domingo, 22 de janeiro de 2017

Silvério Fontes e a esquerda católica

Imagem reproduzida do site: silveriofontes.com.br
Postada por MTéSERGIPE, a fim de ilustrar o presente artigo.

Publicado originalmente no Blog Primeira Mão, em 07/10/2012.

Silvério Fontes e a esquerda católica.

Por Afonso Nascimento*

Um dos professores de Direito da antiga Faculdade de Direito por quem sempre tive sempre grande admiração foi José Silvério Leite Fontes (1925-2005). Ele é natural de Aracaju e nessa mesma cidade morreu - tendo raízes na aristocracia rural de Riachão do Dantas. O seu pai era proprietário de uma salina pelos lados de Socorro, o que lhe dá, somente quanto a este aspecto, uma origem social no empresariado (médio?) sergipano.

Enquanto intelectual sergipano, Silvério Fontes se definia corretamente: era um polígrafo. Escreveu em muitas áreas e o fez sempre com grande competência e profundidade. Além de ter ensinado em escolas secundárias no começo da vida acadêmica, ele foi professor de Direito, com quem estudei Ética Jurídica na última sala do velho prédio, à esquerda de quem o adentra. Ainda dos meus tempos de estudante, lembro ter sido ele quem introduziu e coordenou a prática forense numa escola de Direito cujo treinamento profissional era - como ainda é - muito doutrinário ou "teoricista". A imagem que guardei dele foi aquela de um homem íntegro, de alguém sempre correndo, indo ou vindo, lidando com problemas de diabetes, e de um progressista cujas ações impunham respeito aos meios intelectuais, sindicais e políticos que frequentava.

Nos anos 1990, eu o conheci um pouco mais como professor perto de aposentar-se, desta vez como colega da mesma instituição. Por duas ou três vezes, cheguei a frequentar a sua casa, situada em frente à praça com nome de um construtor civil. Tinha uma grande biblioteca que parecia muito organizada. Quando se aposentou da UFS, o Departamento de Direito lhe fez uma muito pequena homenagem porque teria sido o professor que nunca perdera um dia de aula. Não faz muito tempo o mesmo departamento, felizmente, criou uma medalha para homenageá-lo com a cadeira de Sociologia Jurídica. Homenagem merecida já que ele, além de ter ensinado essa disciplina, escreveu um curto porém interessante ensaio sobre a Faculdade de Direito a partir desse enfoque. Escreveu ainda um belo trabalho sobre o pensamento jurídico sergipano, obra que seria mais bem enquadrada como pertencente à Filosofia Jurídica.

Além do magistério jurídico, foi um grande nome do magistério da área de História da UFS. No espaço dos historiadores sergipanos sem treinamento específico (ele teve formação jurídica na Bahia), o professor Silvério Fontes também conquistou respeito e admiração de outros historiadores, como seus ex-alunos José Ibarê Costa Dantas e Terezinha Alves Oliva. Na historiografia, a sua influência teria sido o francês Henri-Irinée Marrou, historiador católico, e não aquela de membros da Escola dos Anais, como quiseram lhe imputar. Foi uma pessoa fundamental no funcionamento do Departamento de História da UFS e na estruturação de fontes de pesquisa sobre Sergipe dentro e fora da instituição.

Ainda que tenha transitado por diversas áreas do conhecimento, o professor Silvério foi, sobretudo, um filósofo, e nessa condição foi professor do Departamento de Filosofia da UFS. Com efeito, foi da Filosofia que nasceu o intelectual multifacetado, atuante em muitos campos do magistério e escritor em esferas diversas. Era um filósofo com fundamentos cristãos ou católicos e que se considerava um neotomista. Estudando o seu pensamento e a sua trajetória, fui levado a concluir que, na sua vida, pensamento e ação se combinavam com muita coerência. A sua reflexão e a sua ação derivavam de sua fé e de seu embasamento em filósofos católicos como Jacques Maritain, Teilhard de Chardin e Emmanuel Mounier.

Ele fazia parte da esquerda católica, leiga, de Sergipe e dela foi militante em diversas trincheiras. Estava na oposição ao conservadorismo católico de Manoel Cabral Machado e outros nomes, dentro e fora da Faculdade de Direito. Ou seja, estava do lado de Dom José Vicente Távora e do Dom Brandão (da segunda fase) na esquerda católica com batina e no lado distinto ao do fundador da direita católica sergipana Jackson de Figueiredo (advogado e não membro do clero, residindo no Rio de Janeiro) e de seu continuador mais importante Dom Luciano Duarte, entre outros. A despeito disso, no campo da direita sergipana, Silvério Fontes teve passagem rápida no começo de sua vida pública quando foi filiado ao Partido Republicano (PR, uma espécie de PSD do B, na linguagem de hoje) e, depois de terminar seu curso de Direito na Bahia, aceitou o cargo de secretário do governador Arnaldo Garcez, do PSD em Sergipe. Enquanto líder sindicalista, ele esteve à frente de famosa greve de professores da rede estadual de ensino, foi fundador e militante do sindicato dos professores da UFS e foi presidente da OAB (o sindicatos dos advogados sergipanos), dando a esta instituição uma direção progressista, depois de muita omissão e silêncio durante a ditadura militar em Sergipe.

O professor Silvério teve alguns problemas com a ditadura militar em Sergipe. Na sequência ao golpe militar de 1964, foi um dos professores de Direito a "subir a colina" (28º BC) para depor - os outros foram Gonçalo Rollemberg e Bonifácio Fortes. Segundo escreveu Ibarê Dantas, ele teve a sua candidatura a juiz de Direito vetada pelo Tribunal de Justiça de Sergipe, em 1969. Excesso de zelo conservador da Suprema Corte sergipana ou "ordem de cima"?

De sua obra múltipla, destaco o ensaio intitulado "A formação do povo sergipano", no qual discute, entre outras coisas, em minha opinião, o pior dos males culturais sergipanos, o provincianismo. Esse é um assunto que, por si só, mereceria um espaço único e, fazê-lo aqui, me levaria a perder o foco sobre o professor Silvério. Por isso deixarei a sua discussão para outro momento. Não perco a ocasião, porém, para acrescentar que Silvério Fontes foi também, por merecimento, membro da Academia Sergipana de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe.

*Advogado e Professor de Direito da UFS.

Texto reproduzido do site: primeiramao.blog.br

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