domingo, 22 de janeiro de 2017

Silvério Fontes: o defensor dos direitos humanos

Foto reproduzida do site: silveriofontes.com.br
Postada por MTéSERGIPE, a fim de ilustrar o presente artigo.

Publicado originalmente no site de Osmário Santos, em 15/12/2005.

Silvério Fontes: o defensor dos direitos humanos.
Por Osmário Santos.

Sergipe perdeu um dos seus ilustres intelectuais e, pelo seu valor na história cultural do Estado, republicamos o relato de sua vida em matéria do dia 12/06/1992.

José Silvério Leite Fontes nasceu a 6 de abril de 1924, na cidade de Aracaju (SE). Seus pais: Silvério da Silveira Fontes e Iracema Leite Fontes.

O pai era um homem modesto, moderado e cumpridor das obrigações. "Um exemplo de pessoas humana".

Conta que sua mãe era bastante compreensiva, dedicada aos filhos e passou a todos eles belos exemplos, principalmente, o de fé cristã.

Na casa da rua Itabaianinha, brincando com os meninos da vizinhança, passou seu período de infância e chegou a ir, em períodos de férias escolares, até a cidade de Salgado, cidade escolhida pelos pais para aproveitar o tempo de veraneio. "Foram momentos inesquecíveis, pois conseguia um espaço com maior liberdade para gastar minhas energias e me envolver com a meninada em mil brincadeiras".

Em Salgado, era comum uso de tamancos pelos veranistas que tomavam conta da cidade. Porém, Silvério deixou os tamancos de lado e não largou a sua inseparável sandália. "Ainda hoje uso".

Antes de entrar no colégio, primeiramente passou por um tempo de aprendizagem em casa, recebendo as primeiras lições de sua avó materna, que residia com seus pais.

Numa escola particular, localizada à rua José do Prado Franco, já nas imediações do Mercado Antônio Franco, passou a ter um relacionamento maior com os livros.

Foi sargento

Matriculado no Colégio Tobias Barreto, do professor Zezinho Cardoso, entrou com muita disposição para prosseguir o curso primário. Gostou do Tobias Barreto e lá estudou até o fim do curso ginasial. Um colégio militarizado, que o menino Silvério convivia, mas confessou não ter entusiasmo pelo regime: “porém, não reagia contra ele. Não era tão entusiasmado; tanto que só fui promovido no último ano do curso secundário a sargento"(risos).

Aluno de Artur Fontes, Abdias Bezerra, Garcia Moreno, Francisco Tavares Bragança e outros nomes de peso, foi beneficiado por uma geração de mestres que marcaram época na educação em Sergipe. Artur Fontes, na sua maneira eloqüente de transmitir seus conhecimentos de História, despertou em Silvério um interesse maior para esta disciplina.

No tempo em que estudou no Tobias, o relacionamento entre professores e alunos só existia em sala de aula e com muita distância. “A gente viva muito controlado. Quando havia um horário sem aula, ficavam os alunos sentados em determinado lugar, mas tinha um guarda tomando conta para ninguém conversar. Naturalmente, eles deixavam uma conversa moderada, mas, na verdade, lá estava o guarda. E o professor Zezinho era mestre na reguarda. Naturalmente, batia nos alunos indisciplinados. Naquele tempo, havia uma certa distância entre professor e aluno; porém, quando o professor chegava na sala de aula, todos, por hábito, se levantavam. Hoje em dia, quando chego para meus alunos na faculdade, quando entro e dou bom dia, um ou outro responde”.

Quando entrou no Atheneu, a fim de fazer o curso complementar, não sentiu grandes diferenças no ensino, pelo fato de encontrar os mesmos professores do Tobias. Só sentiu diferença na flexibilidade da disciplina, que era mais rígida somente em sala de aula.

Do Rex ao Guarani

Deixava as horas de folga dos estudos para ir ao cinema. Era um freqüentador assíduo das sessões vespertinas no Rex, Rio Branco e Guarani. “Pegava bang-bang, pegava tudo”.

Indo estudar em Salvador, passou por várias pensões. Na primeira, rua do Bispo, foi colega de Antônio Garcia e José Garcia. Chegou na Bahia no ano de 1941.

Foi despertado para o mundo da cultura quando estudou no Colégio da Bahia, já em preparativos para fazer vestibular na Faculdade de Direito. “Quando fazia o segundo ano pré-jurídico, estudei Sociologia e História da Filosofia, com o professor Hebert Parentes Fortes. Não foi somente pelo que ele me ensinou de filosofia e sociologia, mas pelo modo dele expor, porque a aula que dava era representada e tocada em todos os assuntos. De modo que, abriu para mim, o mundo da cultura”. Viveu na Bahia todo clima da Segunda Guerra e diz que nunca foi integralista. “Embora na faculdade, devido talvez à influência do professor Hebert Fortes, minhas idéias eram idéias fascistas. Coube ao professor Hebert, desfazer as dúvidas que eu tinha em matéria de religião. Primeira dúvida: não crer em Deus. Segunda, crer em Jesus Cristo, filho de Deus. Nesse período, passei a crer em Jesus e não tive mais problemas. Daí em diante, segui na mesma rota. Acho que o professor Hebert, contribuiu indiretamente para tirar minhas dúvidas, pois era uma pessoa muito tímida. Eu nunca falei com ele, porém na aula, respondia e pronto”.

No fascismo, sua empolgação era pelas idéias em favor do sistema autoritário. “Entendia que não havia ordem no mundo político e isso vinha das concepções liberais. Entendia que devia voltar ao regime autoritário. Muito depois é que descobri o valor da liberdade. Não pessoalmente assim, mas, contemplando os fatos, os acontecimentos da guerra, mesmo. Tinha idéias, por causa do tradicionalismo, do autoritarismo, que eram transmitidos pelos pensamentos católicos da época. Mudei de posição lendo as obras de Jacques Maritain e Alceu de Amoroso Lima.

Juventude Católica

Em Salvador, foi membro da Juventude Universitária Católica. “Participava de reuniões para estudar religião etc. Me lembro que, uma vez, Getúlio Vargas introduziu o divórcio no Brasil. Introduziu, só para permitir o divórcio de Lourival Fontes. Lourival se divorciou; dias depois, devido à pressão da Igreja, Getúlio revogou o divórcio. Então, nós fizemos uma campanha, mandamos imprimir folhetos, fomos distribuir até em entrada de cinema, etc”.

Em dezembro de 45, juntamente com Hélio Ribeiro, Antônio Fagundes, Luiz Rabelo Leite e padre Avelar Brandão, participou da formação de um grupo de jovens, em Aracaju, para trabalhar pela doutrina social da igreja. Foi esse grupo que formou o núcleo que colaborou com Hélio Ribeiro na Liga Eleitoral Católica, que teve um desempenho importante nas eleições de 1947, porque o candidato da UDN, que era Luiz Garcia, rejeitou o apoio da Liga, que exigiu dele, uma declaração de repulsa ao comunismo, já que o candidato era apoiado pelo Partido Comunista. Depois foi criada a Juventude Universitária Católica (JUC).

Pecado mortal

Quando o repórter perguntou da história da distribuição do manifesto do bispo, dizendo que, quem voltasse em Luiz Garcia, seria excomungado respondeu: “Excomungado não! Era considerado pecado mortal. Então, era uma ordem do bispo, para que todos votassem nos candidatos apoiados pelo Partido Comunista (PC). O PC, hoje, não é como naquela época. Hoje, até mudou de nome, não é? Ele era agressivo. Nós não dizíamos que ele era considerado o bicho-papão. O pessoal da burguesia era que dizia”.

Formou-se em bacharel em Direito no ano de 46, voltando para Aracaju, quando iniciou sua carreira no magistério. “Não advoguei logo; inscrevi-me na Ordem dos Advogados em 52 ou 53. Não tinha entusiasmo pela advocacia. Gostava era de ensinar”.

Primeiramente, seu contato com alunos foi na Escola de Comércio, quando ensinou Economia Política. A convite de José Rollemberg Leite, aceitou convite para ser professor interino na Escola Normal. Em 54, fez defesa de tese, sendo efetivado como professor de História do Brasil. Ensinou na Escola de Comércio, no Colégio Patrocínio São José. Em 59, defendeu tese no Atheneu, para ser professor de História Geral, quando tornou-se catedrático daquele colégio.

Assumiu o cargo de diretor técnico administrativo do Serviço Social Rural. Depois desse emprego, foi nomeado técnico de educação, quando, graças à interferência de Arnaldo Garcez com quem trabalhou como seu secretário particular durante os quatro anos do seu governo. “Naquela época, era eu quem administrava o palácio”.

Em 1962, ingressa na Escola Técnica Federal. Também participa da fundação da Faculdade de Filosofia. “Assinei a ata de fundação e passei a ensinar na faculdade. Isso foi entre 52 e 53. Em 55, passei a ensinar na Escola de Serviço Social e, no ano de 1957, na Faculdade de Direito. Ainda continua na ativa na Universidade Federal de Sergipe. “Gosto de continuar trabalhando, mas quando completar 70 anos, automaticamente serei forçado a deixar de ensinar na Universidade. Na UFS, fui chefe do Departamento de História e dei início ao Programa de Levantamento das Fontes Primárias da História de Sergipe, que foi uma abertura para os trabalhos de pesquisa que, hoje, os colegas da universidade vêm desenvolvendo”.

Partido Republicano

Filiou-se ao Partido Republicano (PR) e a escolha do partido deveu-se por ser mais pacífico do que o PSD na época. Do tempo em que participava da política, o fato mais marcante foi a reação popular à morte de Getúlio Vargas.

Sócio antigo do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe (IHGS), após a gestão de Epifânio Dória, num momento de crise do IHGS, participa da diretoria do instituto e convence a professora Thetis Nunes a aceitar à presidência do entidade cultural.

Na Ordem dos Advogados do Brasil, Secção Sergipe (OAB/SE), registra passagem na presidência e inaugura a sede da Ordem e marca época por envolver a OAB/SE nas diversas situações em que se fazia necessário a sua presença em defesa da causa da sua categoria e mais ainda às de interesse da comunidade.

Da sua luta para conseguir recursos para a compra da sede da OAB, conta um episódio interessante no momento em que foi falar com o governador da época. “Havia uma greve de professores e eles me pediram eu fosse falar com o governador João Alves para saber dele se me aceitava como mediador. Na verdade, quando fomos falar com ele, me esqueci do encargo que me tinha sido dado e, em vez de falar da proposta dos professores, falei com o governador sobre o problema da sede da OAB/SE.

Conta que, no seu tempo de presidente da Ordem dos Advogados, a OAB não era acomodada. “Lutamos muito pelos direitos humanos, mesmo com a sede da OAB instalada em prédio do governo. Todas as vezes que a polícia praticava abusos, a OAB se fazia presente em defesa do cidadão. Cheguei a receber ameaças indiretas de policiais. Mandavam recados para eu ficar quieto e que estava mexendo com algo perigoso, mas nada me intimidou”.

Com o apoio do Desembargador Luiz Rabelo Leite, muito trabalhou para a criação das varas da Justiça gratuita.

Família

Casou com Elze Silveira, em 5 de fevereiro de 1954. Lua de Mel no Rio de Janeiro, com viagem no avião da Real, que decolou do antigo aeroporto de Aracaju, no bairro Matadouro. Do casamento, sete filhos. Netos, diz que tem sete.

Um temido homem da esquerda na época do Golpe de 64. “Já é por causa das minhas posições na OAB, pois sempre lutei contra a ditadura militar e pela volta do regime democrático” .

Em 64, escapou por pouco da prisão e conta os motivos: “Fui diretor do Colégio Estadual de Sergipe (Atheneu), no governo de Sexias Dória, mas entreguei o cargo antes do Golpe de 64. Havia uma horrível situação do professorado. Salários abaixo do mínimo. Houve um movimento no meio dos professores. Na época, havia greve de professores em todo o Brasil e a gente participou do movimento grevista em Aracaju e já tínhamos participado de uma outra greve nacional no ano de 1955. Fui o presidente do comitê de greve. As greves que nós promovemos em Aracaju conseguiram adesão de todo o funcionalismo público do Estado. Foi isso que me pôs na mira dos militares. Fui depor por duas vezes. Não me prenderam por duas razões principais: tenho um irmão que era oficial do Exército em Aracaju. Só que ele era o chefe do presídio. Você acha que eles iam me prender para o meu irmão ser meu carcereiro?” (risos). A segunda razão, pela minha diabete, que já dura 42 anos”.

É membro da Academia Sergipana de Letras, na Cadeira Ivo do Prado. Durante alguns anos, colaborou na imprensa sergipana, tendo publicado constantes artigos nos jornais A Cruzada e Gazeta de Sergipe, de 55 a 64. Quando o Jornal de Sergipe pertenceu a José Carlos Teixeira, colaborou com alguns artigos. Publicou, em livros, três teses que defendeu e uma coletânea dos artigos publicados na imprensa sergipana.

Do atual contexto nacional, Silvério Fontes acha que o governo brasileiro, sob a pressão dos interesses capitalistas nacionais e internacionais, está correndo risco de uma dependência total das grandes economias: americana, européia e japonesa.

Texto reproduzido do site: osmario.com.br

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