quarta-feira, 22 de março de 2017

Testemunha relembra dias seguintes à tragédia

Navio “Baependy”

Publicado originalmente no site da Folha de S. Paulo, em 08/07/2007.

Testemunha relembra dias seguintes à tragédia.

Do enviado a Aracaju/SE.

Filha do faroleiro das praias de Atalaia, Robalo e Mosqueiro, na costa de Sergipe, Salvelina Santos de Moraes, 75, presenciou na segunda quinzena de agosto de 1942 a chegada à terra dos destroços e cadáveres dos navios Araraquara, Baependy e Aníbal Benévolo.

Tinha 10 anos.

Passados 65, ela ainda lembra detalhes da tragédia e guarda até o cheiro que acompanhava o pai quando chegava, após recolher e enterrar as vítimas.

"Quando meu pai chegava em casa, a gente tapava o nariz por causa do fedor. Ele tinha que tirar toda a roupa e tomar banho para depois falar com a gente. Ele saía a cavalo com os militares. Ficava dias sem vir em casa", contou ela à Folha em entrevista em sua casa modesta no bairro Santo Antônio.

O pai dela era Teodoro José dos Santos. Depois dos torpedeamentos, a Capitania dos Portos e o Exército enviaram equipes às praias em busca de sobreviventes e corpos. Santos era o guia dos militares. As praias eram desertas, praticamente virgens.

Salvelina conta que, em agradecimento, o capitão dos portos de Aracaju autorizou o pai a levar para casa duas peças de tecidos que deram à praia. A mãe fez calções, vestidos e camisetas para ela e os irmãos (dois meninos e quatro meninas). Roupas de ficar em casa, explica.

"Os panos já não eram grande coisa. Como ficaram no mar, piorou. Não dava para fazer roupa de sair, não. Para mim, ela fez um vestidinho", disse.

"O povo se revoltou".

Outro fator familiar liga Salvelina à tragédia. O tio Henrique Francisco dos Santos, marinheiro, sobreviveu ao naufrágio do Baependy e ainda salvou a passageira cearense Vilma Castello Branco, irmã do tenente-coronel do Exército Humberto Castello Branco, que dois anos depois estaria guerreando na Itália e que presidiu o país de 1964 a 1967.

Salvelina e os irmãos tiveram autorização para ir até a praia de Atalaia ver os destroços. Não esquece das covas coletivas e de corpos inchados e apodrecidos. "Ficamos com muito medo. Era uma coisa horrível. Tinha mulher, criança. A praia estava cheia. Só se viam cadáveres, era corpo demais."

Aos 15 anos, José Martins Ribeiro Nunes estava no colégio quando chegaram as notícias sobre os torpedeamentos.

"Os estudantes foram para a rua, atacaram os italianos e alemães. O povo se revoltou", disse ele, que é conhecido em Aracaju como Zé Peixe, prático famoso por acompanhar os navios até a barra do rio Sergipe e dali voltar nadando para a terra. (ST).

Texto reproduzido do site: folha.uol.com.br/fsp/mais

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