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quarta-feira, 7 de outubro de 2020

Resenha de “Uma jornada como tantas”, de Francisco Dantas

Sétimo romance do escritor Francisco Dantas,
professor aposentado da UFS
Foto: Adilson Andrade/AscomUFS

Publicado originalmente no site da UFS, em 17 de fevereiro de 2020

Resenha de “Uma jornada como tantas”, de Francisco Dantas

Por Marcio Santana

"Monte na bestinha melada e risque!" Lembram da música? "Vá ligeiro buscar Samarica parteira que Juvita já tá com dô de menino", cantava e contava Seu Lua naquele inesquecível tom improvisado e galhofeiro. A jornada que se narra no sétimo romance do escritor Francisco Dantas, Uma jornada como tantas (Alfaguara, 2019), se passa nesse tempo em que se corria para buscar a parteira, mas é música tocada em uma clave bem diferente.

Pouco ou nada tem de galhofa o que conta o então menino Valdomiro, narrador dessa história ambientada no interior de Sergipe, em 1954. Da primeiríssima à última linha, provamos um gosto de tragédia. Partimos de um “tempo carregado de nuvens cinzentas” e solavancamos o tempo inteiro contra um fato incontornável: uma criança que precisa nascer e não há meios disponíveis.

Valdomiro recebe a missão de acompanhar, de seu fim de mundo a outro, de Borda da Mata até Rio das Paridas, sua mãe de adoção, a Madrinha, com o quarto filho atravessado após um pequeno acidente. Empapada em suor e sangue ela viaja — por falta de qualquer transporte menos inadequado — num carro de bois na esperança de parir e sobreviver se chegar ao seu destino.

Do ponto de vista narrativo, essa poderia ser apenas uma escolha em consonância com a época em que o romance se situa. Mas nas mãos desse escritor que surgiu pronto — celebrado desde seu tardio romance de estreia, publicado aos 50 anos —, é nesse carro de bois que toda a narrativa se pendura, com a tensão galopando quanto menos os animais caminham, e a Madrinha e a madeira das rodas gemem. Esse passo vagaroso ante a urgência das circunstâncias, e outros contratempos vários, fazem com que a angústia cresça na comitiva que acompanha a gestante e, por sua vez, no leitor.

O único modo de lutar contra essa asfixia é ler buscando o desnovelar da trama. Nessa hora, as páginas voam dos capítulos curtos deste romance enxuto, de poucas e decisivas personagens, em que tudo é muito bem aproveitado: as cuidadosas e pormenorizadas descrições dos fazeres da marceneira, pelas mãos de Teodoro, esposo da Madrinha e das partes do carro de bois e da ciência que é a lida com estes bichos, pelas mãos de Zé Carreiro, responsável pela empreitada de transportar a gestante, e outras descrições do tipo não estão ali por enciclopedismo ou registro de obsolescências, mas se prestam a devassar os mundos em que tais figuras habitam em suas atividades diárias, levando-nos a seu passado, suas escolhas, e tudo que acabou por moldar-lhes a fibra.

É depois de passados muitos anos que o narrador está recolhendo as memórias de sua jornada de garoto e buscando transfigurar imagens em palavras. E é curioso o dilema que vivencia com uma culpa que nunca sabemos se é real, objetiva, ou a imaginária de quem, por muito amar, se ressente do rumo que as coisas tomam. Ele constantemente se culpa e se cobra, teme reprimendas, e sente-se inútil por não poder fazer mais.

Sem ativismos e sem fugir à literatura, o livro acaba por demonstrar de forma bastante lúcida a precariedade das condições de vida num ambiente de desmandos por parte daqueles que ocupam o poder sem qualquer preocupação com o povo — chaga ainda muito presente na vida dos brasileiros. É possível enxergar, através dessa história, como claramente tais sujeitos são corresponsáveis pelas aflições narradas no livro e por outras tantas na vida real.

A fragilidade da condição humana se revela de modo sublime pela sinceridade quase cruel do narrador ao expor os conflitos que trava consigo mesmo e com outros, bem como entre aqueles que acompanhavam a Madrinha, especialmente quando a viagem se aproxima de seu término. Mas esse é um daqueles livros cujo final ninguém metido a crítico literário deve antecipar, senão deixar a quem se der ao prazer de ler esta obra. Monte na bestinha melada e risque! Será uma jornada como poucas.

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Marcio Santana Sobrinho é jornalista.

Texto publicado no Jornal da Cidade em 13/02/2020.

Texto e imagem reproduzidos do site: ufs.br

terça-feira, 21 de março de 2017

Francisco José Costa Dantas

Imagem reproduzida do site: saraivaconteudo.com.br

Francisco José Costa Dantas, nasceu em Riachão do Dantas, Sergipe, em 1941. Foi professor de literatura brasileira e portuguesa na Universidade Federal de Sergipe. Estreou na literatura aos 50 anos de idade, com o elogiado romance Coivara da memória (1991). A ele seguiram-se Os desvalidos (1993), Cartilha do silêncio (1997), Sob o peso das sombras (2004) e Cabo Josino Viloso (2005). Em 2000, recebeu o Prêmio Internacional da União Latina de Literaturas Românicas. Vive atualmente entre Aracaju e sua fazenda Lajes Velha, em Itabaianinha, no interior do Sergipe.

Fonte: objetiva.com.br

Retrato de uma terra. Francisco Dantas em sua fazenda no Sergipe

Foto: Rogério B. Huss.

Publicado originalmente no site do Estadão, em 27 Maio 2012.

Retrato de uma terra. Francisco Dantas em sua fazenda no Sergipe.

Na fazenda localizada no interior de Sergipe, Francisco Dantas encontra abrigo e inspiração para sua escrita

Por Ubiratan Brasil*

Francisco Dantas é um escritor extremamente fiel à realidade, aos hábitos e costumes do Nordeste. Tal precisão se deve, principalmente, ao fato de morar em sua fazenda, localizada na região de Itabaianinha, município distante 110 km da capital sergipana, Aracaju. Apesar de já ter vivido nos Estados Unidos (deu aulas em Berkley, Califórnia, em 2000), é no campo em que encontra inspiração. Afinal, ele acredita que o ambiente em que a personagem vive é tão importante quanto ela, e o equilíbrio entre a ação e o campo onde se desenvolve faz de seus livros um conjunto que dá a medida da percepção e da apreensão da realidade existente em Francisco Dantas.

Grande admirador da obra do uruguaio Juan Carlos Onetti (1909-1994) e do norte-americano William Faulkner (1897- 1962), o sergipano gosta da palavra esculpida, não necessariamente a mais bela, mas certamente a mais precisa (veja comentários abaixo). Daí não gostar da ficção do peruano Mario Vargas Llosa, cuja escrita considera sem alma - ainda que admire seus ensaios como Orgia Perpétua, em que analisa Madame Bovary, de Flaubert.

Eterno captador da realidade, Dantas acomoda-se nela da melhor forma possível. A entrada da casa de sua fazenda dá acesso a um amplo salão, com vista para o lago e as montanhas que delimitam a propriedade. Os móveis são em madeira, formosamente modelados, e a cozinha, estrategicamente instalada ao ar livre, é um dos locais preferidos do escritor - exímio cozinheiro, é lá que produz os quitutes da casa, desde manteiga de garrafa até carneiro cozido no bafo. "Ele adora quando trago livros que relatam a relação da culinária com a história dos povos", conta sua mulher, a poeta Maria Lúcia Dal Farra. "É seu melhor presente."

O ambiente fornece o conforto para adequar o pensamento. Já a inspiração surge, muitas vezes, de flashes apreendidos da realidade. Como quando vislumbrou, certa vez, em uma rua de Aracaju, um mendigo de gravata puxando uma carroça carregada de cachorros. "Cheguei em casa e imediatamente escrevi o que acabaria sendo o último capítulo de Os Desvalidos", conta.

No mesmo romance, lançado pela Companhia das Letras, enfrentou dificuldades com um dos personagens-narradores, Coriolano, que vive incomodado por não saber o motivo de levar uma vida tão miserável. "Pensei em matá-lo várias vezes, mas nunca consegui", conta, sem revelar, no entanto, o motivo do fracasso.

Uma explicação seria a linguagem essencialmente madura, em que nada sobra, nada falta, e que permite ao personagem crescer naturalmente e conquistar o livre arbítrio. Embora comparado a José Lins do Rego, não se encaixa no regionalismo. "Sou mais próximo da simplicidade de Manuel Bandeira e da honestidade da escrita de Graciliano." Na verdade, seja qual for o caminho escolhido, todos deságuam na verdade.

* Enviado especial a Itabaianinha/SE., pelo jornal O Estado de S. Paulo.

Texto reproduzido do site: cultura.estadao.com.br