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domingo, 26 de março de 2017

Homenagem Póstuma à José Silvério Leite Fontes


Homenagem Póstuma à José Silvério Leite Fontes
Por Maria Thetis Nunes*

“O tempo esse grande escultor...”

O dizer de admirável humanista francesa Marguerite Yourcenar me levaria à juventude, à estudante da 4ª série do Atheneu da rua da Frente, quando conheci José Silvério Leite Fontes, então estudante do Colégio Tobias Barreto. Participávamos, alunos de História do grande professor Arthur Fortes e por ele escolhidos, de um concurso de História promovido pelo Ministério da Educação. Dois anos após, seríamos colegas no curso pré-jurídico no Atheneu. Depois, fomos companheiros de residência num pensionato em Salvador, ele aluno da Faculdade de Direito, eu da Faculdade de Filosofia cursando Geografia e História. Tornamo-nos bons amigos, embora trilhássemos caminhos bem distintos... Ele, participando da Juventude Universitária Católica, influenciado pelo renomado professor Herbert Parentes Fortes, buscando, na filosofia e na teologia, explicações para os problemas do mundo, principalmente através dos escritos de Jaques Maritain e Leon Bloy; eu, identificada com a juventude Comunista de Mário Alves, João Batista de Lima e Silva, Fernando Santana, via em Marx a solução para os problemas que agitavam o mundo.

Conversávamos, discutíamos, impressionando-me sua fé em Deus, a participação nos atos religiosos, indo a missa dominical com o missal sem importar-se com a zombaria dos colegas. Relembro, sensibilizada, ele me acompanhando à noite para assistir palestras de líderes revolucionários como Agildo Barata, quando moça não devia sair desacompanhada à noite... Também eu aceitava seus convites para ir ao Mosteiro de São Bento ouvir palestras religiosas, onde fiz bons amigos, tendo mesmo publicado artigos na pequena revista que lá circulava para universitárias.

Ao retornarmos a Sergipe, formados, nos encontraríamos no magistério no Atheneu, no Colégio São José, na Faculdade Católica de Filosofia, que fomos fundadores, na Universidade Federal de Sergipe, no Instituto Histórico e Geográfico, A este por ele fui levada ao retornar a Aracaju após nove anos de ausência, fazendo-me aceitar sua presidência, ante a situação de decadência em que o Instituto se encontrava, na qual permaneceria por 30 anos... A esta academia também ele contribuiu para me convencer ingressar em 1983, recebendo-me com o discurso de posse. Múltiplos facetamentos marcaram a trajetória da vida de José Silvério: jornalista, escritor, sociólogo, filósofo, historiador, líder sindical, político, e, principalmente, professor. Com ele morre um dos últimos humanistas sergipanos, entendido o Humanismo como cultura baseada nos clássicos, voltada para o Homem e, como acreditava ele, para Deus. Suas atitudes na vida foram norteadas pela fé, que buscava compartilhar com os amigos quando a realidade nos queria abater.

Ao longo dos nossos anos de convivência e companheirismo até o nosso encontro poucos dias antes do seu falecimento, ele, numa cadeira de rodas, os membros sem movimento, mesmo com a dificuldade de falar continuava a acompanhar os problemas que envolviam o nosso país, e manifestava suas idéias respaldadas na esperança e na fé: “Em Jesus Cristo, porém, consuma-se a unidade moral do Gênero humano, a unidade intencional e operativa e a unidade transcendente em ato, pois o pão do seu Corpo serve de alimento e de união antológica às pessoas individuais. Restaura, num plano superior, a comunidade, subjacente ao variegado da natureza. Não somente restaura, como eleva, passando de unidade natural e criada, sujeita às limitações da maternidade, à unidade do Espírito”, como expressou num dos escritos inserido em seu último livro, síntese do que sempre foi sua concepção de vida: Ser, Mundo e Esperança.

José Silvério enfrentaria desde a juventude a luta contra a diabetes que o fazia conhecido como o menino que se dava injeção, luta que o acompanharia até a morte aos 80 anos de existência. Os problemas advindos da enfermidade não impediriam, porém, as múltiplas atividades em que se envolveu ao longo da vida, inclusive a ida a Paris cursar a Universidade de Sorbone, tendo, porém de retornar ante a crise de diabetes sofrida. Impressiona, desafiando a moléstia, a vasta obra que o projeta na vida cultural sergipana encontrada em jornais e revistas especializadas, Anais de Congressos, Encontros em artigos, conferências, pesquisas educacionais e históricas, e nos livros publicados, atestando os múltiplos facetamentos e vastos conhecimentos filosóficos e históricos que dominava. Vários destes trabalhados então esparsos em jornais, sobretudo a Cruzada, em revistas das Faculdades de Direito, Faculdade Católica de Filosofia, Academia Sergipana de Letras, Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. Outros já estão condensados em livros como Igreja e Século, Coluna de Jornal, Quatro Estudos, e Ser, Mundo e Esperança.

Dos livros publicados, o primeiro em 1952 Intitulado Jackson de Figueiredo – o sentido de sua obra, como tese para concorrer ao concurso de História do Brasil do Instituto de Educação Rui Barbosa, estuda o pensamento do grande líder católico sergipano por ele considerado uma “dessas personalidades sócrates, mixto de filósofo, artista e apóstolo”. Jackson de Figueiredo marcaria profundamente sua formação, visível na ampliação da tese ao publicar, em 1958, Razão e Fé em Jackson de Figueiredo inserindo suas idéias no contexto sócio-político em que ele atuara. Possivelmente, teriam elas contribuído para o seu envolvimento na política sindical, com atuação destacada nos começos da década de 1960, num dos momentos mais convulcionados da história do Brasil, da luta do povo pela afirmação dos seus direitos, eclodida em Sergipe na greve dos professores que Silvério foi um dos líderes, estendendo-se a todo o funcionalismo público.

O golpe militar em 1964 calando, violentamente, as reivindicações populares, o atingiu sendo visto como um agitador, e por longo período teve cerceados seus direitos, inclusive de ocupar cargos de confiança na administração pública. Não o intimidariam as denúncias e o inquérito, continuando a atuar, inclusive como líder fundador em 1965 do Grupo de Estudos Sociais e Políticos de Sergipe, em que eram debatidos e estudados problemas proibidos pelo regime instalado. Também participara na mal vista Federação Interestadual de Ensino e na Confederação e sucessivos mandatos. Integrou o MDB participando de sua campanha em prol da redemocratização do país. Quando, porém, este partido, transformado em PMDB, se engajou na campanha política buscando poder, o abandonaria ingressando no PSB, no qual permaneceu filiado até a morte. Embora tenha sido vedado pela Revolução seu concurso para o ingresso na magistratura, como advogado, porém, por dois mandatos, foi presidente da OAB, “onde conquistou o respeito e a admiração dos seus pares” na afirmativa do historiador Ibarê Dantas.

Em todas as atuações vividas ao longo do 80 anos, José Silvério marcou sua passagem pela coerência, lucidez, o ideal de igualdade e fraternidade e a Fé que, para ele, instala-se como uma convicção “que se adquire no amor e na confiança, como uma descoberta cuja essência existencial é incomunicável e consiste, como diz São Thomaz de Aquino na Suma contra os Gentios, numa inspiração”. Outros livros publicados foram Formação do conceito do fato histórico na cultura ocidental, datado de 1958, Quatro diretrizes da Historiografia Brasileira Contemporânea, tese para o concurso de Livre Docência da UFS em 1975, e reeditada em 2000 com a denominação de Marxismo na Historiografia Brasileira Contemporânea, o Pensamento Jurídico Sergipano editado em 2003, e Formação do Povo Sergipano. Creio que foi José Silvério o sergipano e um dos brasileiros que maior contribuição deu aos estudos filosóficos entre nós, iniciada em 1948 com a conferência no Instituto Histórico, a convite da Sociedade Franco Brasileira, sobre Diretrizes do Pensamento de Jaques Maritain, divulgando em Sergipe as linhas básicas do grande filósofo cristão francês, que ele considerava sua filosofia uma projeção da filosofia de Santo Thomaz de Aquino, com o aprofundamento dos seus conceitos e a superação de certas posições inerentes às perspectivas do tempo em que viveu o Doutor Angélico, o século XIII, que o levara à publicação do Humanismo Integral.

Leon Bloy, tema da Conferência pronunciada em 1956 patrocinada pela Associação Cultural Franco-Brasileira, visava a divulgar o pensamento do filósofo cristão francês, superando o desconhecimento existente sobre sua obra, concitando que o lessem com o sentir cristão, buscando nele a configuração artística da vida cristã. “Leiam-no, enfatizava, como se contempla um quadro de El Grego, cheio de contrastes, de fantasmagorias, de sinais visíveis e deformados, em sua objetividade, das realidades que o olho não vê, nem o ouvido escuta, mas que forma reveladas aos filhos da Luz”.

Importante sua conferência, neste mesmo ano de 1956, no Instituto Brasileiro de Filosofia de Sergipe, aula inaugural, sobre as Principais Correntes da Filosofia Contemporânea, identificadas com as transformações trazidas pelo desenvolvimento científico. Enfoca as tendências objetivista que teve maiores expoentes em Schopenahuer e Eduardo Von Hartmann. A revolução social e política século XX, ao lado da revolução ocorrida na teoria científica destruindo a confiança tranqüila e satisfeita no poder universalmente explicativo das correlações mecânicas, afirmava que “acontecimentos de ordem geral destruíam igualmente o relativamente pacífico, confiante e progressista mundo burguês do século passado. A expansão do capitalismo, que justificara seu otimismo e seu esquecimento dos valores espirituais, começou a sofrer as primeiras limitações”. “A nova maneira unitária, finalista e anti-mecanista irira encontrar ressonância em duas grandes direções filosóficas: o pragmatismo e o bergonismo”.

O Neo-hegelianismo o Neo-kantismo, a Fenomenologia, o Exitencialismo são por ele estidadas dentro das transformações estruturais do século XX. Encerra a conferência estudando a Filosofia Cristã e o seu papel na época, que distingue em duas correntes: a filosofia da experiência religiosa e o neo-tomismo. Todas as várias atuações vividas ao longo dos 80 anos de José Silvério foram marcadas pela lucidez, o ideal de igualdade e fraternidade, a coerência e a Fé, que para ele “instala-se como certeza por uma convicção que se adquira no amor e na confiança, como uma descoberta cuja essência existencial é incomunicável e consiste, como diz Santo Tomaz na Suma conta os Gentios, numa inspiração”.

Se me fosse, porém, exigida uma definição entre as múltiplas atividades que, como denodo, exerce, e digo mesmo com heroísmo, ao longo da vida, eu o chamaria Professor Silvério. Creio que, entre nós, nenhum professor tenha disputado uma cátedra através de concurso quanto ele, iniciado em 1952 com Jackson de Figueiredo – o sentido de usa obra para a cátedra de História do Brasil do Instituto de Educação Rui Barbosa, em 1958 com a tese Formação do conceito do Fato Histórico para a cátedra de História do Colégio Estadual de Sergipe, em 1965 defendendo a tese Quatro Diretrizes da Historiografia Brasileira Contemporânea no concurso de Livre Docência da Universidade Federal de Sergipe.

Desde que retornou a Sergipe formado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade da Bahia, a partir de 1947 buscou no magistério o meio de sobrevivência desde que não o atraia a profissão que lhe permitia o diploma. A História o fascinava, e a ensinaria na Escola de Comércio Conselheiro Orlando, na Escola Técnica Federal, no Colégio Patrocínio São José, no Instituto de Educação Rui Barbosa, no Colégio Estadual de Sergipe.

Foi um dos pioneiros do ensino superior em Sergipe, participando da Fundação da Faculdade Católica pelo então padre Luciano Cabral Duarte, e da sua consolidação pela coragem e abnegação do seu fundador enfrentando as dificuldades existentes, principalmente a falta de recursos financeiros necessários ao pagamento dos salários dos professores, o que levariam alguns deles a não continuarem ensinando. José Silvério, abnegadamente, permaneceu lecionando além de suas disciplinas, outras que ficavam sem professor, atendendo ao pedido do seu Diretor. Também lecionara na Faculdade de Serviço Social fundada em 1954.

Engajou-se, com entusiasmo, na campanha deflagrada na década de 1960 para a criação da Universidade Federal de Sergipe, que se tornaria realidade em 1968. Foi importante sua atuação como Procurador-Geral da UFS de 1984 a 1988. O ponto culminante de José Silvério como professor seria, porém, registrada no Departamento de História da UFS. Lecionando Filosofia e Metodologia da História, tornou a prática da pesquisa histórica obrigatória da disciplina Introdução aos Estudos Históricos, que seria responsável pela grande participação do Departamento de História à historiografia de Sergipe. A partir da década de 1950, com a saída do Estado dos historiadores José Calazans, Mário Cabral, Felte Bezerra, paralisaram-se os estudos sobre o passado sergipano. O Departamento de História daria ressurgi-los a partir do levantamento das Fontes Primárias da História de Sergipe, ao estabelecer a prática de pesquisa histórica obrigatória. Passavam os alunos a ter contato direto com documentos e a conhecer o acervo dos arquivos cartoriais e paroquiais visando a organização dos arquivos do Estado e do Município, este depois transformado no Arquivo da Cidade de Aracaju. Deram contribuição ao sucesso do programa traçado pelo professor José Silvério a colaboração das professoras Maria da Glória Santana de Almeida, Maria de Lourdes Amaral, Diana Diniz.

Por iniciativa de José Silvério, são mantidos contactos com renomados professores de universidades brasileiras, tendo alguns deles vindo aqui ministrarem cursos como José Honório Rodrigues e Nelson Werneck Sodré. Em 1974, por iniciativa sua, era realizado na UFS o Encontro de Historiadores do Nordeste. No ano seguinte, acontecia o Simpósio Nacional do ANPUH – Associação Nacional dos Professores de História, reunindo em Aracaju professores, estudantes e historiadores de todo o país. Ele participou pessoalmente de vários encontros de História em outros Estados, apresentando trabalhos.

No magistério, José Silvério, encontrou o rejuvenecimento espiritual suplantando as marcas deixadas pelos anos. Renovação do esforço de entender os jovens, seus problemas ante o mundo que lhes é oferecido. Estávamos de acordo com a advertência de Longfellow, o romântico poeta de Evangeline:

“Neste mundo o homem tem que ser um martelo ou uma bigorna. Precisamos ser o martelo formando uma sociedade e não bigornas moldadas pela antiga sociedade”.

Historiador, José Silvério contribuiu para a história do Brasil com os trabalhos destacados Diretrizes da Historiografia Brasileira Contemporânea, Marxismos na Historiografia Brasileira Contemporânea, analisando as obras de Nelson Werneck Sodré, Caio Prado Júnior, Darcy Ribeiro e Florestan Fernandes, e Lutas Militares no Prata. Para a história de Sergipe, registramos Levantamentos das fontes primárias da História de Sergipe, Labatut em Sergipe, Cidades e Vilas de Sergipe no século XIX, Formação do povo sergipano, Pensamento Jurídico sergipano: o ciclo de Recife, Aspectos geo-históricos do Nordeste – A propriedade rural.

Em 7 de julho de 1969 José Silvério tomava posse da cadeira nº 5 desta Academia, que tem como patrono Ivo do Prado, vaga com a morte do ocupante Dom Antônio dos Santos Cabral. Saudado pelo poeta Freire Ribeiro com uma Xácara por ele definida como “romance em versos simples, d’água corrente, em que se contam feitos famosos ou em que se louvam famosas pessoas”, complementada com passagens da vida do povo acadêmico que conhecera e convivera desde a infância na colina do Santo Antônio e, depois, como vizinhos, muitos anos, na rua de Santa Luzia, e visto por ele “um espírito cristão, apostólico e romano, o professor José Silvério é um admirador sem canseiras de Pio XII, João XXIII e Paulo VI. Está com a igreja dentro do século. A igreja procurando, na hora precisa, em todo o mundo realizar o que ensina a Rerum Novarum de Leão XIII. Ao lado de esposa estremecida faz do seu lar um templo de amor e paz. Ao lado de esposa estremecida faz do seu lar um templo de amor e paz. Trabalha de sol a sol, ensinando, semeando, ensinando...”

Em seu discurso de posse, José Silvério fala que boas razões o levaram a candidatar-se à cadeira nº 5, cujo patrono é Ivo do Prado e que fora ocupada por Dom Antônio dos Santos Cabral, afirmando: “Sinto que há muitas afinidades espirituais com esses dois vultos, guardado o respeito à grandeza de cada um. Para ambos, o aspecto estético da obra literária não era fim, mas instrumento. A comunicação espiritual que buscavam não era dirigida primordialmente à sensibilidade, mas à inteligência. Ivo do Prado escreveu para defender pontos políticos e no curso da ação política, ou para argüir em favor de uma tese histórico-geográfica, de alto significativo político para sua terra. Dom Antônio Cabral escreveu para desenvolver teses de doutrina religiosa e ensinar às ovelhas do rebanho que lhe fora confiado. Em última análise, “os dois praticavam a arte de direção dos homens, quer para a vida temporal, para a vida espiritual.” Ressalta que essa identidade o teria levado a ocupar a cadeira nº 5, acrescentando: “Foi também em sentido similar que utilizei a forma literária. Nunca apelei sistematicamente para recursos estéticos, salvo como meio de comunicação de uma mensagem doutrinária. Daí sentir-se bem na linha traçada por Ivo do Prado e Dom Antônio Cabral.”

Critica a falta de aprofundamento filosófico da produção literária brasileira, acreditando não ser possível construir solidamente teorias no campo das ciências humanas, sem uma visão do ser e da existência, afirmando: “cabe a ela dar organicidade ao pensamento social. Sobre este ponto de vista, é particularmente grave a responsabilidade do intelectual cristão, que possui uma tradição filosófica e teológica, a abandonar essa tradição, ficando entregue às ondas, como um navio desgovernado, ou a fazer um esforço de assimilação, bastante difícil e que somente dará resultados valiosos quando efetuado por grandes espíritos. Isso é fonte de angústia e também convite ao trabalho, embora freqüentemente sem êxito, mas que terá o papel de preparar resultados do futuro. Não é permitido ao intelectual cristão, segundo julgo, enclausurar-se como uma ostra em posições recebidas que os progressos de conhecimento da realidade tornaram parcialmente obsoletas”.

Nas palavras finais do seu discurso de posse, José Silvério define o ideal que marcara sua vida: “divididos entre o tempo e a eternidade, vivemos sempre a apresentar uma na outra, espalhando entre os homens palavras de amizade e de confiança, e esperando o encontro com Aquele que nos libertará da angústia. A inteligência é pobre para sondar os mistérios do mundo, mas também é a única forma do mundo que traz promessa de eternidade.

Sim amigos! Vivamos intensamente e meditemos ainda mais intensamente!”

*Maria Thetis Nunes - Academia Sergipana de Letras

Texto e imagem reproduzidos do site: silveriofontes.com.br

domingo, 22 de janeiro de 2017

Silvério Fontes: o defensor dos direitos humanos

Foto reproduzida do site: silveriofontes.com.br
Postada por MTéSERGIPE, a fim de ilustrar o presente artigo.

Publicado originalmente no site de Osmário Santos, em 15/12/2005.

Silvério Fontes: o defensor dos direitos humanos.
Por Osmário Santos.

Sergipe perdeu um dos seus ilustres intelectuais e, pelo seu valor na história cultural do Estado, republicamos o relato de sua vida em matéria do dia 12/06/1992.

José Silvério Leite Fontes nasceu a 6 de abril de 1924, na cidade de Aracaju (SE). Seus pais: Silvério da Silveira Fontes e Iracema Leite Fontes.

O pai era um homem modesto, moderado e cumpridor das obrigações. "Um exemplo de pessoas humana".

Conta que sua mãe era bastante compreensiva, dedicada aos filhos e passou a todos eles belos exemplos, principalmente, o de fé cristã.

Na casa da rua Itabaianinha, brincando com os meninos da vizinhança, passou seu período de infância e chegou a ir, em períodos de férias escolares, até a cidade de Salgado, cidade escolhida pelos pais para aproveitar o tempo de veraneio. "Foram momentos inesquecíveis, pois conseguia um espaço com maior liberdade para gastar minhas energias e me envolver com a meninada em mil brincadeiras".

Em Salgado, era comum uso de tamancos pelos veranistas que tomavam conta da cidade. Porém, Silvério deixou os tamancos de lado e não largou a sua inseparável sandália. "Ainda hoje uso".

Antes de entrar no colégio, primeiramente passou por um tempo de aprendizagem em casa, recebendo as primeiras lições de sua avó materna, que residia com seus pais.

Numa escola particular, localizada à rua José do Prado Franco, já nas imediações do Mercado Antônio Franco, passou a ter um relacionamento maior com os livros.

Foi sargento

Matriculado no Colégio Tobias Barreto, do professor Zezinho Cardoso, entrou com muita disposição para prosseguir o curso primário. Gostou do Tobias Barreto e lá estudou até o fim do curso ginasial. Um colégio militarizado, que o menino Silvério convivia, mas confessou não ter entusiasmo pelo regime: “porém, não reagia contra ele. Não era tão entusiasmado; tanto que só fui promovido no último ano do curso secundário a sargento"(risos).

Aluno de Artur Fontes, Abdias Bezerra, Garcia Moreno, Francisco Tavares Bragança e outros nomes de peso, foi beneficiado por uma geração de mestres que marcaram época na educação em Sergipe. Artur Fontes, na sua maneira eloqüente de transmitir seus conhecimentos de História, despertou em Silvério um interesse maior para esta disciplina.

No tempo em que estudou no Tobias, o relacionamento entre professores e alunos só existia em sala de aula e com muita distância. “A gente viva muito controlado. Quando havia um horário sem aula, ficavam os alunos sentados em determinado lugar, mas tinha um guarda tomando conta para ninguém conversar. Naturalmente, eles deixavam uma conversa moderada, mas, na verdade, lá estava o guarda. E o professor Zezinho era mestre na reguarda. Naturalmente, batia nos alunos indisciplinados. Naquele tempo, havia uma certa distância entre professor e aluno; porém, quando o professor chegava na sala de aula, todos, por hábito, se levantavam. Hoje em dia, quando chego para meus alunos na faculdade, quando entro e dou bom dia, um ou outro responde”.

Quando entrou no Atheneu, a fim de fazer o curso complementar, não sentiu grandes diferenças no ensino, pelo fato de encontrar os mesmos professores do Tobias. Só sentiu diferença na flexibilidade da disciplina, que era mais rígida somente em sala de aula.

Do Rex ao Guarani

Deixava as horas de folga dos estudos para ir ao cinema. Era um freqüentador assíduo das sessões vespertinas no Rex, Rio Branco e Guarani. “Pegava bang-bang, pegava tudo”.

Indo estudar em Salvador, passou por várias pensões. Na primeira, rua do Bispo, foi colega de Antônio Garcia e José Garcia. Chegou na Bahia no ano de 1941.

Foi despertado para o mundo da cultura quando estudou no Colégio da Bahia, já em preparativos para fazer vestibular na Faculdade de Direito. “Quando fazia o segundo ano pré-jurídico, estudei Sociologia e História da Filosofia, com o professor Hebert Parentes Fortes. Não foi somente pelo que ele me ensinou de filosofia e sociologia, mas pelo modo dele expor, porque a aula que dava era representada e tocada em todos os assuntos. De modo que, abriu para mim, o mundo da cultura”. Viveu na Bahia todo clima da Segunda Guerra e diz que nunca foi integralista. “Embora na faculdade, devido talvez à influência do professor Hebert Fortes, minhas idéias eram idéias fascistas. Coube ao professor Hebert, desfazer as dúvidas que eu tinha em matéria de religião. Primeira dúvida: não crer em Deus. Segunda, crer em Jesus Cristo, filho de Deus. Nesse período, passei a crer em Jesus e não tive mais problemas. Daí em diante, segui na mesma rota. Acho que o professor Hebert, contribuiu indiretamente para tirar minhas dúvidas, pois era uma pessoa muito tímida. Eu nunca falei com ele, porém na aula, respondia e pronto”.

No fascismo, sua empolgação era pelas idéias em favor do sistema autoritário. “Entendia que não havia ordem no mundo político e isso vinha das concepções liberais. Entendia que devia voltar ao regime autoritário. Muito depois é que descobri o valor da liberdade. Não pessoalmente assim, mas, contemplando os fatos, os acontecimentos da guerra, mesmo. Tinha idéias, por causa do tradicionalismo, do autoritarismo, que eram transmitidos pelos pensamentos católicos da época. Mudei de posição lendo as obras de Jacques Maritain e Alceu de Amoroso Lima.

Juventude Católica

Em Salvador, foi membro da Juventude Universitária Católica. “Participava de reuniões para estudar religião etc. Me lembro que, uma vez, Getúlio Vargas introduziu o divórcio no Brasil. Introduziu, só para permitir o divórcio de Lourival Fontes. Lourival se divorciou; dias depois, devido à pressão da Igreja, Getúlio revogou o divórcio. Então, nós fizemos uma campanha, mandamos imprimir folhetos, fomos distribuir até em entrada de cinema, etc”.

Em dezembro de 45, juntamente com Hélio Ribeiro, Antônio Fagundes, Luiz Rabelo Leite e padre Avelar Brandão, participou da formação de um grupo de jovens, em Aracaju, para trabalhar pela doutrina social da igreja. Foi esse grupo que formou o núcleo que colaborou com Hélio Ribeiro na Liga Eleitoral Católica, que teve um desempenho importante nas eleições de 1947, porque o candidato da UDN, que era Luiz Garcia, rejeitou o apoio da Liga, que exigiu dele, uma declaração de repulsa ao comunismo, já que o candidato era apoiado pelo Partido Comunista. Depois foi criada a Juventude Universitária Católica (JUC).

Pecado mortal

Quando o repórter perguntou da história da distribuição do manifesto do bispo, dizendo que, quem voltasse em Luiz Garcia, seria excomungado respondeu: “Excomungado não! Era considerado pecado mortal. Então, era uma ordem do bispo, para que todos votassem nos candidatos apoiados pelo Partido Comunista (PC). O PC, hoje, não é como naquela época. Hoje, até mudou de nome, não é? Ele era agressivo. Nós não dizíamos que ele era considerado o bicho-papão. O pessoal da burguesia era que dizia”.

Formou-se em bacharel em Direito no ano de 46, voltando para Aracaju, quando iniciou sua carreira no magistério. “Não advoguei logo; inscrevi-me na Ordem dos Advogados em 52 ou 53. Não tinha entusiasmo pela advocacia. Gostava era de ensinar”.

Primeiramente, seu contato com alunos foi na Escola de Comércio, quando ensinou Economia Política. A convite de José Rollemberg Leite, aceitou convite para ser professor interino na Escola Normal. Em 54, fez defesa de tese, sendo efetivado como professor de História do Brasil. Ensinou na Escola de Comércio, no Colégio Patrocínio São José. Em 59, defendeu tese no Atheneu, para ser professor de História Geral, quando tornou-se catedrático daquele colégio.

Assumiu o cargo de diretor técnico administrativo do Serviço Social Rural. Depois desse emprego, foi nomeado técnico de educação, quando, graças à interferência de Arnaldo Garcez com quem trabalhou como seu secretário particular durante os quatro anos do seu governo. “Naquela época, era eu quem administrava o palácio”.

Em 1962, ingressa na Escola Técnica Federal. Também participa da fundação da Faculdade de Filosofia. “Assinei a ata de fundação e passei a ensinar na faculdade. Isso foi entre 52 e 53. Em 55, passei a ensinar na Escola de Serviço Social e, no ano de 1957, na Faculdade de Direito. Ainda continua na ativa na Universidade Federal de Sergipe. “Gosto de continuar trabalhando, mas quando completar 70 anos, automaticamente serei forçado a deixar de ensinar na Universidade. Na UFS, fui chefe do Departamento de História e dei início ao Programa de Levantamento das Fontes Primárias da História de Sergipe, que foi uma abertura para os trabalhos de pesquisa que, hoje, os colegas da universidade vêm desenvolvendo”.

Partido Republicano

Filiou-se ao Partido Republicano (PR) e a escolha do partido deveu-se por ser mais pacífico do que o PSD na época. Do tempo em que participava da política, o fato mais marcante foi a reação popular à morte de Getúlio Vargas.

Sócio antigo do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe (IHGS), após a gestão de Epifânio Dória, num momento de crise do IHGS, participa da diretoria do instituto e convence a professora Thetis Nunes a aceitar à presidência do entidade cultural.

Na Ordem dos Advogados do Brasil, Secção Sergipe (OAB/SE), registra passagem na presidência e inaugura a sede da Ordem e marca época por envolver a OAB/SE nas diversas situações em que se fazia necessário a sua presença em defesa da causa da sua categoria e mais ainda às de interesse da comunidade.

Da sua luta para conseguir recursos para a compra da sede da OAB, conta um episódio interessante no momento em que foi falar com o governador da época. “Havia uma greve de professores e eles me pediram eu fosse falar com o governador João Alves para saber dele se me aceitava como mediador. Na verdade, quando fomos falar com ele, me esqueci do encargo que me tinha sido dado e, em vez de falar da proposta dos professores, falei com o governador sobre o problema da sede da OAB/SE.

Conta que, no seu tempo de presidente da Ordem dos Advogados, a OAB não era acomodada. “Lutamos muito pelos direitos humanos, mesmo com a sede da OAB instalada em prédio do governo. Todas as vezes que a polícia praticava abusos, a OAB se fazia presente em defesa do cidadão. Cheguei a receber ameaças indiretas de policiais. Mandavam recados para eu ficar quieto e que estava mexendo com algo perigoso, mas nada me intimidou”.

Com o apoio do Desembargador Luiz Rabelo Leite, muito trabalhou para a criação das varas da Justiça gratuita.

Família

Casou com Elze Silveira, em 5 de fevereiro de 1954. Lua de Mel no Rio de Janeiro, com viagem no avião da Real, que decolou do antigo aeroporto de Aracaju, no bairro Matadouro. Do casamento, sete filhos. Netos, diz que tem sete.

Um temido homem da esquerda na época do Golpe de 64. “Já é por causa das minhas posições na OAB, pois sempre lutei contra a ditadura militar e pela volta do regime democrático” .

Em 64, escapou por pouco da prisão e conta os motivos: “Fui diretor do Colégio Estadual de Sergipe (Atheneu), no governo de Sexias Dória, mas entreguei o cargo antes do Golpe de 64. Havia uma horrível situação do professorado. Salários abaixo do mínimo. Houve um movimento no meio dos professores. Na época, havia greve de professores em todo o Brasil e a gente participou do movimento grevista em Aracaju e já tínhamos participado de uma outra greve nacional no ano de 1955. Fui o presidente do comitê de greve. As greves que nós promovemos em Aracaju conseguiram adesão de todo o funcionalismo público do Estado. Foi isso que me pôs na mira dos militares. Fui depor por duas vezes. Não me prenderam por duas razões principais: tenho um irmão que era oficial do Exército em Aracaju. Só que ele era o chefe do presídio. Você acha que eles iam me prender para o meu irmão ser meu carcereiro?” (risos). A segunda razão, pela minha diabete, que já dura 42 anos”.

É membro da Academia Sergipana de Letras, na Cadeira Ivo do Prado. Durante alguns anos, colaborou na imprensa sergipana, tendo publicado constantes artigos nos jornais A Cruzada e Gazeta de Sergipe, de 55 a 64. Quando o Jornal de Sergipe pertenceu a José Carlos Teixeira, colaborou com alguns artigos. Publicou, em livros, três teses que defendeu e uma coletânea dos artigos publicados na imprensa sergipana.

Do atual contexto nacional, Silvério Fontes acha que o governo brasileiro, sob a pressão dos interesses capitalistas nacionais e internacionais, está correndo risco de uma dependência total das grandes economias: americana, européia e japonesa.

Texto reproduzido do site: osmario.com.br

Silvério Fontes e a esquerda católica

Imagem reproduzida do site: silveriofontes.com.br
Postada por MTéSERGIPE, a fim de ilustrar o presente artigo.

Publicado originalmente no Blog Primeira Mão, em 07/10/2012.

Silvério Fontes e a esquerda católica.

Por Afonso Nascimento*

Um dos professores de Direito da antiga Faculdade de Direito por quem sempre tive sempre grande admiração foi José Silvério Leite Fontes (1925-2005). Ele é natural de Aracaju e nessa mesma cidade morreu - tendo raízes na aristocracia rural de Riachão do Dantas. O seu pai era proprietário de uma salina pelos lados de Socorro, o que lhe dá, somente quanto a este aspecto, uma origem social no empresariado (médio?) sergipano.

Enquanto intelectual sergipano, Silvério Fontes se definia corretamente: era um polígrafo. Escreveu em muitas áreas e o fez sempre com grande competência e profundidade. Além de ter ensinado em escolas secundárias no começo da vida acadêmica, ele foi professor de Direito, com quem estudei Ética Jurídica na última sala do velho prédio, à esquerda de quem o adentra. Ainda dos meus tempos de estudante, lembro ter sido ele quem introduziu e coordenou a prática forense numa escola de Direito cujo treinamento profissional era - como ainda é - muito doutrinário ou "teoricista". A imagem que guardei dele foi aquela de um homem íntegro, de alguém sempre correndo, indo ou vindo, lidando com problemas de diabetes, e de um progressista cujas ações impunham respeito aos meios intelectuais, sindicais e políticos que frequentava.

Nos anos 1990, eu o conheci um pouco mais como professor perto de aposentar-se, desta vez como colega da mesma instituição. Por duas ou três vezes, cheguei a frequentar a sua casa, situada em frente à praça com nome de um construtor civil. Tinha uma grande biblioteca que parecia muito organizada. Quando se aposentou da UFS, o Departamento de Direito lhe fez uma muito pequena homenagem porque teria sido o professor que nunca perdera um dia de aula. Não faz muito tempo o mesmo departamento, felizmente, criou uma medalha para homenageá-lo com a cadeira de Sociologia Jurídica. Homenagem merecida já que ele, além de ter ensinado essa disciplina, escreveu um curto porém interessante ensaio sobre a Faculdade de Direito a partir desse enfoque. Escreveu ainda um belo trabalho sobre o pensamento jurídico sergipano, obra que seria mais bem enquadrada como pertencente à Filosofia Jurídica.

Além do magistério jurídico, foi um grande nome do magistério da área de História da UFS. No espaço dos historiadores sergipanos sem treinamento específico (ele teve formação jurídica na Bahia), o professor Silvério Fontes também conquistou respeito e admiração de outros historiadores, como seus ex-alunos José Ibarê Costa Dantas e Terezinha Alves Oliva. Na historiografia, a sua influência teria sido o francês Henri-Irinée Marrou, historiador católico, e não aquela de membros da Escola dos Anais, como quiseram lhe imputar. Foi uma pessoa fundamental no funcionamento do Departamento de História da UFS e na estruturação de fontes de pesquisa sobre Sergipe dentro e fora da instituição.

Ainda que tenha transitado por diversas áreas do conhecimento, o professor Silvério foi, sobretudo, um filósofo, e nessa condição foi professor do Departamento de Filosofia da UFS. Com efeito, foi da Filosofia que nasceu o intelectual multifacetado, atuante em muitos campos do magistério e escritor em esferas diversas. Era um filósofo com fundamentos cristãos ou católicos e que se considerava um neotomista. Estudando o seu pensamento e a sua trajetória, fui levado a concluir que, na sua vida, pensamento e ação se combinavam com muita coerência. A sua reflexão e a sua ação derivavam de sua fé e de seu embasamento em filósofos católicos como Jacques Maritain, Teilhard de Chardin e Emmanuel Mounier.

Ele fazia parte da esquerda católica, leiga, de Sergipe e dela foi militante em diversas trincheiras. Estava na oposição ao conservadorismo católico de Manoel Cabral Machado e outros nomes, dentro e fora da Faculdade de Direito. Ou seja, estava do lado de Dom José Vicente Távora e do Dom Brandão (da segunda fase) na esquerda católica com batina e no lado distinto ao do fundador da direita católica sergipana Jackson de Figueiredo (advogado e não membro do clero, residindo no Rio de Janeiro) e de seu continuador mais importante Dom Luciano Duarte, entre outros. A despeito disso, no campo da direita sergipana, Silvério Fontes teve passagem rápida no começo de sua vida pública quando foi filiado ao Partido Republicano (PR, uma espécie de PSD do B, na linguagem de hoje) e, depois de terminar seu curso de Direito na Bahia, aceitou o cargo de secretário do governador Arnaldo Garcez, do PSD em Sergipe. Enquanto líder sindicalista, ele esteve à frente de famosa greve de professores da rede estadual de ensino, foi fundador e militante do sindicato dos professores da UFS e foi presidente da OAB (o sindicatos dos advogados sergipanos), dando a esta instituição uma direção progressista, depois de muita omissão e silêncio durante a ditadura militar em Sergipe.

O professor Silvério teve alguns problemas com a ditadura militar em Sergipe. Na sequência ao golpe militar de 1964, foi um dos professores de Direito a "subir a colina" (28º BC) para depor - os outros foram Gonçalo Rollemberg e Bonifácio Fortes. Segundo escreveu Ibarê Dantas, ele teve a sua candidatura a juiz de Direito vetada pelo Tribunal de Justiça de Sergipe, em 1969. Excesso de zelo conservador da Suprema Corte sergipana ou "ordem de cima"?

De sua obra múltipla, destaco o ensaio intitulado "A formação do povo sergipano", no qual discute, entre outras coisas, em minha opinião, o pior dos males culturais sergipanos, o provincianismo. Esse é um assunto que, por si só, mereceria um espaço único e, fazê-lo aqui, me levaria a perder o foco sobre o professor Silvério. Por isso deixarei a sua discussão para outro momento. Não perco a ocasião, porém, para acrescentar que Silvério Fontes foi também, por merecimento, membro da Academia Sergipana de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe.

*Advogado e Professor de Direito da UFS.

Texto reproduzido do site: primeiramao.blog.br

A Formação do Povo Sergipano


Publicado originalmente no site de Silvério Fontes.

A Formação do Povo Sergipano.
Por Luiz Antônio Barreto*

É rica a bibliografia sergipana, no que diz respeito aos estudos históricos e geográficos, mas é pobre, muito pobre, o capítulo da formação da sociedade. A questão dos limites com a Bahia, que reduziu parte do território de Sergipe nas fronteiras sul e oeste, serviu de mote inspirador, por muito tempo, a que diversos autores vasculhassem os arquivos em busca de documentos que servissem na defesa do bom direito sergipano. Autores e textos que tomaram lugar na estante genuinamente sergipana, como é exemplo A Capitania de Sergipe e suas Ouvidorias, de Ivo do Prado, monumenta que consagra a luta intelectual dos autores sergipanos, dentre eles Carvalho Lima Júnior, Padre João de Matos, Elias Montalvão, Manoel dos Passos de Oliveira Teles.

Aqui e ali alguns autores trataram, de passagem, do tema da formação social sergipana, enquanto apresentavam argumentos em defesa da autonomia territorial. Outros autores, com informações esparsas, contribuíram para a compreensão do processo de ocupação territorial, ao longo dos séculos de presença colonizadora. A sólida tentativa de colonização através da distribuição de cartas de sesmarias, a partir das margens dos rios, Real, no sul, ao São Francisco, no norte, ainda no século XVI, muito pouco estudada, é um marco. Depois, os currais de gado, espalhados entre os vales dos rios Sergipe e São Francisco. Por fim, os engenhos de açúcar, de todos os tamanhos, plantados em quase todo o território. Tais aglomerados humanos, formados em torno da economia ditada pela colonização, formataram a vida sergipana.

A emancipação política de 8 de julho de 1820 sedimentou o processo econômico iniciado com a conquista de 1590, ampliando-o e aperfeiçoando-o, inclusive com a participação de brasileiros e estrangeiros que chegaram para atender as demandas locais. O século XIX consolidou, rapidamente, os núcleos urbanos, exibindo as condições de vilas importantes, como Estância, Laranjeiras, Maroim, e a cidade de São Cristóvão, capital da Província. Na segunda metade do século XIX Aracaju, feita cidade e capital a um só tempo, serviu de ponto de convergência da Província, adquirindo a condição de cabeça e de caixa de ressonância da vida sergipana.

As estatísticas do Censo de 1890, o primeiro após a proclamação da República, revelaram que o Estado de Sergipe tinha a população mais mestiça do Brasil: 48.99% de mestiços e mais 6.52% de caboclos, contra 29.72% de brancos e 14.77% de pretos. Com tal população, Sergipe produzia, nas primeiras décadas do século XX, açúcar, algodão, couros, especiarias, feijão, milho, mandioca e farinha, peixes salgados, aguardente, álcool, melaço., fumo, arroz, e mais os tecidos grossos, bulgarianas, produzidos pelas fábricas instaladas em Aracaju, Estancia, Maroim, São Cristovão, Neópolis e Propriá, e exportava mais do que importava.

José Silvério Leite Fontes, advogado, pensador e professor, nascido em Aracaju, se propôs a estudar Sergipe e a formação do seu povo em diversos trabalhos que são reunidos nesta edição, patrocinada pela Secretaria de Estado da Cultura. São seis pequenos ensaios, escritos em épocas diferentes e alguns para eventos de professores de história, que têm um núcleo comum, o de buscar nas origens sergipanas a formação do povo. São, portanto, ensaios de história, produzidos na prática recorrente do pesquisador.

Formação do povo sergipano, ensaio que dá título ao livro, amplia a discussão sobre a sociedade sergipana, iniciada por Prado Sampaio em Sergipe Artístico, Literário e Científico (Aracaju: Imprensa Oficial, 1928), e seguida por José Calasans em Aspectos da Formação Sergipana, na Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe (Aracaju: Imprensa Oficial, 1942), por Nunes Mendonça, em Introdução ao Estudo do Sergipano, também na Revista do IHGS (Aracaju: Livraria Regina, 1960), Luiz Mott, principalmente em Brancos, Pardos, Pretos e Índios em Sergipe: 1825-1830 (Assis, SP, Separata dos Anais de História/Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, 1974), Alexandre Diniz em Aracaju – Síntese de sua Geografia Urbana (Aracaju: J. Andrade, 1963).

Sergipe Artístico, Literário e Científico é uma memória feita para ser apresentada pelo Governo do Estado, na administração de Manoel Correia Dantas, à Exposição Ibero – Americana de Sevilha e nela Prado Sampaio estuda os Aspectos etno – psicológicos do povo sergipano, tratando ainda da criação cultural e científica dos sergipanos.

José Calasans trata sobre os franceses em Sergipe nos primeiros tempos da colonização. Nunes Mendonça divide o seu trabalho do seguinte modo: I – Características Psicológicas; II – Usos, costumes e crenças; II – Quadro étnico e relações inter – raciais; IV – Tipos de habitação; V – Atividades econômicas; VI – Condições de vida.

Luiz Mott faz estudo da população sergipana logo após a Emancipação política e a instalação do Governo, enquanto Alexandre Diniz focaliza a capital sergipana, na sua Tese de concurso para Catedrático de Geografia do Ateneu.

Os ensaios de José Silvério Leite Fontes são todos da década de 1970 e estão ligados, intimamente, a Universidade Federal de Sergipe, como ativadores da pesquisa histórica da instituição, que permitiu fossem produzidos novos e bons textos de autoria da professora Maria Thétis Nunes, e de muitos outros, destacando-se, nos últimos tempos, Maria da Glória Santana de Almeida, Maria Matos, Diana Diniz, Ibarê Dantas, Francisco José Alves, Lenalda Santos, Terezinha Oliva e Jorge Carvalho do Nascimento, dentre muitos.

Os ensaios de história de José Silvério Leite Fontes retratam, por isto mesmo, os diversos momentos da pesquisa e do debate sobre Sergipe e sobre os sergipanos e sua publicação preserva levantamentos e fontes preciosos, como roteiro para as novas e mais abrangentes pesquisas. Graças aos esforços do Secretário da Cultura José Carlos Teixeira os textos do professor José Silvério Leite Fontes estão disponíveis aos interessados na formação do povo sergipano.

Fonte "Pesquise - Pesquisa de Sergipe/InfoNet".

Texto e imagem reproduzidos do site: silveriofontes.com.br

sábado, 21 de janeiro de 2017

Silvério Fontes e a história da historiografia sergipana ( I, II, e III)


Publicado originalmente no site do Jornal da Cidade, em 14/03/2016.

Silvério Fontes e a história da historiografia sergipana ( I ).

Campinas, São Paulo, julho de 1972. Entre os dias 9 e 15, a UNICAMP abrigou o III Encontro de Professores de Introdução aos Estudos Históricos, evento que reuniu profissionais do ensino superior de História de todo o país.

Por: Samuel Albuquerque.

Campinas, São Paulo, julho de 1972. Entre os dias 9 e 15, a UNICAMP abrigou o III Encontro de Professores de Introdução aos Estudos Históricos, evento que reuniu profissionais do ensino superior de História de todo o país.

José Silvério Leite Fontes (1925-2005), professor de Introdução aos Estudos Históricos do Departamento de História e Filosofia, representou a UFS no encontro e apresentou o projeto “Levantamento das fontes primárias da história de Sergipe”, cuja execução capitaneava em seu pequeno estado.

Mas qual seria a relação entre aquela comunicação de julho de 1972 e a História da Historiografia Sergipana? Ocorre que o seu texto-base, publicado meses depois no “Cadernos da UFS”, possui um brevíssimo (porém pioneiro) estudo sobre a trajetória dos fazeres historiográficos em Sergipe. Trata-se de uma espécie de introito ao projeto divulgado, dando conta do estado da arte no campo da História de Sergipe. A natureza do trabalho justifica, inclusive, a sumaríssima análise que dele resulta. Aliás, o próprio Silvério Fontes registrou que o tema mereceria “estudos mais acurados”, considerando que sua atenção se voltou, apenas, para “alguns pontos relevantes” (Fontes, 1972, 4).

Da reflexão do professor de Introdução aos Estudos Históricos, a primeira observação digna de nota é, sem dúvida, a definição de Historiografia Sergipana. Para ele, essa vertente do conhecimento histórico era “obra dos filhos da Província e versando sobre sua terra natal” (Fontes, 1972, 4). Certamente, o autor se referia aos “filhos” naturais ou adotivos de Sergipe, considerando que incluiu em sua análise “homens de estudos” nascidos em outras paragens, mas que viveram no estado e estudaram o passado sergipano.

Mesmo assinalando a “preocupação historiográfica” do comendador Antonio José da Silva Travassos, em seus “Apontamentos historicos e topographicos sobre a Provincia de Sergipe” (1875), Silvério considerou Felisbello Freire, autor de “Historia de Sergipe” (1891) e de “Historia territorial do Brazil” (1906), o fundador da Historiografia Sergipana propriamente dita. Felisbello seria a “estrela de primeira grandeza” da constelação de intelectuais que, “[n]o último quartel do século XIX e [n]o primeiro do século XX”, integraram o “surto historiográfico” consagrado a Sergipe (Fontes, 1972, 4).

O referido “surto” não era, segundo seu intérprete, fruto de “desenvolvimento autógeno” e sim de “influências culturais estrangeiras, recebidas pelos estudantes sergipanos que frequentam os meios universitários de Recife, Bahia e Rio de Janeiro, ou transmitidas por eles aos radicados em Sergipe” (Fontes, 1972, 4).

Levados por um impulso anacrônico, a interpretação de Silvério nos faz lembrar o conceito de “circularidade entre as culturas”, difundido no Brasil através, sobretudo, dos trabalhos do historiador italiano Carlo Ginzburg, a partir de fins de década de 1980. Além disso, dois recentes trabalhos acadêmicos nos ajudam a compreender o contexto no qual a proliferação de estudos sobre o passado sergipano teria ocorrido. O primeiro é a dissertação de mestrado de Eugênia Andrade Vieira da Silva, que investiga os caminhos e descaminhos das elites sergipanas do século XIX em busca de instrução (trabalho referenciado ao final deste artigo). O segundo é a monografia de Cristiane Vitório de Souza, que estuda a constituição do campo intelectual sergipano nos primórdios da República (trabalho também referenciado ao final deste artigo). A leitura desses estudos nos faz compreender, dentre outras coisas, o papel desempenhado pelas antigas faculdades de Direito e Medicina do Segundo Império/Primeira República nos diferentes processos de recepção e circulação de ideias produzidas, sobretudo, na velha Europa.

Orientando sua análise, Silvério Fontes propôs uma periodização tripartite para a Historiografia Sergipana. A primeira fase iria de princípios da década de 1890 a fins da década de 1920, a segunda de fins da década de 1920 a fins da década de 1950 e a terceira teria se iniciado em princípios da década de 1960. Trataremos de cada uma dessas fases nos próximos textos desta série.

Sequência de fontes/bibliografia citadas:

FONTES, José Silvério Leite. Historiografia Sergipana. In: Levantamento das fontes primárias da história de Sergipe. “Cadernos da UFS”, Aracaju, n. 1, p. 4-7, 1972.

TRAVASSOS, Antonio José da Silva. “Apontamentos historicos e topographicos sobre a Provincia de Sergipe”. Rio de Janeiro: Instituto Typographico do Direito, 1875 (documento editado, também, no número 6/1916 da Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe).

FREIRE, Felisbello Firmo de Oliveira. “Historia de Sergipe (1575-1855)”. Rio de Janeiro: Typographia Perseverança, 1891.

FREIRE, Felisbello. “Historia territorial do Brazil (Bahia, Sergipe e Espirito Santo)”. Rio de Janeiro: Typ. do Jornal do Commercio, 1906. p. 273-363.

GINZBURG, Carlo. “O queijo e os vermes”: o cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido pela Inquisição. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.

SILVA, Eugênia Andrade Vieira da. “A formação intelectual da elite sergipana (1822-1889)”. São Cristóvão, 2004. Dissertação (Mestrado em Educação) – NPGED/UFS.

SOUZA, Cristiane Vitório de. “A ‘República das Letras’ em Sergipe (1889-1930)”. São Cristóvão, 2001. Monografia (Licenciatura em História) – DHI/UFS [Resumo em: SOUZA, Cristiane Vitório de. A “República das Letras” em Sergipe (1889-1930). “Revista de Aracaju”, Aracaju, n. 9, p. 189-208, 2002].

Sobre a trajetória pessoal e profissional de Silvério Fontes, consultar: DANTAS, Ibarê. “História da Casa de Sergipe”: os 100 anos do IHGSE, 1912-2012. São Cristóvão: Editora UFS; Aracaju: IHGSE, 2012. p. 306-314 (Coleção Biblioteca Casa de Sergipe, 15).

(Os artigos desta série são desdobramentos das minhas aulas de História de Sergipe, no curso de Museologia da UFS).

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Publicado originalmente no site do Jornal da Cidade, em 21/03/2016.

Silvério Fontes e a História da Historiografia Sergipana (II).

Vimos que, em princípios da década de 1970, José Silvério Leite Fontes, então professor dos cursos de História e Direito da UFS, propôs uma periodização tripartite para o estudo da Historiografia Sergipana.

Por: Samuel Albuquerque.

Vimos que, em princípios da década de 1970, José Silvério Leite Fontes, então professor dos cursos de História e Direito da UFS, propôs uma periodização tripartite para o estudo da Historiografia Sergipana.

Segundo sua proposta, a primeira fase da Historiografia Sergipana teve início em princípios da década de 1890 e se prolongou até fins da década de 1920. Marcado pelo que denominou de “surto historiográfico”, o período contou com a singular contribuição de Felisbello Freire e com a criação do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe.

Referindo-se à “Historia de Sergipe” de Felisbello Freire, Silvério afirmou: “[obra] até hoje não superada como trabalho amplo, embora escrita de acordo com a filosofia liberal da época” (Fontes, 1972, 5). Essa é, sem dúvida, uma tese válida para o momento de sua defesa. Mas, felizmente, ela expirou à medida que a Historiografia Sergipana, ainda na década de 1970, passou a receber significativas contribuições de autores como Ibarê Dantas e Maria Thetis Nunes. Sobre essa questão, considero que a contribuição de Felisbello foi superada, no que diz respeito à História da Capitania de Sergipe, pelo conjunto do legado de Maria Thetis Nunes – com os livros “Sergipe Colonial I” (1989) e “Sergipe Colonial II” (1996) – e Luiz Mott – com os livros “Sergipe del Rey” (1986), “A Inquisição em Sergipe” (1989) e “Sergipe Colonial e Imperial” (2008). Quanto à História da Província de Sergipe, Felisbello foi superado por Ibarê Dantas, que, em 2009, publicou a biografia do senador “Leandro Ribeiro de Siqueira Maciel”, estudando com afinco a política e a sociedade sergipana oitocentista.

No mais, tenho dúvidas quanto ao fato de Silvério Fontes ter lido o segundo trabalho de Felisbello Freire sobre Sergipe, pois soa estranho o fato de o criterioso professor de Introdução aos Estudos Históricos não ter indicado a superioridade da “Historia territorial do Brazil” (1906) em relação à “Historia de Sergipe” (1891). O capítulo dedicado a Sergipe no livro de 1906 revela um autor maduro e que, exercitando seu poder de síntese, retoma com mais rigor e precisão a história de sua terra natal.

Sobre a fundação do IHGSE na década de 1910, Silvério registrou: “É então fundado o Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, a 6 de agosto de 1912, que publicará durante vários anos revista com valiosas contribuições aos estudos históricos locais” (Fontes, 1972, 5). Sobre esse fato, sabemos que o Instituto passou a representar uma espécie de “armadura defensora da História”, fomentando a produção e a circulação do conhecimento histórico local. Desde 1912, gerações e gerações de intelectuais abrigaram-se na Casa de Sergipe, encontrando morada acolhedora para estudos, pesquisas, debates e divulgação da História.

Na hierarquia de Silvério, os autores de maior relevância na primeira fase da Historiografia Sergipana seriam, respectivamente: Felisbello Freire, com sua “Historia de Sergipe” (1891); Ivo do Prado, autor de “A Capitania de Sergipe e suas Ouvidorias” (1919); Carvalho Lima Júnior, autor da “História dos limites entre Sergipe e Bahia” (1918) ; e Oliveira Telles, autor de “Limites de Sergipe” (1919). Os três últimos autores teriam se destacado enquanto devotados estudiosos do “histórico da questão de limites com a Bahia” (Fontes, 1972, 5).

Outros autores foram relacionados por Silvério, que, sutilmente, teceu suas críticas ao legado intelectual de parte deles. Sobre as corografias de Laudelino Freire e L. C. Silva Lisboa, por exemplo, destaca o valor documental e não historiográfico dessas obras (ambas referenciadas ao final deste artigo). Crítica similar fez aos autores que “relataram o movimento republicano e a implantação da República, no Estado”, referindo-se aos trabalhos de Balthazar Goes, autor de “A Republica em Sergipe” (1891); Manuel Curvelo de Mendonça, autor de “Sergipe republicano” (1896); e F. Nobre de Lacerda, autor de “A decada republicana em Sergipe” (1906).

Manoel Armindo Cordeiro Guaraná, autor do monumental “Diccionario bio-bibliographico sergipano” (1925), Liberato Bittencourt, autor dos dicionários “Brasileiros illustres” (vol. 1, 1913) e “Homens do Brasil” (vol. 1, 1917), além do padre Antonio Carmelo, autor de “Olympio Campos perante a Historia” (1910), estariam entre os intelectuais que trataram de “exaltar” os “sergipanos ilustres” (Fontes, 1972, 5). Nesse sentido, o analista parece depreciar a narrativa de apologia aos “grandes homens”, que caracterizou os trabalhos de Guaraná, Bittencourt e Carmelo. Poupados à crítica, aparecem os autores com “interesse pela história literária e artística”, destacadamente Prado Sampaio, autor de “A Litteratura Sergipana” (1908) e “Sergipe artistico, litterario e scientifico” (1928).

Sem muitas delongas, a análise de Silvério Fontes conduz o leitor para as fases seguintes da sua História da Historiografia Sergipana. Delas trataremos no próximo artigo.
Sequência de fontes/bibliografia citadas:

FONTES, José Silvério Leite. Historiografia Sergipana. In: Levantamento das fontes primárias da história de Sergipe. “Cadernos da UFS”, Aracaju, n. 1, p. 4-7, 1972.

FREIRE, Felisbello Firmo de Oliveira. “Historia de Sergipe (1575-1855)”. Rio de Janeiro: Typographia Perseverança, 1891.

NUNES, Maria Thetis. “Sergipe Colonial I”. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro; Sergipe: UFS 1989.

NUNES, Maria Thetis. “Sergipe Colonial II”. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1996.

MOTT, Luiz Roberto de Barros. “Sergipe del Rey”: população, economia e sociedade. Aracaju: FUNDESC, 1986 (Coleção Jackson da Silva Lima).

MOTT, Luiz Roberto de Barros. “A Inquisição em Sergipe”. Aracaju: FUNDESC, 1989 (Coleção Jackson da Silva Lima).

MOTT, Luiz Roberto de Barros. “Sergipe Colonial e Imperial”: religião, família, escravidão e sociedade. São Cristóvão: Editora UFS; Aracaju: Fundação Oviêdo Teixeira, 2008.

DANTAS, Ibarê. “Leandro Ribeiro de Siqueira Maciel (1825/1909)”. O patriarca do Serra Negra e a política oitocentista em Sergipe. Aracaju: Criação, 2009.

FREIRE, Felisbello. “Historia territorial do Brazil (Bahia, Sergipe e Espirito Santo)”. Rio de Janeiro: Typ. do Jornal do Commercio, 1906. p. 273-363.

PRADO, Ivo do. “A Capitania de Sergipe e suas Ouvidorias”. Memoria sobre questões de limites (Congresso de Bello Horizonte). Rio de Janeiro: Papelaria Brazil, 1919.
LIMA JUNIOR, Francisco A. de Carvalho. “História dos limites entre Sergipe e Bahia”. Aracaju: Imprensa Official, 1918.

TELLES, M. P. Oliveira. “Limites de Sergipe” (Contra o 1º volume da compilação do Dr. Braz do Amaral, intitulada Limites do Estado da Bahia). Aracaju: Imprensa Official, 1919.

FREIRE, Laudelino. “Quadro Chorographico de Sergipe”. Rio de Janeiro: H. Garnier, 1898.

LISBOA, L. C. Silva. “Chorographia do Estado de Sergipe”. Aracaju: Imprensa Official, 1897.

GOES, Balthazar. “A Republica em Sergipe (Aponctamentos para a Historia), 1870-1889”. Aracaju: Typ. do Correio de Sergipe, 1891.

MENDONÇA, Manoel Curvelo de. “Sergipe republicano”. Rio de Janeiro: Casa Mont’ Alverne, 1896.

LACERDA, F. Nobre de. “A decada republicana em Sergipe”. Aracaju: Imprensa Moderna, 1906.

GUARANÁ, Armindo. “Diccionario bio-bibliographico sergipano”. Rio de Janeiro: Pongetti & C, 1925.

BITTENCOURT, Liberato. “Brasileiros illustres”. Em todos os ramos da actividade e do saber, de 1500 aos nossos dias. vol. I (Sergipanos illustres). Rio de Janeiro: Gomes Pereira, 1913.

BITTENCOURT, Liberato. “Homens do Brasil”. Em todos os ramos da actividade e do saber, de 1500 aos nossos dias. vol. I (Sergipe). 2ª edição. Rio de Janeiro: Typ. Mascotte, 1917.

CARMELO, Antonio. “Olympio Campos perante a Historia”. Rio de Janeiro: Gomes, Irmão & C., 1910.

SAMPAIO, Prado. “A Litteratura Sergipana”. Maroim: Imprensa Economica, 1908.

SAMPAIO, Prado. “Sergipe artistico, litterario e scientifico”. Aracaju: Imprensa Official, 1928.

Sobre a bibliografia que trata do papel do IHGSE na história intelectual de Sergipe, consultar: ALBUQUERQUE, Samuel Barros de Medeiros. No centenário da Casa de Sergipe, um presente. In: _____; et.al. História, memória e comemorações na Casa de Sergipe: os 100 anos do IHGSE. Aracaju: Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, 2014. p. 367-374.

(Os artigos desta série são desdobramentos das minhas aulas de História de Sergipe, no curso de Museologia da UFS).

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Publicado originalmente no site do Jornal da Cidade, em 28/03/2016.

Silvério Fontes e a História da Historiografia Sergipana (final).

Vencido o “surto historiográfico” que, segundo Silvério Fontes, teria caracterizado a primeira fase a Historiografia Sergipana, seguem-se períodos fastidiosos.

Por: Samuel Albuquerque.

Vencido o “surto historiográfico” que, segundo Silvério Fontes, teria caracterizado a primeira fase a Historiografia Sergipana, seguem-se períodos fastidiosos.

Segundo o analista de princípios da década de 1970, a segunda fase da Historiografia Sergipana teve início em fins da década de 1920 e prolongou-se até fins da década de 1950. Silvério construiu uma representação soturna do referido período, caracterizando-o como uma fase de “decadência”, “arrefecimento” e “descrença” no poder criativo dos estudiosos do passado local.

Entre os autores que, nas trevas da segunda fase da Historiografia Sergipana, não deixaram desaparecer a chama do templo de Clio, estariam: Sebrão sobrinho, com suas “Laudas da História do Aracaju” (1955); Epifânio da Fonseca Dórea, com dezenas de trabalhos, sobretudo pequenas biografias e necrológios, publicados na Revista do IHGSE entre as décadas de 1910 e 1960; Philadelpho Jonathas de Oliveira, autor de “Historia de Laranjeiras Catholica” (1935) e de “Registo de fatos históricos de Laranjeiras” (1942); João Dantas Martins dos Reis, que publicou trabalhos na Revista do IHGSE a partir de princípios da década de 1940, tratando, principalmente, da história do poder judiciário em Sergipe; Felte Bezerra, autor de “Etnias sergipanas” (1950) e de “Investigações Histórico-Geográficas de Sergipe (1952)”; e José Calasans, autor de “Aracaju: contribuição à História da capital de Sergipe” (1942) e de “Temas da Provincia” (1944), além de outros estudos publicados na Revista do IHGSE desde princípios da década de 1940.

Contundente em sua crítica, Silvério ressaltou que no referido grupo “predominam os analistas de arquivos e de fatos isolados”, depreciando, assim, os estudiosos do passado mais preocupados com a heurística que com hermenêutica (mais com “preciosos” documentos e menos com a teoria/metodologia da História). Particularmente, acredito que Felte Bezerra e José Calasans seriam as exceções ao perfil daquele grupo.

Sobre José Calasans, aliás, o autor afirmou: “grande conhecedor das fontes históricas de Sergipe, ainda não produziu a obra de síntese que se espera dele” (Fontes, 1972, 5). Ao que parece, Calasans jamais chegou a atender às expectativas de Silvério, que o representou como um exemplo bem acabado de promessa não cumprida. Ainda assim, é preciso assinalar que a contribuição de Calasans à História da Historiografia Sergipana superaria a contribuição do seu crítico. Estou me referindo à clássica “Introdução ao estudo da Historiografia Sergipana”, surgida em 1973 e publicada, somente, em 1992, no livro “Aracaju e outros temas sergipanos”.

As considerações de Silvério sobre a segunda fase da nossa Historiografia se encerram com breves referências a autores de “estudos esparsos”, publicados a partir de meados da década de 1940 – Bonifácio Fortes, Fernando Porto, Austrogésilo Santana Pôrto, Joel e Junot Silveira.

A terceira e última fase da Historiografia Sergipana remeteria à década de 1960 e a um contexto de lenta “retomada” e “transformação”, marcado pela criação da Universidade Federal de Sergipe.

Para Silvério, no início da terceira fase a História estava “divorciada da perspectiva local”. Mesmo na Faculdade Católica de Filosofia e, depois, na UFS o ensino de História “era desenraizado, puramente livresco e sem oportunidades de incentivo à pesquisa, devido à pobreza bibliográfica das livrarias, ao patrimônio sem renovação da Biblioteca Pública, e a falta de utilização do acervo do Instituto Histórico e Geográfico” (Fontes, 1972, 6). Contudo, transformações ocorridas no campo intelectual teriam incentivado o que ele chamou de “recuperação” da Historiografia Sergipana, pois “a criação da Universidade (...) permitiu aos professores dedicarem mais tempo ao estudo e ao ensino. A organização departamental estabeleceu maior contacto e cooperação entre eles. Além disso, à margem do processo didático universitário, começam a aparecer espíritos da nova geração com outro modo de visualizar a História” (Fontes, 1972, 6).

Acrísio Tôrres Araújo, autor da “Pequena História de Sergipe” (1966) e de “Aracaju, minha capital” (1967), e J. Pires Wynne, autor de “História de Sergipe, 1575-1930” (vol. 1, 1970), foram destacados entre os autores de sínteses desprovidas de novidades, em termos “de investigação e de interpretação”. Por sua vez, Jackson da Silva Lima, autor da “História da Literatura Sergipana” (vol. 1, 1971), foi referenciado como um promissor estudioso das práticas culturais do nosso passado.

A crítica de Silvério aos trabalhos de Acrísio Tôrres convergia para o posicionamento de sua colega Maria Thetis Nunes, que, através da imprensa sergipana, travaria uma longa polêmica com o estudioso cearense em 1973, enfatizando as impropriedades constantes nos livros didáticos citados acima. Aliás, a querela intelectual que envolveu Acrísio e Thetis já foi perscrutada por autores como Itamar Freitas, em sua “Historiografia Sergipana” (2007), e Ibarê Dantas, na celebrativa “História da Casa de Sergipe” (2012).

Finda a leitura das reflexões de Silvério Fontes, é possível flagrar algumas ausências na “galeria de historiadores” da qual ele foi curador. Não sabemos ao certo o que o levou a ignorar as contribuições, por exemplo, de Elias Montalvão, autor de “Meu Sergipe” (1916), e Clodomir Silva, autor do “Album de Sergipe” (1920) e de “Minha gente” (1962). No mais, o texto parece ter sido escrito para leitores familiarizados com a produção historiográfica sergipana, posto que o seu autor não teve a preocupação de relacionar os trabalhos da maior parte intelectuais citados.

É preciso, finalmente, registrar que, circunscrito no campo da História da Historiografia, Silvério legou-nos, ainda, sua tese de livre-docência, defendida em 1975 e publicada sob o título “Marxismos na Historiografia Brasileira Contemporânea” (2000). Quanto aos estudos de História da Historiografia Sergipana, estes foram cultivados por outros intelectuais da década de 1970, notadamente pelo jovem itabaianense Vladimir Souza Carvalho e pelo festejado professor José Calasans Brandão da Silva. A contribuição de ambos será tema dos nossos próximos artigos.

Sequência de fontes/bibliografia citadas:

FONTES, José Silvério Leite. Historiografia Sergipana. In: Levantamento das fontes primárias da história de Sergipe. “Cadernos da UFS”, Aracaju, n. 1, p. 4-7, 1972.

SEBRÃO SOBRINHO. “Laudas da história do Aracaju”. Aracaju: Prefeitura Municipal de Aracaju, 1955.

OLIVEIRA, Philadelpho Jonathas de. “Historia de Laranjeiras Catholica”. Aracaju: Casa Avila, 1935.

OLIVEIRA, Philadelpho Jonathas de. “Registo de fatos históricos de Laranjeiras”. Aracaju: Casa Avila, 1942.

BEZERRA, Felte. “Etnias sergipanas”: contribuição ao seu estudo. Aracaju: Livraria Regina, 1950 (Coleção Estudos Sergipanos, VI).

BEZERRA, Felte. “Investigações Histórico-Geográficas de Sergipe”. Rio de Janeiro: Organização Simões, 1952 (Coleção Rex - História do Brasil, 2).

CALASANS, José. “Aracaju: contribuição à História da capital de Sergipe”. Aracaju, Livraria Regina, 1942.

CALASANS, José. “Temas da Provincia”. Aracaju: Livraria Regina, 1944 (Coleção Estudos Sergipanos, I).

SILVA, José Calazans Brandão da. Introdução ao estudo da Historiografia Sergipana. In: “Aracaju e outros temas sergipanos”. Aracaju: FUNDESC, 1992 (Coleção João Ribeiro). p. 7-37.

FORTES, Bonifácio. “Evolução da paizagem humana da cidade do Aracaju”. Aracaju: Livraria Regina, 1955.

PORTO, Fernando. “A cidade do Aracaju, 1855-1865”. Ensaio de evolução urbana. Aracaju: Livraria Regina, 1945 (Coleção estudos Sergipanos, II).

PÔRTO, Austrogésilo Santana. “O Realismo Social na poesia em Sergipe”. Aracaju: Livraria Regina, 1960.

ARAÚJO, Acrísio Tôrres. “Pequena História de Sergipe”. Aracaju: Livraria Regina, 1966.

ARAÚJO, Acrísio Tôrres. “Aracaju, minha capital” (Segundo Ano Primário). São Paulo: Editora do Brasil, 1967.

WYNNE, J. Pires. “História de Sergipe, 1575-1930”. Rio de Janeiro: Pongetti, 1970.

LIMA, Jackson da Silva. “História da Literatura Sergipana”. vol. I. Aracaju: Livraria Regina, 1971.

FREITAS, Itamar. “Historiografia Sergipana”. São Cristóvão: Editora UFS, 2007. p. 214-216.

DANTAS, Ibarê. “História da Casa de Sergipe”: os 100 anos do IHGSE, 1912-2012. São Cristóvão: Editora UFS; Aracaju: IHGSE, 2012. p. 362-363 (Coleção Biblioteca Casa de Sergipe, 15).

MONTALVÃO, Elias. “Meu Sergipe”. Ensino de Historia e Chorographia de Sergipe. Aracaju: Typographia Commercial, 1916.

SILVA, Clodomir. “Album de Sergipe, 1820-1920”. São Paulo: O Estado de São Paulo, 1920.

SILVA, Clodomir. “Minha gente (Costumes de Sergipe)”. Aracaju: Livraria Regina, 1962.

FONTES, José Silvério Leite. “Quatro Diretrizes da Historiografia Brasileira Contemporânea”. Aracaju, 1976. Tese de Livre-Docência publicada como: _____. “Marxismos na Historiografia Brasileira Contemporânea”. São Cristóvão: Editora UFS; Aracaju: Fundação Oviêdo Teixeira, 2000.

(Os artigos desta série são desdobramentos das minhas aulas de História de Sergipe, no curso de Museologia da UFS).

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