segunda-feira, 27 de março de 2017

Carlos Cauê, contista de vida e morte

Foto reproduzida do site: aracaju.se.gov.br
Postada por MTéSERGIPE, para ilustrar artigo.

Publicado originalmente no site do Jornal da Cidade, em 14/07/2011.

Carlos Cauê, contista de vida e morte.

Conheci Carlos Roberto da Silva (Cauê) em 1992 durante a apresentação do recital A Poesia Revisitada.

Texto: GILFRANCISCO (Jornalista, professor universitário e membro do IHGSE e do IGHBA - gilfrancisco.santos@gmail.com).

Conheci Carlos Roberto da Silva (Cauê) em 1992 durante a apresentação do recital A Poesia Revisitada, uma espécie de tributo à poesia sergipana em suas diversas fases, realizado no Palácio Olimpio Campos em 22 de dezembro, época em que Carlos Cauê fazia parte do Grupo Iñaron, juntamente com Andréa Vilela e Iêda Vilela. Fui levado àquele sarau pela amiga e poeta Iara Vieira, que havia me convidado a participar de um evento literário na capital sergipana. Pude ouvir pela primeira vez aquela voz meiga, doce, curta, declamando poemas de Núbia Marques, Jeová Santana, Ronaldson, Santo Souza, Marcos Vieira, Araripe Coutinho e Gilson Souza. Cauê me causou uma boa impressão pela maneira com que recitava, talvez pelo fato de ser o único homem do Grupo ou, quem sabe, pelo resultado do exercício de muitos anos com a palavra que carregava consigo desde os dezessete anos, época em que ganhou o I Concurso de Redação promovido pela EBCT/AL.

O fato é que fiquei bastante impressionado pelo desempenho do Grupo. Soube por intermédio de Iara Vieira que o Grupo se apresentava desde 1986 e havia participado de diversos recitais nos festivais de São Cristóvão e nos encontros de Laranjeiras, com objetivo de difundir a poesia por todos os espaços: tirar a poesia das gavetas, dos gabinetes e trazê-la ao público como um instrumento de expressão dos sentimentos. Fui reencontrá-lo no ano seguinte (outubro, 1993), no V Fórum de Poesia, realizado no Centro de Criatividade. Eu como palestrante sobre o poeta Vladimir Maiakóvski, ele com mais um recital de poesia, intitulado Centelha Rara. Foram às únicas apresentações que assisti do Grupo Iñaron. Mas conheci sua prosa e poesia anos depois, através do suplemento cultural Arte & Palavra, dirigido por Célio Nunes, e mais tarde nos Cadernos de Cultura do Estudante, publicados pela Universidade Federal de Sergipe.

Contos de Vida e Morte, publicado em 1999 pela Secretaria de Estado da Educação e do Desporto – SEED, apresentado por Maruze Reis, abras de Léo Mittaráquis, edição bem cuidada, capa de Heyder Macedo, trinta e três contos distribuídos em 120 páginas. Trata-se de uma coletânea de contos produzidos em sua fase estudantil, em que o autor vai se moldando, se revelando, buscando uma intimidade com as palavras.

Carlos Cauê estreou bem, apesar dos deslizes aceitáveis de principiante, no rigor da forma da linguagem à estrutura narrativa, soube ultrapassar o círculo autobiográfico em que giram tantos contistas modernos.

Manteve em sua literatura uma característica básica: falar numa linguagem clara, coloquial, mas extremamente poética, do cotidiano de pessoas que nos parecem muito familiar, em sua forma de sentir e reagir. São contos de amor, amizade, perda, reparação, vida e morte, sentimentos que nos ajudam a compreender melhor o mundo e principalmente nós mesmos.

Tímido, reservado, fala do que gosta, escreve sobre o que sente. É um escritor que quer realizar sua vida, por isso construiu um livro revelador, que refaz ou reflete o percurso verticalmente da vida e morte, com tal riqueza, que cada frase desperta o interesse e a emoção de quem ler. O autor de Contos de Vida e Morte escreve rápido, não para mudar a vida, melhorar o mundo, salvar almas. Escreve para viver suas lembranças presentes na imaginação, proporcionando o prazer da leitura, que pode ser traduzido naquilo o que a ficção se propõe: divertir e emocionar.

Sabemos que o conto é narrativa curta, que se passa necessariamente num lugar único, abrange um espaço de tempo muito curto e contém poucos personagens. Mas os contistas modernos nem sempre obedecem a velhas regras. O mais importante é o enredo ou a história, porque o desejo de contar e ouvir histórias são inerentes à natureza humana. A década de 60 ficou conhecida, no Brasil, como a grande década do conto.

Dezenas de escritores foram revelados ou solidificaram suas carreiras literárias através desde gênero específico. Em Sergipe, estreia o grande contista Renato Mazze Lucas (Anum Branco, 1961 e Anum Preto, 1967).

É possível acreditar nas histórias de Carlos Cauê, no seu olho de ver o que está por trás da realidade de todo dia, escondido em camadas mais fundas. Os enredos das histórias são muito simples em suas linhas gerais, o enredo enquanto técnica narrativa e enquanto concepção do assunto. O conjunto de contos trás, geralmente, histórias contadas na primeira pessoa, sendo os próprios narradores personagens do relato – fator fundamental para que a ilusão do real se instale imediatamente como se fosse um diálogo entre quem conta e o leitor.

Jornalista e publicitário, Carlos Cauê foi um dos fundadores do Partido Comunista do Brasil no início da década de 80 em Sergipe. Com Edvaldo Nogueira e Álvaro Vilela, os três montaram um forte núcleo do partido na Universidade Federal de Sergipe – UFS, de onde conquistaram o Diretório Central dos Estudantes por vários anos. Cauê foi um dos principais condutores de diversas campanhas políticas de 1988 até os dias atuais, com reconhecida atuação no cenário político sergipano.

Com uma trajetória de militância no movimento estudantil e presença marcante em vários aspectos da sociedade, o autor de Contos de Vida e Morte nos presenteia com uma boa amostra, independentemente do modelo constituído. Durante as comemorações dos 30 anos da anistia aos presos políticos foi realizada em agosto de 1999 a exposição “Anistiados couro esquecido”, com trabalhos de Bosco Rollemberg, acrescidos de textos de vários jornalistas locais, entre os quais, um escrito por Cauê. Seus contos serviram de base para o espetáculo “Conto ou não Conto”, dirigido pela atriz sergipana Tetê Nahas em 2001. Cinco anos depois, Cauê escreve “Viva, A vida em um ato”, monólogo interpretado pelo saudoso Luís Carlos Reis.

Reveste-se, enfim, esta coletânea, de peculiaridades, como a de manter um padrão de qualidade. Cauê confirma sua capacidade de enveredar com tranqüilidade por vários caminhos da ficção, provando seu talento como contista. Esperamos que nesse intervalo de doze anos, entre sua estreia nas letras sergipanas e a publicação deste artigo, assuma publicamente que em breve nos brindará com um novo título, para uma nova viagem.

Texto reproduzido do site: jornaldacidade.net/artigos-leitura

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