritor, jornalista, poeta e caricaturista,
natural da cidade de Boquim, em Sergipe, porém radicada durante muitos anos no
estado do Rio de Janeiro. Publicou inúmeros livros, sendo A Fonte da Mata, em
homenagem a sua cidade natal, seu último livro, publicado no ano de sua trágica
morte, em 1930. No Passeio Público, no Rio de Janeiro, foi erigido seu busto,
em 1936, por iniciativa do escritor Austregésilo de Athayde.
Etelvina Amália de Siqueira, natural da cidade de Itabaiana,
Sergipe, em 1872 era educadora, poeta e escritora, envolvida com a questão da
libertação dos escravos, era considerada pela professora Ofenísia como, “a
pioneira das intelectuais sergipanas”, entre outros escritores de igual
importância.
A professora sempre preocupada com a questão de gênero, em
ascensão com o Movimento Feminista nos anos de 1970, destacou a presença da
mulher em Os Lusíadas, nos “Dez Cantos” que compõem o poema épico de Camões,
escritor de sua predileção. E no ano de 1972, começou a publicar em periódico
sergipano, com o objetivo de prestar uma homenagem ao quarto centenário da
primeira edição de Os Lusíadas. Nesses artigos, destacava a presença da mulher
nesses “cantos”.
Posteriormente, no ano do quarto centenário de morte do
escritor português Luis de Camões, 1980, a professora reuniu tais artigos e
publicou o seu primeiro e único livro-“Presença Feminina em Os Lusíadas”. Esses
artigos eram veiculados através do “Jornal da Cidade”, como destacou em nota
explicativa à primeira edição de seu livro, na sua 2ª edição em 2000. A própria
professora, “Quis agora, o ano do quarto centenário da morte de Camões,
enfeixar sob um volume aqueles artigos, em homenagem à Mulher e ao Poeta de
minha predileção, que a fez presente em todos os Cantos de seu poema imperecível
(FREIRE, 1980:4). Nesse mesmo ano, a professora vai ocupar a cadeira número 16,
para qual foi eleita, na Academia Sergipana de Letras. Passa a ocupar a vaga do
poeta Abelardo Romero. Essa cadeira 16 tem o poeta Pedro Calazans como seu
patrono e o poeta Hermes Fontes, como seu fundador.
Assinala Figueiredo (1980), na apresentação do seu livro, Professora e Escritora, síntese feliz de erudição e cultura,
realidade e imaginação, conhecimento vivo e cidadania atuante, Ofenísia Soares
Freire aí está. Presença sabida e pacificamente marcante na sociedade
sergipana. Ela precisa ser lida, especialmente pela mulher desfigurada,
agredida, deformada pela sociedade de consumo, mulher que vive angustiada pela
nostalgia da grandeza e poesia, nessas condições, irrealizada. Está aí um
trabalho que, dentre outras qualidades, não peca pela economia de inteligência
e ternura. (FIGUEIREDO, 1980:14).
A contribuição dessa educadora para a educação e cultura,
provavelmente, tenha ultrapassado os limites da educação escolar. Conforme
afirmou sua ex- amiga e ex-colega do Colégio Atheneu Sergipense e da Academia
Sergipana de Letras, a professora, escritora, poeta e acadêmica Maria Ligia
Madureira Pina (1994), “Ofenísia lecionou em vários colégios da rede pública e
particular, se aposentou pelo Colégio Estadual Atheneu Sergipense, por tempo de
serviço. Era oradora, escritora e jornalista (PINA, 1994:392). O Professor
Jorge Carvalho do Nascimento diz que a professora,
Ofenísia Soares Freire é a professora que educou várias
gerações de sergipanos aprofundando-os nos segredos da língua portuguesa.
Mulher, símbolo de lutas e resistências políticas com forte visão humanista, é
reconhecida como profissional da educação e militante das causas da cultura,
sempre em defesa da cidadania. (Nascimento, 1980, trecho da orelha do livro,
“Presença Feminina Em Os Lusíadas”).
O professo José Anderson Nascimento4, Presidente da Academia
Sergipana de Letras, de quem a professora Ofenísia Soares Freire foi sua
Vice-Presidente, até o ano de seu falecimento, prefaciou a 2ª edição do seu
livro, destacando a importância da educadora nos meios educacionais e culturais
de Sergipe, assim,
O livro “Presença Feminina em Os Lusíadas” de autoria da
professora e acadêmica Ofenísia Soares Freire, uma das figuras mais
representativas da educação e da cultura em Sergipe - acolhida por literatos,
quer no Brasil, quer- no estrangeiro e também por academias, universidades e
institutos de letras, dentre os mais ilustres, valoriza a mulher em todos dez
cantos de Os Lusíadas. “... nas magistrais páginas de seu livro, a professora
Ofenísia Freire, como é mais conhecida nos meio acadêmicos, enfoca com muita
perfeição; o poema épico de Camões, publicado em 1572, uma das obras primas da
literatura universal (NASCIMENTO, Anderson Nascimento. Prefácio à primeira
edição do livro Presença Feminina em Os Lusíadas, 2000).
A professora Ofenísia, embora tenha se aposentado muito
cedo, o que foi bastante comentado nos principais jornais da época, jamais se
desligou, totalmente, do magistério haja vista que no seu discurso de posse na
Academia Sergipana de Letras, trazia, ainda, viva a lembrança de seus ex-alunos
ao se expressar assim no seu comovente discurso, Eu me liguei ao magistério como a era se enrosca ao tronco
robusto de uma árvore. Em meu pensamento vive a lembrança de meus alunos.
Muitos deles contemplam aqui neste momento, de forma que meu discurso,
pronunciado diante da alta cúpula da intelectualidade sergipana, traz-me, não
obstante, a sensação de estar no recinto de uma sala de aula (FREIRE, 1980:67).
Logo, reconstruir a trajetória de vida dessa educadora,
através de uma abordagem biográfica, reveste-se de grande importância, sem,
contudo tender para uma biografia de caráter laudatório. Ademais, tal estudo
representa um desafio, um grande desafio. Como disse Le Goff (2003), em uma
entrevista concedida à jornalista Label France em 1996, logo após o lançamento
de seu livro, Luís IX, “... a escolha de uma biografia é sempre um desafio”
“... por outro lado, acho que só se pode escrever uma boa biografia se esta for
sobre um personagem de quem se acredita ser capaz de chegar bem perto (LE GOFF
apud FRANCE, 1996). Logo, a abordagem biográfica utilizada para a
reconstituição de trajetórias de vida, decorre da relevância e da larga
utilização dessa metodologia para se compreender as relações entre os processos
familiares, os de escolarização, os sociais, os de profissionalização e o
processo de construção da identidade de gênero.
Considerações Finais.
Reconstituir a trajetória dessa professora que lecionou mais
de 40 anos, sendo vinte e cinco anos de sua vida, dedicados, especificamente,
ao Colégio Atheneu quando, então, lecionou às diversas gerações. Era, além do
mais, era uma pessoa comprometida com a questão da educação, cultura e também,
envolvida no processo de redemocratização do país, na medida em que se
candidatou em 1947, à deputada estadual e federal pelo Partido Comunista
Brasileiro. E, acrescente-se, ainda, o fato do seu interesse e preocupação,
desde a década de 1970, quando ocorreu no Brasil à reestruturação de grupos
feministas e surgiram diversos movimentos de mulheres, também em Aracaju. Nessa
época, já voltava suas vistas para o papel e desempenho da mulher na sociedade,
assim como, para as questões das relações de gênero. Uma vez que, seus artigos
publicados na imprensa periódica de Aracaju trataram de tais questionamentos,
mais precisamente, através do “Jornal da Cidade”, como destaca o professor
Jorge Carvalho do Nascimento (2007), “... inspirada a partir da atenção com que
trata as questões de gênero, Ofenísia Freire nos oferece um estudo cuidadoso
acerca do caráter renascentista e dos modelos clássicos do poema camoniano
(NASCIMENTO apud BARRETO, 2007:70). Assim esse estudo representa uma maneira de
reconhecer a grande contribuição dada por essa intelectual às gerações do
passado, as gerações do presente, as do futuro, e as que virão num futuro mais
distante. Logo, identificar os pontos da trajetória da professora Ofenísia, que
podem apresentar marcos relevante para a formação profissional das novas
gerações de professores, é um dos objetivos fundamentais dessa pesquisa.
Ademais, as trajetórias de vida das pessoas podem modelar e
forjar o seu perfil, sua identidade, no entanto não podem ser construídas no
isolamento, mas só socialmente; para isso é preciso à acumulação de diversos
componentes e toda rede de relações sociais construídas pelo indivíduo em
interação com outras pessoas, assim tal interação é construída através da
educação escolar, familiar, formação profissional/intelectual, a militância nos
movimentos sociais, a mobilidade na vida formal, entre outros fatores. Assim, a
aquisição decorrente de tais fatores em interação, remete a duas categorias
conceituais que Bourdieu (1989), chama de hábito e campus, e resultam na
formação do capital cultural e social do indivíduo. Tais categorias conceituais
serão utilizadas no estudo, ora em andamento, para compreender o capital
cultural dessa educadora, como também a construção de sua identidade de gênero,
numa época em que a mulher tinha que transpor inúmeros obstáculos, barreiras e
preconceitos para fazer a travessia entre o mundo privado e o público. E ela,
certamente, fez essa travessia.
_______________________________
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Depoimentos e Entrevistas
FREIRE, Ivan. Entrevista concedida à Autora em 21/01/2009
PINA, Maria Ligia Madureira. Entrevista conceda à Autora em
6/06/2008
SOUZA, Manuel Alves. Depoimento concedido à Autora em 30
/06/2009
VIEIRA NETO, José. Depoimento concedido à Autora
em 08/06/2008.
Texto reproduzido do site: principo.org/ofensia-soares-freire
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