quarta-feira, 22 de março de 2017

Bombardeio em Sergipe faz 65 anos (2007)

Imagem reproduzida do site: portalfeb.com.br/documentario
Postada por MTéSERGIPE, para simples ilustração.

Publicado originalmente no site Destak News Brasil, em 27/08/2007.

Bombardeio em Sergipe faz 65 anos (2007).
Por Célia Silva.

Aracaju, 15 de agosto de 1942. Os navios mercantes da Marinha brasileira, o Baependy e o Araraquara, são atingidos por torpedos disparados pelo submarino alemão U-507 a cerca de 20 milhas da costa sergipana. Menos de oito horas depois, às 4h15 do dia 1,6 o Aníbal Benévolo também é torpedeado nas águas de Sergipe pelo mesmo submarino. Um cenário macabro surgia já na manhã do dia 16 entre o litoral sul do Estado e o Mosqueiro.

O soldado da Força Expedicionária Brasileira (FEB) Rubens Ribeiro Cardoso, 85, estava fazendo a patrulha do litoral sul do Estado com mais 20 homens. Soldado da infantaria do 28 BC, era encarregado da defesa das praias. Na manhã do dia 16, viu os primeiros destroços dos navios, sobreviventes e mortos surgirem na areia.

"Fazia a patrulha de segurança nas proximidades da foz do rio Real, cobrindo o litoral. Não ouvimos nenhum estrondo, nem clarão, mas altas horas da madrugada nos deparamos com destroços do navio e com os primeiros náufragos. Fiquei apavorado com a cena. Minha mãe e meu irmão estavam viajando no Baependy e aquele só poderia ser ele, o Baependy. Corri para avisar do ataque ao interventor da época, coronel Maynard Gomes, e a outra parte da tropa foi buscar ajuda com pescadores e gente do lugar. Foi horrível", disse o ex-combatente. Só no dia seguinte ele soube que os parentes que estariam naquele navio teriam desistido de última hora da viagem marítima e optado por virem de trem.

O antigo soldado da FEB relembra os fatos com emoção na sede da Associação dos Ex-Combatentes do Brasil, secção Sergipe, no Centro de Aracaju. Disse que não se esquece das cenas que viu naquela madrugada e no decorrer dos dias seguintes. "Corpos destroçados, de crianças, inclusive. Uma barbaridade. Tenho tudo na minha memória", diz, com a voz embargada e as mãos trêmulas.

Zé Peixe tinha 15 anos na ocasião dos ataques. José Martins Ribeiro Nunes já nadava muito e convivia entre os marinheiros da Capitania dos Portos, em Aracaju. No período de 16 a 19 de agosto "mudou-se" para a praia, hoje conhecida como praia dos Náufragos, ajudando nos trabalhos de resgate de corpos e de sobreviventes.

"Quando acordei, soube da notícia e fui até lá para ajudar. Era triste ver aquilo. Barcos destroçados, gente morta", disse Zé Peixe, ao lembrar que a partir daquela data tudo mudou. "Não podia usar luz nos navios e Getúlio declarou guerra a partir dali", acrescentou. O Brasil envia as primeiras tropas para a guerra no início de 1943.

Três meses após o ataque, o soldado Rubens Ribeiro Cardoso deixa o Exército ao ser convocado para trabalhar em uma entidade internacional de apoio às Forças Armadas. A "Honra e Conselho Francês" era encarregada de abastecer os navios que seguiriam para o campo de guerra levando mantimentos, armamentos e tropas.
Mais de 500 mortos

Os bombardeios sucessivos ocorridos há 65 anos aceleraram o ingresso do Brasil na II Guerra Mundial (1939 a 1945). De acordo com o diretor do Arquivo Público de Sergipe, o historiador Manoel Prado, Aracaju foi a única capital das Américas a sentir tão perto um bombardeio em Guerra Mundial.

O número de mortos e sobreviventes diverge entre os documentos oficiais. Dados que constam da obra "Agressão – Documentário dos fatos que levaram o Brasil à guerra", publicada em 1943 pelo Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), apontam para 551 mortos nos navios Baependy, Araraquara e Aníbal Benévolo. "É preciso que seja feita uma revisão na história, pois os dados divergem. Precisamos fazer uma releitura", acentuou a historiadora, autora de estudos sobre o assunto, Maria Nely Santos.

Comoção geral.

Mais duas embarcações e um veleiro foram torpedeados – Itagiba, Arará e Jacira – essas em águas do litoral baiano, entre os dias 17 e 19 pelo mesmo submarino, tornando o período de 15 a 19 de agosto um marco triste na história sergipana. Nos dois primeiros, navios de cabotagem, desapareceram 59 pessoas. Já do Jacira, pequena embarcação, não houve baixas.

Nesses três bombardeios, os navios passavam próximos a Sergipe, aumentando a comoção de sergipanos com os torpedeamentos. "Até então, as notícias da guerra chegavam a Aracaju através dos jornais ou do rádio. Era tudo muito distante, mas de repente ela tornou-se muito próxima a nós", disse a historiadora.

"Em Aracaju, o ataque ao Baependy provocou reação emocionada na população", complementou o diretor do Arquivo Público do Estado. Manuel Prado, que elaborou uma cronologia dos 150 anos de Aracaju e disse que o dia 15 de agosto foi dos mais importantes e aterradores já vividos na capital.

Muros de casas de italianos e alemães ou seus descendentes foram pichados e pessoas agredidas. Uma das vítimas da histeria que tomou conta principalmente de estudantes foi a família do italiano Nicola Mandarino. O casarão em que morava, nas imediações do Parque Teófilo Dantas, Centro da cidade, foi apedrejado, invadido e o piano destroçado. Os familiares tiveram que fugir às pressas com medo da horda. Em Florianópolis e Pernambuco, agressões semelhantes ocorreram. "Eram ataques à chamada quinta coluna, grupos que apoiavam o nazismo", falou Manuel Prado.

II Guerra Mundial teve 300 sergipanos.

"Quando quiser bons combatentes, bravos, disciplinados e cumpridores de seus deveres e missões, mandarei buscá-los no Brasil. Sua eficiência é tamanha que em dez dias seus recrutas se transformarão em veteranos, aptos a qualquer tipo de batalha", general Mark Clarck, comandante do V Exército Aliado na II Guerra Mundial. Essa mensagem foi encaminhada ao Brasil logo após o término da grande guerra e se refere aos pracinhas, soldados brasileiros que lutaram no front.

O advogado e ex-combatente da Força Expedicionária Brasileira (FEB) Sizenando Azevedo Faro é presidente da Associação dos Ex- Combatentes do Brasil/Sergipe. "O Exército Brasileiro participou da II Guerra Mundial com 25 mil homens, mas nem todos embarcaram na mesma data", disse Sizenando. Ele embarcou de trem para Salvador e de lá seguiu em navio mercante para o Rio de Janeiro, onde finalmente viajou para a Itália para ajudar nos combates em Monte Castelo.

Segundo ele, de Sergipe partiram cerca de 300 homens da FEB, entre eles Zamardille Leão Brasil e o soldado Claudionor da Silveira Barreto. "Desses, quase todos voltaram", relembra. Hoje, a associação que preside, criada um ano após acabada a guerra, congrega 44 membros ativos. Já a entidade nacional, com sede no Rio de Janeiro, foi fundada logo depois de declarada a paz.

Jackson de Oliveira Figueiredo, 81, foi marinheiro de guerra e integra hoje a Associação dos Ex-Combatentes de Sergipe. "A população não tem noção do que seja a guerra", disse. Ele serviu durante três anos e três meses à Marinha de Guerra do Brasil fazendo o comboio de navios mercantes por águas brasileiras e estrangeiras.

Sargento Zacarias, um bravo.

O sargento Zacarias tem as marcas da guerra no corpo e na alma. Ele lutou na II Guerra Mundial e ficou conhecido pelos atos de bravura. É o quarto homem no mundo a receber a Medalha Silver Star, concedida pelas Nações Unidas por atos excepcionais praticados em guerras.

Aos 84 anos, Zacarias Izidoro Cardoso altera momentos de lucidez e lapsos de memória quando volta ao front imaginário. É Napoleão Bonaparte, um soldado em plena guerra, um herói de novo. Mora no Asilo Rio Branco, zona sul da cidade, onde é assistido por uma equipe médica especializada paga pelos filhos. "Papai preferiu morar no asilo, mesmo depois de ter morado comigo", disse um dos dez filhos do sargento, o publicitário Augusto César Maia Cardoso.

Ele fala pelo pai. "Papai embarcou para a Itália do Rio de Janeiro, em janeiro de 1944. Participou na VI Companhia do 2º Batalhão do 11º Regimento de Infantaria e regressou ao Brasil 18 meses após passar por 19 cirurgias nos Estados Unidos", contou Augusto César. Ao chegar à cidade de Maruim, com várias cicatrizes e mutilações, foi aclamado como herói.

Augusto César conta que o pai incluía o frio como um dos inimigos que enfrentou. O combate mais grave foi a Tomada de Montese, na Itália. "É onde ele cai ferido e é resgatado dos destroços pela enfermeira Jane Simões de Araújo, uma sergipana de Riachão do Dantas; veja que coincidência", disse.

Ele conta que o pai integrava o grupo de voluntários que saía às cegas em campos minados para deixar os soldados do batalhão passar em segurança. Chegou a ser apelidado de "O Louco de Ipisa", por esses atos e o único soldado brasileiro a receber a Medalha Silver Star.

Texto reproduzido do site: destaknewsbrasil.com.br

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