quinta-feira, 7 de abril de 2016

“A literatura é sempre maior que nós” (Antônio Carlos Viana)

Foto: Maurício Mangueira/Divulgação
Publicado originalmente no site do Jornal da Cidade, em 04/04/2016.

“A literatura é sempre maior que nós”
Por: Gilmara Costa/Equipe JC

Sem excessos na escrita, Antônio Carlos Viana conquista leitores e abocanha prêmios, a exemplo do organizado pela Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA), com o livro “Jeito de Matar Lagartas” (2015), e anteriormente em 2009, com a obra “Cine Privê”. Indo direto ao ponto (sempre!), ele aponta o essencial na atividade de escritor e afirma que quem faz o livro é o leitor. Considerado um dos maiores contistas do país na atualidade, Antônio Carlos Viana revela que escrever é um ‘suadouro’ e enquanto leitor destaca a curiosidade em saber se os ‘bonzões’ Rubem Fonseca e Dalton Trevisan também compartilham das dificuldades da escrita. E assim, a conta gotas de suor e tinta, ele resiste à ‘seca’ das palavras movido por um ‘correr da pena’ que tem sede. É sobre isso e muito mais, que Antônio Carlos Viana conversa com o JORNAL DA CIDADE na entrevista deste final de semana. Boa leitura!

JORNAL DA CIDADE - Vencedor do Prêmio da Associação Paulista de Críticos de Artes (APCA), o livro “Jeito de Matar Lagartas” tem alcançado uma repercussão superior ao que imaginava?

ANTÔNIO CARLOS VIANA - Quando a gente lança um livro, não espera que ele terá uma repercussão grandiosa. Tolo quem pensar assim, porque leitor é classe muito cismada. Basta um não gostar que passa a ideia adiante, o outro mais adiante, o famoso boca a boca, e o livro não se realiza. Porque é o leitor quem faz o livro. O papel do escritor é escrever da melhor forma que puder, porque às vezes perdemos o round por uma ou outra frase mal escrita, por alguns clichês, por uma personagem sem interesse humano. A literatura é sempre maior que nós. É preciso ter humildade para saber que nem tudo vai dar certo. Tanto que, às vezes, de dez páginas escritas num dia sobram apenas cinco. “Jeito de Matar Lagartas” teve boa acolhida desde os primeiros momentos e isso ajudou muito a divulgá-lo. A internet hoje faz o boca a boca mais rápido e eficiente, e a notícia, sendo boa, angaria logo um monte de leitores. O prêmio da Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA) deu mais um belo empurrão e o livro ganhou mais repercussão ainda. Às vezes, acho que é sorte. Um livro meu que não teve essa mesma sorte e que só agora, na esteira do “Lagartas”, está sendo redescoberto é “Aberto está o inferno”, de 2004.

JC - Ao que credita a boa aceitação do público à publicação permeada pela morte, descobertas da adolescência e conflitos da velhice? Acredita que as pessoas encontram nos contos uma identificação com os personagens?

ACV - Um livro toca o público leitor quando lhe fala de problemas que lhe são muito próximos. Quem nunca passou pelos percalços da adolescência, pelas descobertas do sexo, quem, vivendo muito, não terá problemas com a velhice, por mais saudável que seja? E tem também a morte, que é uma preocupação constante do ser humano. Tocando esses temas, cria-se logo uma identificação com o leitor. Mas não é só expor o tema, há os ingredientes literários que devem ser trabalhados de forma muito sutil, para não tornar o livro nem muito acadêmico, nem muito vulgar. Tudo é questão de linguagem. O autor precisa trabalhar a isca.

JC - Na atual conjuntura política, econômica e cultural, existiria um “Jeito de Matar Lagartas”? Qual seria ele na visão do escritor?

ACV - O único jeito de matar essas lagartas que estão destruindo o Brasil é dar educação ao povo para que ele saiba escolher melhor seus representantes. Mas aí temos um paradoxo: como eles vão querer educar o povo, se é da ignorância que eles sobrevivem? Pensar que prendendo esse monte de ladrão vamos acabar com a corrupção é ilusão. É bom que prendam, mas os tentáculos desse monstro são muito difíceis de cortar, pois parecem renascer a cada geração que chega ao poder. É algo muito enraizado. Só mesmo educação, educação, educação. Mas uma boa educação no Brasil virou utopia. A “Pátria educadora” virou pó.

JC - O que significa ser considerado um dos maiores contistas da atualidade no país?

ACV - Essa pergunta é muito difícil de responder. Se eu disser que sim, caio no “estou me achando”, quando na verdade não estou. A crítica diz isso, mas, na hora em que sento para escrever um conto, minha sensação é outra. Tenho as mesmas dificuldades que tinha no começo. Parece que a gente está sempre recomeçando. Eu queria saber se os bonzões mesmo, como Rubem Fonseca e Dalton Trevisan, também sentem essa dificuldade. Escrever para mim é um suadouro. O leitor lê um conto e pensa “puxa como ele escreve ao correr da pena!”, mas é pura ilusão. O “correr da pena” é fruto de muito trabalho, coisa de doido mesmo. Paul Valéry dizia que desconfie daquilo que vem com facilidade. As facilidades poéticas e narrativas são um doença de difícil cura.

JC -E qual a avaliação que faz da produção sergipana na literatura?

ACV - Temos gente nova escrevendo bem. Pena que a produção fique restrita ao nosso estado. O livro é geralmente bancado pelo próprio autor, o que o encarece bastante. Falta-nos uma política do livro, uma editora com distribuição nacional. Mas isso não é nada fácil. Pernambuco, que é um estado de muitos escritores, ainda não tem alcance nacional. Rio e São Paulo ainda são os grandes centros irradiadores da literatura. Aqui temos poetas que poderiam estar em qualquer grande editora do Sul, mas o acesso é sempre difícil.

JC - Você tem como características o comprometimento com a exatidão da narrativa, sem excessos. Isso é algo que considera essencial em um conto?

ACV - Ah, sim! O conto não pode ser verborrágico. O leitor tem de ser capturado logo nas primeiras linhas. Se ele chega ao terceiro parágrafo e ainda não foi fisgado, o autor errou. Qualquer excesso prejudica algo que é essencial num conto: a tensão. O final também não pode ser dado antecipadamente. Se for, é sinal de que o conto fracassou. O bom desfecho é aquele que só se ilumina na última linha e, se for possível, na última palavra. Aí é mais difícil ainda.

JC - Avesso a escrever romance por conta da impaciência que diz possuir, você já revelou que até tentou, mas não deu continuidade às 80 páginas já escritas. Onde está esse romance? Não há possibilidade mesmo de retomar e finalizar?

ACV - Realmente não tenho paciência para ficar em cima de um livro que só iria terminar dali a dois ou três anos. E se fracassar? Tempo perdido. Escrevi 80 páginas de um possível romance mas me cansei. A história foi perdendo força. Decididamente não nasci para ser romancista. Admiro muito quem tem fôlego para escrever um livro de mais de duzentas páginas. Eu não consigo. Só se me baixar o espírito de Balzac.

JC - O que tem sido leitura obrigatória, prazerosa e inspiradora para você nos últimos meses?

ACV - Quando o escritor fica na aridez, a única saída é a leitura. Eis um momento difícil, a gente acha que nunca mais vai escrever. Estou passando por isso. Recorro aos bons autores e eles realmente instigam o desejo de voltar à escrita. Ler uma frase benfeita, acompanhar uma personagem bem construída criam em nós a vontade de querer fazer parecido. O que li de inspirador nesse tempo de seca pós “Jeito de Matar Lagartas” foram autores como Carson McCullers, John Williams, Elvira Vigna, Rubem Fonseca. Estou terminando um livro muito instigante que ganhou o Prêmio Sesc 2014, “Enquanto Deus não está olhando”. A autora, Débora Ferraz, tem um fôlego invejável já no seu primeiro romance, 366 páginas. Além da leitura de bons autores, terapia também ajuda.

JC - E quanto à escrita, você tem produzido contos com vistas à publicação de uma nova obra? Se positivo, qual seria a previsão de lançamento?

ACV - Por enquanto não. Estou na fase da seca. Tenho muitos contos começados, mas nenhuma vontade de terminar. Talvez seja fruto de minhas exigências altas demais. Às vezes me dá vontade de parar, mas algo mais forte me faz ir adiante. Quando publiquei “Cine Privê”, achei que era o último e não foi. Veio “Jeito de Matar Lagartas”. Tomara que seja sempre assim.

Texto e imagem reproduzidos do site: jornaldacidade.net

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