Publicado originalmente no site do Portal Infonet, em
27/09/2012.
Aracaju, 1942: entre os torpedos, quem eram as vítimas?
Artigo de Raquel Anne Lima de Assis, graduanda em
História/UFS
Entre 15 e 17 de agosto de 1942 a Segunda Guerra Mundial
chegou a Sergipe com o trágico episódio que causou a morte de cerca de 610
pessoas. Cinco navios mercantes foram torpedeados pelo submarino alemão U-507:
o Arara, o Araraquara, o Baependi, o Aníbal Benévolo e o Itagiba.
Como consequência disto, corpos chegaram às praias
sergipanas, alguns tão destroçados que se encontraram apenas partes deles;
outros estavam em tal fase de putrefação que precisaram ser enterrados logo.
Entre eles estavam homens, mulheres e crianças. Junto com as vítimas, chegou às
praias o pouco que sobrou dos seus pertences pessoais, como joias, roupas,
sapatos, carteiras etc. Estes objetos acabam oferecendo pequenas informações
sobre os hábitos e a situação socioeconômica das vítimas.
Um exemplo é caso de uma senhora, passageira do Araraquara,
chamada Maria de Lourdes Souza Rangel, com prováveis 35 anos de idade. Deveria
ser professora, porque estava usando um anel da profissão. Provavelmente
possuía uma boa condição financeira, pois se vestia bem, usando seda, gersey e
relógio de ouro. Mas não era tão abastada, já que estava com um colar de pérola
artificial. Provavelmente não tinhas condições suficientes para um legítimo.
Cuidava das unhas e tinha uma boa dentição, sinais de mulher vaidosa.
Mas a tragédia também levou homens vaidosos, com suas unhas
feitas, barbeados e dentes bem tratados, como é o caso do 2º tenente convocado
Noberto Silvio Paiva Anciães, que até sapatos de camurça usava. Mas nem todos
eram assim, como aqueles que apresentavam costumeiramente unhas descuradas,
meias remendadas, provavelmente sem condições financeiras, além de uma certa
negligência com os dentes.
Entre as vítimas existiam homens de negócios, que vestiam
paletós, como Renato Cardoso Mesquita, corretor comercial, com escritório em
Recife. Alguns possuíam relógios de ouro, roupas de marcas conhecidas, gravatas
inglesas, sapatos de couro trançado, meias com detalhes de seda e cueca de cordonet.
Assim como ocorreu com as mulheres, algumas vítimas apresentavam unhas e dentes
bem tratados, tendo até cápsulas de platina.
Os vestígios também nos permitem dizer que alguns talvez se
conhecessem e deveriam ter vindo e/ou indo de um mesmo local. É o caso de dois
homens que foram encontrados usando um mesmo uniforme branco, possivelmente
marinheiros, com um “T” ou âncora bordado. Outros tinham acabado de se casar
como, Renato de Oliveira Veiga, encontrado com uma aliança, com o nome “Zilah”
e a data “22-03-942”. Como os torpedeamentos foram em agosto, havia apenas 5
meses de casado.
Dentre esses cadáveres, havia uma criança. Baseado na sua
evolução dentaria, tudo indica que tinha cerca de 2 anos. Foi identificada
pelas roupas e pulseira, como sendo “NOEME”, filha do “Sub-tte, LINS
CAVALCANTE”. A pulseira era de fios de prata com uma medalha de santa,
evidenciando o catolicismo dos pais.
No entanto, sabe-se que esses objetos não serviram apenas
para identificação dos corpos, mas também para satisfazer a cobiça de alguns.
Como o relógio de pulso e botão de colarinho, pertencentes a Eduardo Alexandre
Baumann, industrial e comerciário, que foram apreendidos nas mãos de um morador
da pacata Aracaju. Como se vê nem todos os sergipanos correram às praias para
ajudar às vítimas do U-507.
Portanto, o submarino U-507, ao matar mais de 600 pessoas,
não serviu apenas de estopim para o Brasil entrar na guerra. Ele também
destruiu vidas construídas ao lado de seus familiares, deixando-os desolados,
como esposas, maridos, pais, filhos e amigos.
Raquel Anne Lima de Assis é graduanda em História pela UFS,
integrante do Grupo de Estudo do Tempo Presente e bolsista voluntária do
projeto “Memórias da Segunda Guerra em Sergipe”, apoiado pelo CNPq e pela
FAPITEC – Edital PRONEM/2011. O artigo integra as colaborações feitas à coluna
do GET.
Texto e imagens reproduzidos do site:
infonet.com.br/noticias/educacao
Legal
ResponderExcluirParabéns. Belo artigo.
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