quinta-feira, 6 de abril de 2017

Os comunistas de Sergipe: A política proibida

Foto: Arquivo PCB Nacional/Divulgação.
Postada por Isto é SERGIPE, para ilustrar artigo.

Publicado no blog Primeira Mão, em 20 de abril de 2014. 

Os comunistas de Sergipe: A política proibida
Por Afonso Nascimento*

Os comunistas do “partidão” são a matriz da esquerda sergipana. As suas origens, não como indivíduos, mas como membros de uma instituição, são desconhecidas em termos de fontes documentais. Por ora, se alguém deseja se debruçar sobre essa questão, tem que recorrer a fontes orais, ou seja, a depoimentos de velhos militantes do PCB. Geralmente, quando interrogados a respeito do começo de sua existência institucional, eles sempre respondem que foi em 1922. Noutras palavras, a mesma data da fundação do PCB do Rio de Janeiro. Isso parece improvável, porque implicaria uma grande articulação em nível nacional num tempo em que os meios de comunicação e de transporte eram muito precários. Eu tenderia a pensar que essa fundação pode ter ocorrido em meados ou fins da década de 1920. Durante os tempos da ditadura dos interventores de Getúlio Vargas, o ativismo político comunista não é algo que se questione.

Os comunistas de Sergipe funcionaram sob dois formatos institucionais, a saber, como partido e como organização. Enquanto partido, a sua existência foi muitíssimo curta, e ocorreu com o fim da ditadura dos interventores quando conquistaram alguns poucos mandatos eletivos. Depois desse tempo, lograram eleger políticos sob o guarda-chuva institucional de partidos como o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB). Para efeito dessas reflexões, não estou interessado na transformação do PCB sergipano em PPS ou nas tentativas de fazer funcionar o velho “partidão” a partir do fim dos anos 1980. Por outro lado, enquanto organização, os comunistas de Sergipe tiveram uma existência longeva, de mais ou menos setenta anos, mesmo com suas crises, com seus rachas e com seus desmantelamentos causados pelos diversos ciclos repressivos em tempos de democracia e em tempos de ditaduras civil e militar.

Não é demais dizer que eles foram os ativistas mais persistentes e mais teimosos da história política sergipana. Com efeito, os comunistas de Sergipe quase sempre trabalharam na adversidade, na ilegalidade e na clandestinidade. Em diversos momentos, a sua política foi tolerada informalmente, mas não deixou de ser ilegal. A sua política foi quase sempre proibida. Assim sendo, é de esperar que pesquisadores busquem fontes documentais para tratar de sua história? Em minha opinião, as melhores fontes para falar de sua história ainda são aquelas dos arquivos da justiça estadual e da justiça militar porque nesses processos judiciais estão anexadas provas de sua militância ilegal. Esse trabalho, que eu saiba, ainda não foi começado em Sergipe e, acho, no Brasil.

A estruturação institucional dos comunistas de Sergipe parece ter sido sempre muito frágil. A sua instituição comportava os seus grupos dirigentes, os militantes e os simpatizantes. Os grupos dirigentes são as elites comunistas (a direção estadual), os militantes são os tarefeiros distribuídos em bases e os simpatizantes são as pessoas que davam apoio, prestavam solidariedade em bons e maus momentos. Dizendo em outras palavras, sempre houve uma divisão e uma hierarquia no trabalho político entre os que mandavam e entre aqueles que faziam funcionar a organização no cumprimento de decisões tomadas pelo famoso centralismo “democrático”. Essa estrutura aracajuana tinha ramificações em meia dúzia de cidades do interior de Sergipe (Itabaiana, Estância, etc.). Acrescente-se a isso os laços dos sergipanos com os comunistas da Bahia.

Em se tratando de uma organização política trabalhando à base da desobediência civil e à margem da política permitida (tendo no seu encalço as diversas leis de segurança nacional), os comunistas de Sergipe sempre tiveram o seu próprio sistema de segurança, para prevenir quedas de seus quadros nas investidas do sistema de segurança estadual e federal do Estado em Sergipe – existindo entre os dois sistemas, o comunista e o estatal, a diferença de o primeiro ser defensivo e de o segundo ser repressivo. Do sistema de segurança dos comunistas sergipanos faziam parte codinomes, esconderijos, senhas, rotas de fuga, sítios e casas para reuniões, etc. Minha impressão é que o sistema comunista segurança era muito débil, visto que, nas prisões e nos processos judiciais, as forças repressivas nunca erravam – mesmo que os indiciados fossem absolvidos de justiça por falta de provas. A pequenez territorial da sociedade sergipana e o peso das relações pessoais (“Em Sergipe, todo o mundo se conhece”) tornavam o trabalho de vigilância e de repressão mais fácil, quando os agentes da repressão decidiam agir.

O recrutamento de quadros para o “partidão” em Sergipe ocorria em muitas instituições. Não dá dizer quantos ou quais eram os modos de abordagem. Havia o recrutamento de dentro de famílias já com histórico comunista; havia o recrutamento em sindicatos, escolas e locais de trabalho em geral, em que pesavam as relações pessoais, as amizades, laços corporativos, etc; havia ainda o recrutamento de desconhecidos com a distribuição de jornais etc., testando o recrutador a “sensibilidade social” do candidato a comunista para temas de acordo com cada período histórico. Não pode deixar de ser dito que, recrutar quadros para atividades políticas ilegalizadas (que poderiam ter como consequências perseguições, prisões, perseguições, torturas e mortes), devia ser um exercício de muita habilidade e capacidade de persuasão para membros que, sem ser categórico, mais pareciam ser de classe média.

A socialização de comunistas sergipanos é um capítulo à parte. Implicava a oferta de cursos de formação política com textos do marxismo-leninismo, manuais de marxismo como o de Georges Politzer, entre outros. Esses cursos eram dados por intelectuais do partido (como Jackson “Tetéia” Figueiredo, Wellington Mangueira, etc.) a novos membros organizados em grupos de estudos que se reuniam em sítios, chácaras, casas, clubes, etc. Para as elites comunistas de Sergipe, havia a possibilidade de receberem cursos de formação política na União Soviética como foram os casos de Wellington Mangueira Marques e Marcélio Bonfim. Depois da teoria vinha a prática política dos militantes que consistia em ações de distribuição de jornais comunistas, saber fazer uso de mimeógrafos, fazer pichações, mobilizar grupos para greves, marchas, manifestações, etc. Não dá para dizer quais foram os números desses quadros nos diversos períodos de sua história – e muito menos o grau de comprometimento dos seus militantes e como se afastavam da organização.

O financiamento do “partidão” é um assunto bem desconhecido. Para todos os efeitos, o ativismo comunista era voluntário. Todavia, fazer funcionar uma organização implica, ontem e hoje, despesas, contas a pagar, etc. Dinheiro vindo de Moscou? È possível. Oficialmente, os velhos comunistas falam em campanhas para arrecadação de fundos de diversos tipos e financiar suas atividades. Por outro lado, os militantes não eram certamente remunerados, porém é possível que as elites comunistas recebessem, não sei com que extensão, regularidade ou valores, alguma forma de “remuneração”e detinham o controle do caixa.

Existiram três importantes áreas de atuação para os comunistas de Sergipe: a sindical, a estudantil e a política – além de um varejo distribuído em diversos setores.  A sindical foi importante durante o estado populista (1930-1964), quando os comunistas foram hegemônicos, inserindo-se principalmente nos setores urbanos do sindicalismo sergipano (ferroviários da Leste, funcionários dos Correios, etc.) e um pouco no sindicalismo rural em parceria com a Igreja Católica. Na verdade, os comunistas sergipanos foram- como, de resto, todos os brasileiros - beneficiários da organização corporativista que Vargas deu aos sindicatos. Com o advento da ditadura militar (1964-1985), perderam espaço na área sindical, especialmente com a emergência do “novo sindicalismo” sergipano.

Embora o ativismo estudantil não se inaugure com o regime varguista, este lhe deu novo arcabouço institucional e novas regras para funcionar no país inteiro e para servir de meio para legitimar essa ditadura civil. Os comunistas de Sergipe souberam se aproximar do movimento estudantil, sendo bastante influentes, por exemplo, da estudantada secundarista do Colégio Atheneu por muitas décadas, onde formaram seguidos grupos de quadros que continuaram a militância nas faculdades e na política partidária até os anos 1970. Celeiro comunista, o Atheneu era uma escola secundária que contava com alguns professores abertamente comunistas como Ofenísia Freire, seu marido, Margarida Costa, entre outros.

A política era uma prática social proibida aos comunistas de Sergipe. O que lhes sobrava então? Depois da maluquice de 1935 (chamada pelos militares de “intentona” comunista, quando os comunistas brasileiros tentaram tomar de assalto o poder no Brasil), os comunistas sergipanos se limitaram a querer influenciar o poder. Transformaram-se num grupo de influência política, lançando candidatos seus e outros por eles apoiados, ocasiões em que funcionavam para estes como excelentes cabos eleitorais. Quando lhes foi permitida uma nova legalidade em fins dos anos 1970 e 1980, não sabiam trabalhar na legalidade e, para complicar, tinha terminado a Guerra Fria, caíra o Muro de Berlim, e a sua referência internacional, a Rússia decidira seguir a trajetória do capitalismo.

Não quero terminar esse pequeno texto sem me interrogar sobre as funções que cumpriram os comunistas sergipanos. Elas foram muitas, a saber, a) difundir a doutrina comunista entre os sergipanos, remando contra uma maré anticomunista generalizada; b) levantar e pôr a gravíssima questão social sergipana na ordem do dia por diversas décadas do século passado, animando diversas instituições sociais e políticas; c) lutar contra duas ditaduras, uma civil e outra militar e; d) dinamizar a política sergipana que, do contrário, não teria passado de um “cemitério de oligarquias”. Os comunistas sergipanos não foram nem heróis, nem bandidos, nem vítimas. Considerando as condições históricas e políticas, eles cumpriram - nem mais, nem menos - o papel que lhes foi possível no quadro da política de Sergipe.

* Professor de Direito da UFS.

Texto reproduzido do blog: primeiramao.blog.br

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