sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

Dom Luciano Duarte: noventa anos nas páginas da história de Sergipe I


Publicado originalmente no site do Jornal da Cidade, em 28/01/2015.

Dom Luciano Duarte: noventa anos nas páginas da história de Sergipe (I).
Por Pe. Gilvan Rodrigues.

Trazendo a lume a memória de Dom Luciano Duarte, Arcebispo Emérito de Aracaju, nas páginas da História de Sergipe, gostaria de fazer reminiscências de alguns momentos em que tivemos a graça de sua pessoa no Seminário Menor de Aracaju, lá pelos idos da década de oitenta.

Qual bom pedagogo que era, ele nos ensinou que “bom pedagogo” nunca fala assentado. Essa postura, de alguma maneira, arrefece e amortece a expectativa do auditório. Então, quando alguém vinha interpelado por alguma pergunta, ele dizia: “Levante-se, fique de pé, vire-se para seus colegas e fale!” – “Falar o quê?”. Trago à mente a explicação filosófica, que ele quis de um seminarista, do seguinte pensamento de Henri Bergson, um de seus filósofos franceses preferidos: “A alma espiritual do homem é um longo período, uma longa frase, com ponto, dois pontos, ponto e vírgula, reticências, mas, que não tem, jamais, um ponto final [...]”. O seminarista, certamente muito emocionado ou tremendo de nervosismo, levantou-se, virou-se para os demais companheiros e começou a girar o dedo indicador direito em derredor da cabeça, como que para auxiliar a elaboração das ideias, e disse, entaramelando e tartamudeando: “é, é, é, é [...]”. A mão continuava girando, e o pensamento, que parecia vir à manivela, tinha desaparecido. No auge da enrubescida aflição, Dom Luciano nos questionou: “E, então, vamos ajudar o nosso amigo?” A descontração foi geral: “Vamos, Dom Luciano!” Nossa ajuda era tão somente a de um espectador, de igual modo, impotente. Foi quando Dom Luciano sugeriu-lhe: “Repita comigo: ‘o filósofo francês, Henri Bergson, com este pensamento, quis dizer o seguinte [...]”. E a explanação, repetida pela vítima, precipitou-se nas minúcias engenhosas da literatura astuciosa que só a habilidade de um bom e bem preparado filósofo poderia entrelaçar nas teias improvisadas da artimanha irrefutável de seu raciocínio, tão surpreendente quanto convincente.

Terminada a explicação, outra pergunta voltou ferina: “E, então, vocês gostaram da explicação do nosso amigo?” E a aclamação, uníssona, subiu num grito do meio dos seminaristas: “Sim, Dom Luciano” . E ele acrescentou: “Palmas para ele!” A festa foi maravilhosa. Porém, houve um detalhe que só ele percebeu e nos tornou conscientes: “Quem é aplaudido não se aplaude porque é uma gravíssima falta de educação.

Entenderam?” E respondemos que sim, “entendemos”. Porém, ele sempre nos fazia cair nos artifícios de nossas próprias contradições. “Muito bem! Então, palmas para vocês!” A esparrela foi inevitável. Todos aplaudimos e demonstramos que não tínhamos entendido, praticamente, nada. Como habitualmente fazia, ele bateu a mão na testa e deu boas risadas às nossas custas. O melhor de tudo isso era que o seu jeito lúdico de ensinar verdades simples através do contundente estilo da ironia crítica e humorística, sem dispensar a virulência proporcionada pela ocasião, não feria nem ofendia ninguém. Pelo contrário, quem nos jogava no formigueiro do interrogatório, era o mesmo que nos livrava das formigas inconsequentes das respostas. Vez por outra, ele trazia um de seus livros, escolhia um texto e pedia que um seminarista lesse e, depois, fizesse a interpretação do texto. Do livro “Índia a voo de Pássaro”, escolheu o relato de seu encontro com o Patriarca Atenágoras I, de Istambul, antiga Constantinopla. Tratava-se de uma entrevista que lhe tinha sido concedida pelo referido Patriarca. Acabada a leitura, eis que o seminarista não se lembrava, nem sequer, do nome do indivíduo. Mas a demência, a deterioração mental, era comum a todos. Um nome completamente estranho e escutado pela primeira vez, quem se lembraria? Nem mesmo eu. Vindo em auxílio, Dom Luciano, mais uma vez, questionou: “Vamos ajudar o nosso amigo?” Claro: “Vamos, Dom Luciano!” E a pilhéria costumeira, no bom sentido do termo, outra vez, ocupava a cena. O que fez Dom Luciano? Começou a declinar os nomes das autoridades políticas do Estado de Sergipe, para ver se o nome coincidia, ou não, com o da leitura feita: “Era fulano de tal? Era cicrano? Era beltrano?” As repostas eram, desconfiadamente, sempre negativas. Quando Dom Luciano quis saber se era Viana de Assis, o vice-prefeito de Aracaju, a resposta foi imediata: “Sim, Dom Luciano!”. Querem saber qual foi a reação? Batendo a mão na testa, ei-la: “Pelo amor de Deus!”.

Texto reproduzido do site: jornaldacidade.net

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