domingo, 2 de abril de 2017

Era Uma Vez Uma Rua


Publicado originalmente o Facebook/Lilian Rocha, em 30 de março de 2017.

Era Uma Vez Uma Rua. 
Por Lilian Rocha.

Assim que desci do táxi, na esquina da praça do palácio, parei diante dele. Um suntuoso prédio de andar, transformado em uma loja de roupas populares, que atende hoje pelo nome de “Center Pálace”. Não resisti e entrei.

Mas não entrei no ‘Center Pálace’. Entrei no meu velho e querido “Cine Pálace”, pra tentar reencontrar algum vestígio do passado e acalmar minha saudade que já começava a doer...
No enorme hall de entrada, onde ficava a bilheteria, hoje repousam dezenas de araras repletas de camisas masculinas, à espera de um comprador. Continuei em frente, fingindo que estava entrando no cinema mais elegante de Aracaju, do meu tempo de adolescência. O único com “ar refrigerado e “cadeiras acolchoadas”, um verdadeiro luxo!

Procurei vestígios das pinturas de Jenner Augusto nas paredes e lá no fundo, busquei o palco e a imensa cortina vermelha, ainda fechada, esperando o filme começar. De repente, eis que as luzes se apagavam e o prefixo musical se fazia ouvir. Nosso coração batia forte. Era o sinal de que o filme ia começar...
E lentamente, a cortina de veludo ia se abrindo, enquanto nossos olhos continuavam aflitos, procurando reconhecer, no escuro, se aquela pessoa que estava chegando atrasada era finalmente aquela por quem tanto estávamos esperando...

De repente, um vendedor se aproximou de mim e perguntou se eu desejava alguma coisa. Fiquei olhando pra ele com o olhar distante, agarrada ainda às minhas lembranças, mas ele insistiu. Inventei que queria alguma camisa de uma cor e um modelo que não existia, só pra que ele desistisse de mim. E ali fiquei por mais alguns minutos, em meio àquele mar de roupas penduradas, tentando encontrar o que há muito já havia deixado de existir...

Desanimada, fechei a cortina das minhas lembranças e saí dali. Novamente na calçada, fui refazendo, instintivamente, o mesmo trajeto que eu costumava fazer, no início da década de 70. Naquele tempo, Aracaju era bem pequenininha e era no centro, mais especificamente nas ruas João Pessoa, Laranjeiras e Itabaianinha, que a gente encontrava tudo o que queria: roupas, sapatos, discos, cinema, ótica, joalheria, banco, salão de beleza, tudo enfim! Era o nosso “shopping”!

Mas a minha rua preferida, sem dúvida, era a João Pessoa. Era a mais chic da cidade! É muito difícil imaginá-la hoje sem o calçadão, mas eu fechei os olhos e vi tudo de novo. Vi os carros circulando normalmente, vindos da praça Fausto Cardoso e junto com os carros, dezenas de antigos estabelecimentos também foram vindo à tona, como num passe de mágica: a “P. Franco”, uma loja enorme de eletrodomésticos, dona da vitrine mais bonita, que fascinava até mesmo quem não era dona de casa como eu; a “Dernier Cri”, a sapataria mais elegante da cidade; a “Casa Schuster”, cujo slogan “difícil de pronunciar, mas fácil de encontrar”, eu nunca me esqueci; o banco "Dantas Freire", a joalheria “Cristal”, mais antiga e mais feia do que a “Safira”, mas com preços mais em conta do que esta; as livrarias “Nascimento” e “Monteiro”, onde a gente comprava o material escolar, (minha preferida era a Monteiro, pois eu encontrava quase todos os livros da lista de uma só vez!); o edifício Mayara, onde ficavam os consultórios dos meus tios dentistas, Afranio e Sylvia; a farmácia “Lyra”, em frente à Igreja São Salvador; o cine “Rio Branco”, o mais antigo e mais aconchegante de todos; a livraria “Regina”, onde meu pai lançou seu primeiro livro, "Meu capim de burro"; a "Alteza Modas", uma enorme loja de calçados, a 'Casa Cristal", cujos balcões de madeira, enormes e antigos me deslumbravam; a “Fotosom”, onde eu levava as fotos pra revelar; a "Tito´s", loja de roupas masculinas; a “Lobrás” (Lojas Brasileiras, antiga "4 e 400") e "Os Gonçalves", uma enorme loja de tecidos. Naquele tempo, comprar roupas prontas era quase um luxo, por isso, quase todas as nossas roupas eram feitas em casa, por alguma costureira contratada. Escolhíamos os modelos pelas revistas de moda (geralmente "Manequim"), comprávamos os tecidos, linhas, feches, elásticos e botões e a costureira se encarregava do resto. Ao fim do dia, lá estavam 3 vestidos, 2 blusas e 2 calças, tudo novinho e igualzinho à revista, pendurado no armário!...

Bem no meio do segundo trecho da rua João Pessoa, entre uma loja e outra, havia uma escada bem alta e estreita que ia dar num salão de beleza, conhecido simplesmente como “o salão de Taís”. Não me lembro do rosto dela, nem sei o que aconteceu com ela, mas me lembro perfeitamente do salão, pois era ali que todo mundo cortava o cabelo. Sempre que passo em frente a essa escada, tenho vontade de subir pra ver o que agora funciona ali...

Na rua Laranjeiras, outras casas igualmente famosas: “O Cantinho da Música”, um cantinho minúsculo e apertado que cheirava a doce, pois vendia discos de um lado e balas, chocolates e pirulitos do outro; “O Gavetão”, uma loja de roupas masculinas toda moderna; a "Relojoaria Fontes”, “A Sugestiva”, minha loja de discos preferida, onde comprei meus primeiros “compactos” (disquinhos pequenos que só tinham uma música de cada lado) e depois minha primeira radiola portátil! E bem na esquina, a imponente agência do Correio, para onde eu me dirigia quase todas as manhãs, para cumprir um ritual que eu adorava: pesar as cartas, comprar e colar os selos e depois sair suspirando, ansiosa pelas respostas que não tardariam a chegar...

A cidade era tão pequena que parecia caber inteira em nossas mãos. Frequentávamos os mesmos lugares e, por isso, quase todos se conheciam.
Com exceção do Correio e de umas poucas lojas, quase nada mais daquele tempo existe. A rua João Pessoa hoje é quase uma estranha pra mim. Não reconheço mais suas lojas, nem seu ar de aristocrata. Virou uma rua comum, repleta de lojas parecidas, que possuem os mesmos fornecedores e vendem os mesmos produtos.
Foram-se os cinemas de rua e, com eles, os saudosos cavaletes de madeira onde se colocavam cartazes de cinema, para anunciar os filmes em cartaz (e, aos domingos, a farmácia que estava de plantão)...
Farmácias foram vendidas, muitas lojas foram engolidas por outras e multiplicaram-se as opções de lazer, quase todas agora bem longe dali.

Minha querida rua perdeu a identidade. Mas pra mim, ela vai continuar sempre a mesma, cenário de tantas lembranças boas, por onde de vez em quando minha saudade insiste em passear...

(Lilian Rocha - 30.3.17).

Imagem extraída do blog de Eudo Robson: aracajusaudade.blogspot.com.br

Texto e imagem reproduzidos do Facebook/Lilian Rocha.

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