segunda-feira, 20 de março de 2017

Ioiô Pequeno da Várzea Nova



Publicado originalmente no Portal Infonet, em 25/09/2004

Ioiô Pequeno da Várzea Nova.
Por Luiz Antônio Barreto.

Não existe, ainda, uma bibliografia sergipana, à qual se possa recorrer. O que há é o esforço de algumas pessoas, em torno de temáticas, especialmente ligadas aos trabalhos acadêmicos. Da literatura, por exemplo, o que tem de mais completo é a História da Literatura Sergipana, de Jackson da Silva Lima, projeto de 8 volumes, dos quais saíram apenas 2. No mais são antologias poéticas, Lira Sergipana, de Felinto Elisio, (1883), Parnaso Sergipano, de Silvio Romero, em dois volumes, um de 1899 e outro de 1904, recentemente reunidos num só (Rio de Janeiro: IMAGO, 2001) cobrindo o século XIX, Antologia de poetas sergipanos, de Serafim Vieira de Almeida (1939) e A Poesia Sergipana do século XX, de Assis Brasil (1998).

A falta de um guia de fontes priva o leitor sergipano do conhecimento sobre a criação literária de Sergipe. Grandes nomes ficaram esquecidos, concorrendo para a afirmação, apressada e equivocada, que não existe uma literatura local, com sotaque próprio, capaz de identificar características singulares da vida cotidiana sergipana. Autores, temas e personagens atestam, exaustivamente, a existência de manifestações artísticas e culturais que dão a Sergipe um aporte lúdico incomparável.

No campo da meditação Sergipe já conquistou o melhor reconhecimento, através das obras de Tobias Barreto, Jackson de Figueiredo, Gumercindo Bessa, Fausto Cardoso, Samuel de Oliveira, Felisbelo Freire, Silvio Romero, Manoel Bonfim, que renovaram conceitos e fundaram as bases da cultura nacional, com críticas abrangentes de religião, literatura, direito, sociologia, história, ainda hoje validadas pela atualidade. Os pensadores conquistaram admiração em todo o País e no exterior, fortuna crítica que repercutiu em Sergipe.

Há, portanto, uma certa angústia nas novas gerações, pela falta de uma ampla bibliografia que revele a cultura sergipana, na sua integralidade e diversidade. O quadro desfavorável seria ainda pior, se não houvesse o esforço de órgãos e de pessoas, em defesa do patrimônio imaterial sergipano. A Secretaria de Estado da Cultura, com parcos recursos, opera o milagre de manter abertas as suas mais de vinte unidades, manter uma orquestra de concertos e ainda publicar livros importantes, como os Apontamentos do Comendador Travassos. Felizmente as platéias referendam o papel do Secretário José Carlos Teixeira, em defesa da cultura.

Luiz Eduardo Magalhães, engenheiro de rara sensibilidade cultural, tem sido um defensor intransigente da cultura sergipana. Curador da biblioteca do seu pai, o saudoso desembargador Luiz Magalhães, agregando a ela livros que pertenceram a Jorge de Oliveira Neto, colaborador da Fundação Oviêdo Teixeira, moderador dos debates semanais do CORECON – Conselho Regional de Economia, um dos mais democráticos fóruns da atualidade, Luiz Eduardo Magalhães tem feito gestões no sentido de organizar ma bibliografia sergipana. bem assim de incentivar a montagem de uma editora que possa fazer circular a produção local.

Devo a Luiz Eduardo Magalhães algumas leituras curiosas de livros sergipanos, como Emblema do Mar Luminoso e Dnoksuá, de Manoel Rodrigues Mariu, e Como e Porque restaurar as finanças da Nação, de Abraão Prado. E, agora, Ioiô Pequeno da Várzea Nova, de Mario Leônidas Casanova. (São Paulo: Clube do Livro, 1979).

Ioiô Pequeno da Várzea Nova é um livro interessante, narrado na primeira pessoa, como se o autor incorporasse a vida e as lembranças do seu personagem – Agelisao Baptista Martins Soares -, o Ioiô Pequeno, filho do advogado e poeta José Leandro Martins Soares, nascido em Pacatuba, colega de turma de Tobias Barreto na Faculdade de Direito do Recife e companheiro de redação de José Jorge de Siqueira Filho, e do próprio Tobias Barreto em pequenos jornais recifenses, como O Vesúvio, editado em 1869. José Leandro Martins Soares dedicou-se, principalmente, a advocacia, em Aracaju e nas principais cidades do baixo São Francisco. Nascido no engenho Cadoz, em Pacatuba, em 5 de março de 1836, já formado fixou residência em Neópolis, então Vila Nova, de onde fez pequenas incursões, levado pela família, a outros lugares, morrendo em Aracaju em 4 de setembro de 1902. Nos anos 1880 e 1881 José Leandro Martins Soares foi vice-presidente da Província e exerceu, por pouco tempo, a presidência de Sergipe.

Ioiô Pequeno se tornou, no baixo São Francisco, um homem do povo, com suas tiradas, suas ações, seu apego à família, sua prodigiosa memória. Ao tomar Ioiô Pequeno como personagem Mario Leônidas Casanova retratou a saga de uma família sergipana, enraizada no interior, e ramificada em vários lugares do Brasil. Tarefa difícil, porque baseada na memória corrente entre familiares, sintetizados numa única figura, ponte entre o passado de engenhos, fazendas, relações políticas e sociais, e os novos tempos, as perdas, saudades, constatações da velhice solitária. Um livro germinal, nuclear, que dispensa enquadramentos. Bem feito, tecnicamente correto, apesar dos cuidados requeridos pela narração onisciente, Ioiô Pequeno da Várzea Nova é bem o que pode ser chamado de um livro sergipano. Personagens, cenários, fatos, que cobrem aproximadamente 50 anos de memórias, fazem do livro uma obra literária, cuja leitura garante enorme prazer. É o tipo do livro que deveria ser lido em voz alta, um por um os seus 98 pequenos capítulos, como um exercício de sergipanidade. Ioiô Pequeno é uma espécie de personagem plural, portador de memórias e saberes, desses que as literaturas consagram em todo o mundo, porque guardam parentesco ideológico, como portadores de estórias, experiências, valores, antes dos vínculos biológicos que marcam, a menor, as famílias.

Guimarães Rosa, com sua literatura de ficção, parece ter feito o mais completo repertório da vida do interior brasileiro, cenarizado em Minas Gerais. Mario Leônidas Casanova seguiu a mesma trilha do grande sertão, dando ao baixo São Francisco a dimensão exata de sua vida social. Muitos conversadores das noites luarejadas, como Lió, de Neópolis, Desidério de Oliveira, de Cedro de São João, tiveram sempre, nos seus guardados, a seiva que encanta, distrai e chancela o modo de viver de grupos de sergipanos, beiradeiros de águas tão constantes, como as virtudes do isolamento. Assim Ioiô Pequeno da Várzea Nova, com suas estórias cumulativas, de nunca acabar.

Fonte "Pesquise - Pesquisa de Sergipe/InfoNet.
institutotobiasbarreto@infonet.com.br.

Texto e imagens reproduzidos do site: 
infonet.com.br/sysinfonet

Nenhum comentário:

Postar um comentário