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Foto reproduzida do site: revistagambiarra.com.br
Publicado originalmente do site do Portal Infonet, em
31/01/2011.
Operação Cajueiro, 35 anos.
Por Marcos Cardoso.
A ditadura militar implantada a partir do golpe de março de
1964 atingiu o máximo da brutalidade em Sergipe com a Operação Cajueiro, assim
cognominada pelo Exército. No dia 20 de fevereiro, faz 35 anos que uma força
especial vinda da Bahia, sob as ordens do general linha-dura Adyr Fiúza de
Castro, comandante da 6ª Região Militar, sediada em Salvador, prendeu
arbitrariamente 25 sergipanos, processando 18 deles, além de processar também o
então deputado estadual Jackson Barreto, que não chegou a ser preso. Essa força
especial reunia elementos do temível DOI-CODI, do DOPS e da Polícia Federal e
agiu em Aracaju sob as ordens do tenente-coronel Oscar Silva.
A acusação, que nem cabia a alguns deles, era de serem
ligados ao proscrito Partido Comunista Brasileiro (PCB). A operação realizada a
partir de uma tarde de 1976, véspera de Carnaval, obedecia na verdade a uma
ordem nacional que era a de acabar com o Partidão, a exemplo das demais siglas
clandestinas. No bojo desse recrudescimento da onda anticomunista, foram
assassinados nas celas do DOI-CODI, em São Paulo, o jornalista Wladimir Herzog,
em outubro de 1975, e o operário Manuel Fiel Filho, em janeiro de 1976.
“Em início de 1976, enquanto as demais organizações de
esquerda estavam praticamente desativadas (o PC do B havia sido vencido na sua
experiência no Araguaia em 1974), o PCB, além de possuir representantes na
Assembléia Legislativa (Jackson Barreto) e na Câmara de Vereadores (Jonas
Amaral), praticamente controlava o Sindicato dos Petroleiros, o Sindicato dos
Bancários, alguns centros acadêmicos da UFS e o DCE. Tinha militantes ativos
junto aos trabalhadores rurais e exercia alguma influência em diversos órgãos da
sociedade civil e do Estado. Nas circunstâncias de então, era uma presa
invejável para qualquer sigla clandestina, fato que os militares não ignoravam.
Daí a intensificação das perseguições”, conta o historiador Ibarê Dantas, em A
Tutela Militar em Sergipe – 1964/1984.
Dentre os presos em Sergipe estavam pessoas hoje conhecidas,
e vivas para contar a história, como os ex-vereadores Antônio Góis, Marcélio
Bonfim e Rosalvo Alexandre, o aposentado da Petrobras Milton Coelho — que ficou
cego devido à pressão da borracha que lhe vendava os olhos —, e o advogado
Wellington Mangueira. Este, ainda debilitado por torturas e sevícias que
sofrera ao lado da mulher, Laura Marques, em 1973, foi um dos primeiros a serem
soltos, supostamente após assinar uma carta renegando a doutrina do comunismo —
coisa que ele garante jamais ter feito. O fato, a soltura de Wellington uma
semana depois de iniciada a Operação Cajueiro, resultou em acusações injustas
que até hoje alguns insistem em imputar contra ele, como a de ter sido colaborador
dos militares. Os advogados Carlos Alberto Menezes e Elias Pinho de Oliveira
teriam sido presos por engano.
Nos mesmos dias das prisões, que se prolongaram até 23
daquele mês, os presos eram encaminhados para o 28º Batalhão de Caçadores. O
comandante do quartel, o coronel Osman de Melo e Silva, havia sido afastado
pelo general Fiúza de Castro, um explícito defensor da tortura que queria que
seus homens ficassem à vontade para “trabalhar”. “Entre os depoimentos dos
militares, colhidos pelos pesquisadores do CPDOC e publicados em três volumes,
ninguém defendeu o uso da tortura de forma tão explícita como ele”, diz Ibarê
Dantas. O historiador recorda o que aconteceu nos porões do 28° BC:
“No Quartel, segundo depoimentos de alguns deles, colocavam um
capuz que pressionava fortemente os olhos com borracha, despiam-no e, algum
tempo depois, vestiam um macacão. Submetiam a exame médico, trancavam numa cela
incomunicável, e realizavam os interrogatórios entremeados de torturas, cujo
nível dependia do estado de saúde e da capacidade de resistência do indivíduo
(uma das curiosidades dos inquisidores era detectar onde se realizavam as
reuniões clandestinas, para respaldar a acusação). Alguns que reagiram à prisão
já foram recebidos debaixo de tapas. Quase todos teriam sofrido pancadas na
cabeça, ‘telefones’, choques nas partes mais sensíveis do corpo, da língua aos
testículos, bem como tentativas de afogamento, golpes na altura dos rins de
ambos os lados do corpo, entre outras sevícias (alguns sergipanos teriam
participado ativamente dessas operações, entre os quais o capitão Morais e até
juízes de futebol ligados ao Exército: Siqueira, Barreto Góis, Cruz e Sargento
Souza). Decorridos cerca de cinco a sete dias de padecimentos, os prisioneiros
puderam comunicar-se com os colegas. Um deles, Milton Coelho de Carvalho, quem
mais resistiu às torturas, quando lhe foi retirado o capuz, além das marcas de
ferimento no rosto, comum a quase todos, estava com deslocamento incurável de
retina. As três cirurgias posteriores a que foi submetido e os tratamentos
demorados jamais lhe restituíram a visão.”
Em maio de 2009, a Caravana da Anistia do Ministério da
Justiça julgou, na sede da OAB em Aracaju, 34 processos de sergipanos que se
declararam vítimas do regime militar: 22 processos foram deferidos, as vítimas
declaradas anistiadas e o presidente da Comissão de Anistia, em nome do Estado
brasileiro, desculpou-se pelo sofrimento causado a cada um desses cidadãos que
ousaram lutar pela democracia. Dezoito anistiados tiveram reconhecido o direito
de serem indenizados ou de terem corrigidas indenizações anteriormente
conquistadas. Um deles foi Antônio José de Góis, o Goizinho, que ficou
decepcionado com a indenização de R$ 55.800. Preso na Operação Cajueiro,
Goizinho foi torturado e permaneceu 21 dias encarcerado.
A Operação Cajueiro, passados já 35 anos, não deve ser
lembrada como motivo de comemoração. Mas também não deve ser esquecida. Como
uma ferida incurável que dói, deve ser rememorada por toda a vida. Para que
arbitrariedades como essa jamais voltem a se repetir. Sob nenhum pretexto.
Texto reproduzido do site:
infonet.com.br/blogs/marcoscardoso
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