Publicado originalmente no site do Jornal da Cidade, em
14/03/2016.
Silvério Fontes e a história da historiografia sergipana ( I
).
Campinas, São Paulo, julho de 1972. Entre os dias 9 e 15, a
UNICAMP abrigou o III Encontro de Professores de Introdução aos Estudos Históricos,
evento que reuniu profissionais do ensino superior de História de todo o país.
Por: Samuel Albuquerque.
Campinas, São Paulo, julho de 1972. Entre os dias 9 e 15, a
UNICAMP abrigou o III Encontro de Professores de Introdução aos Estudos Históricos,
evento que reuniu profissionais do ensino superior de História de todo o país.
José Silvério Leite Fontes (1925-2005), professor de
Introdução aos Estudos Históricos do Departamento de História e Filosofia,
representou a UFS no encontro e apresentou o projeto “Levantamento das fontes
primárias da história de Sergipe”, cuja execução capitaneava em seu pequeno
estado.
Mas qual seria a relação entre aquela comunicação de julho
de 1972 e a História da Historiografia Sergipana? Ocorre que o seu texto-base,
publicado meses depois no “Cadernos da UFS”, possui um brevíssimo (porém
pioneiro) estudo sobre a trajetória dos fazeres historiográficos em Sergipe.
Trata-se de uma espécie de introito ao projeto divulgado, dando conta do estado
da arte no campo da História de Sergipe. A natureza do trabalho justifica,
inclusive, a sumaríssima análise que dele resulta. Aliás, o próprio Silvério
Fontes registrou que o tema mereceria “estudos mais acurados”, considerando que
sua atenção se voltou, apenas, para “alguns pontos relevantes” (Fontes, 1972,
4).
Da reflexão do professor de Introdução aos Estudos
Históricos, a primeira observação digna de nota é, sem dúvida, a definição de
Historiografia Sergipana. Para ele, essa vertente do conhecimento histórico era
“obra dos filhos da Província e versando sobre sua terra natal” (Fontes, 1972,
4). Certamente, o autor se referia aos “filhos” naturais ou adotivos de
Sergipe, considerando que incluiu em sua análise “homens de estudos” nascidos
em outras paragens, mas que viveram no estado e estudaram o passado sergipano.
Mesmo assinalando a “preocupação historiográfica” do
comendador Antonio José da Silva Travassos, em seus “Apontamentos historicos e
topographicos sobre a Provincia de Sergipe” (1875), Silvério considerou
Felisbello Freire, autor de “Historia de Sergipe” (1891) e de “Historia
territorial do Brazil” (1906), o fundador da Historiografia Sergipana
propriamente dita. Felisbello seria a “estrela de primeira grandeza” da
constelação de intelectuais que, “[n]o último quartel do século XIX e [n]o
primeiro do século XX”, integraram o “surto historiográfico” consagrado a
Sergipe (Fontes, 1972, 4).
O referido “surto” não era, segundo seu intérprete, fruto de
“desenvolvimento autógeno” e sim de “influências culturais estrangeiras,
recebidas pelos estudantes sergipanos que frequentam os meios universitários de
Recife, Bahia e Rio de Janeiro, ou transmitidas por eles aos radicados em
Sergipe” (Fontes, 1972, 4).
Levados por um impulso anacrônico, a interpretação de
Silvério nos faz lembrar o conceito de “circularidade entre as culturas”,
difundido no Brasil através, sobretudo, dos trabalhos do historiador italiano
Carlo Ginzburg, a partir de fins de década de 1980. Além disso, dois recentes
trabalhos acadêmicos nos ajudam a compreender o contexto no qual a proliferação
de estudos sobre o passado sergipano teria ocorrido. O primeiro é a dissertação
de mestrado de Eugênia Andrade Vieira da Silva, que investiga os caminhos e
descaminhos das elites sergipanas do século XIX em busca de instrução (trabalho
referenciado ao final deste artigo). O segundo é a monografia de Cristiane
Vitório de Souza, que estuda a constituição do campo intelectual sergipano nos
primórdios da República (trabalho também referenciado ao final deste artigo). A
leitura desses estudos nos faz compreender, dentre outras coisas, o papel
desempenhado pelas antigas faculdades de Direito e Medicina do Segundo
Império/Primeira República nos diferentes processos de recepção e circulação de
ideias produzidas, sobretudo, na velha Europa.
Orientando sua análise, Silvério Fontes propôs uma
periodização tripartite para a Historiografia Sergipana. A primeira fase iria
de princípios da década de 1890 a fins da década de 1920, a segunda de fins da
década de 1920 a fins da década de 1950 e a terceira teria se iniciado em
princípios da década de 1960. Trataremos de cada uma dessas fases nos próximos
textos desta série.
Sequência de fontes/bibliografia citadas:
FONTES, José Silvério Leite. Historiografia Sergipana. In:
Levantamento das fontes primárias da história de Sergipe. “Cadernos da UFS”,
Aracaju, n. 1, p. 4-7, 1972.
TRAVASSOS, Antonio José da Silva. “Apontamentos historicos e
topographicos sobre a Provincia de Sergipe”. Rio de Janeiro: Instituto
Typographico do Direito, 1875 (documento editado, também, no número 6/1916 da
Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe).
FREIRE, Felisbello Firmo de Oliveira. “Historia de Sergipe
(1575-1855)”. Rio de Janeiro: Typographia Perseverança, 1891.
FREIRE, Felisbello. “Historia territorial do Brazil (Bahia,
Sergipe e Espirito Santo)”. Rio de Janeiro: Typ. do Jornal do Commercio, 1906.
p. 273-363.
GINZBURG, Carlo. “O queijo e os vermes”: o cotidiano e as
idéias de um moleiro perseguido pela Inquisição. São Paulo: Companhia das
Letras, 1987.
SILVA, Eugênia Andrade Vieira da. “A formação intelectual da
elite sergipana (1822-1889)”. São Cristóvão, 2004. Dissertação (Mestrado em
Educação) – NPGED/UFS.
SOUZA, Cristiane Vitório de. “A ‘República das Letras’ em
Sergipe (1889-1930)”. São Cristóvão, 2001. Monografia (Licenciatura em
História) – DHI/UFS [Resumo em: SOUZA, Cristiane Vitório de. A “República das Letras”
em Sergipe (1889-1930). “Revista de Aracaju”, Aracaju, n. 9, p. 189-208, 2002].
Sobre a trajetória pessoal e profissional de Silvério
Fontes, consultar: DANTAS, Ibarê. “História da Casa de Sergipe”: os 100 anos do
IHGSE, 1912-2012. São Cristóvão: Editora UFS; Aracaju: IHGSE, 2012. p. 306-314
(Coleção Biblioteca Casa de Sergipe, 15).
(Os artigos desta série são desdobramentos das minhas aulas
de História de Sergipe, no curso de Museologia da UFS).
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Publicado originalmente no site do Jornal da Cidade, em
21/03/2016.
Silvério Fontes e a História da Historiografia Sergipana
(II).
Vimos que, em princípios da década de 1970, José Silvério
Leite Fontes, então professor dos cursos de História e Direito da UFS, propôs
uma periodização tripartite para o estudo da Historiografia Sergipana.
Por: Samuel Albuquerque.
Vimos que, em princípios da década de 1970, José Silvério
Leite Fontes, então professor dos cursos de História e Direito da UFS, propôs
uma periodização tripartite para o estudo da Historiografia Sergipana.
Segundo sua proposta, a primeira fase da Historiografia
Sergipana teve início em princípios da década de 1890 e se prolongou até fins
da década de 1920. Marcado pelo que denominou de “surto historiográfico”, o
período contou com a singular contribuição de Felisbello Freire e com a criação
do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe.
Referindo-se à “Historia de Sergipe” de Felisbello Freire,
Silvério afirmou: “[obra] até hoje não superada como trabalho amplo, embora
escrita de acordo com a filosofia liberal da época” (Fontes, 1972, 5). Essa é,
sem dúvida, uma tese válida para o momento de sua defesa. Mas, felizmente, ela
expirou à medida que a Historiografia Sergipana, ainda na década de 1970,
passou a receber significativas contribuições de autores como Ibarê Dantas e
Maria Thetis Nunes. Sobre essa questão, considero que a contribuição de
Felisbello foi superada, no que diz respeito à História da Capitania de
Sergipe, pelo conjunto do legado de Maria Thetis Nunes – com os livros “Sergipe
Colonial I” (1989) e “Sergipe Colonial II” (1996) – e Luiz Mott – com os livros
“Sergipe del Rey” (1986), “A Inquisição em Sergipe” (1989) e “Sergipe Colonial
e Imperial” (2008). Quanto à História da Província de Sergipe, Felisbello foi
superado por Ibarê Dantas, que, em 2009, publicou a biografia do senador
“Leandro Ribeiro de Siqueira Maciel”, estudando com afinco a política e a
sociedade sergipana oitocentista.
No mais, tenho dúvidas quanto ao fato de Silvério Fontes ter
lido o segundo trabalho de Felisbello Freire sobre Sergipe, pois soa estranho o
fato de o criterioso professor de Introdução aos Estudos Históricos não ter
indicado a superioridade da “Historia territorial do Brazil” (1906) em relação
à “Historia de Sergipe” (1891). O capítulo dedicado a Sergipe no livro de 1906
revela um autor maduro e que, exercitando seu poder de síntese, retoma com mais
rigor e precisão a história de sua terra natal.
Sobre a fundação do IHGSE na década de 1910, Silvério
registrou: “É então fundado o Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, a 6
de agosto de 1912, que publicará durante vários anos revista com valiosas
contribuições aos estudos históricos locais” (Fontes, 1972, 5). Sobre esse
fato, sabemos que o Instituto passou a representar uma espécie de “armadura
defensora da História”, fomentando a produção e a circulação do conhecimento
histórico local. Desde 1912, gerações e gerações de intelectuais abrigaram-se
na Casa de Sergipe, encontrando morada acolhedora para estudos, pesquisas,
debates e divulgação da História.
Na hierarquia de Silvério, os autores de maior relevância na
primeira fase da Historiografia Sergipana seriam, respectivamente: Felisbello
Freire, com sua “Historia de Sergipe” (1891); Ivo do Prado, autor de “A
Capitania de Sergipe e suas Ouvidorias” (1919); Carvalho Lima Júnior, autor da
“História dos limites entre Sergipe e Bahia” (1918) ; e Oliveira Telles, autor
de “Limites de Sergipe” (1919). Os três últimos autores teriam se destacado
enquanto devotados estudiosos do “histórico da questão de limites com a Bahia”
(Fontes, 1972, 5).
Outros autores foram relacionados por Silvério, que,
sutilmente, teceu suas críticas ao legado intelectual de parte deles. Sobre as
corografias de Laudelino Freire e L. C. Silva Lisboa, por exemplo, destaca o
valor documental e não historiográfico dessas obras (ambas referenciadas ao
final deste artigo). Crítica similar fez aos autores que “relataram o movimento
republicano e a implantação da República, no Estado”, referindo-se aos
trabalhos de Balthazar Goes, autor de “A Republica em Sergipe” (1891); Manuel
Curvelo de Mendonça, autor de “Sergipe republicano” (1896); e F. Nobre de
Lacerda, autor de “A decada republicana em Sergipe” (1906).
Manoel Armindo Cordeiro Guaraná, autor do monumental
“Diccionario bio-bibliographico sergipano” (1925), Liberato Bittencourt, autor
dos dicionários “Brasileiros illustres” (vol. 1, 1913) e “Homens do Brasil”
(vol. 1, 1917), além do padre Antonio Carmelo, autor de “Olympio Campos perante
a Historia” (1910), estariam entre os intelectuais que trataram de “exaltar” os
“sergipanos ilustres” (Fontes, 1972, 5). Nesse sentido, o analista parece
depreciar a narrativa de apologia aos “grandes homens”, que caracterizou os
trabalhos de Guaraná, Bittencourt e Carmelo. Poupados à crítica, aparecem os
autores com “interesse pela história literária e artística”, destacadamente Prado
Sampaio, autor de “A Litteratura Sergipana” (1908) e “Sergipe artistico,
litterario e scientifico” (1928).
Sem muitas delongas, a análise de Silvério Fontes conduz o
leitor para as fases seguintes da sua História da Historiografia Sergipana.
Delas trataremos no próximo artigo.
Sequência de fontes/bibliografia citadas:
FONTES, José Silvério Leite. Historiografia Sergipana. In:
Levantamento das fontes primárias da história de Sergipe. “Cadernos da UFS”,
Aracaju, n. 1, p. 4-7, 1972.
FREIRE, Felisbello Firmo de Oliveira. “Historia de Sergipe
(1575-1855)”. Rio de Janeiro: Typographia Perseverança, 1891.
NUNES, Maria Thetis. “Sergipe Colonial I”. Rio de Janeiro:
Tempo Brasileiro; Sergipe: UFS 1989.
NUNES, Maria Thetis. “Sergipe Colonial II”. Rio de Janeiro:
Tempo Brasileiro, 1996.
MOTT, Luiz Roberto de Barros. “Sergipe del Rey”: população,
economia e sociedade. Aracaju: FUNDESC, 1986 (Coleção Jackson da Silva Lima).
MOTT, Luiz Roberto de Barros. “A Inquisição em Sergipe”.
Aracaju: FUNDESC, 1989 (Coleção Jackson da Silva Lima).
MOTT, Luiz Roberto de Barros. “Sergipe Colonial e Imperial”:
religião, família, escravidão e sociedade. São Cristóvão: Editora UFS; Aracaju:
Fundação Oviêdo Teixeira, 2008.
DANTAS, Ibarê. “Leandro Ribeiro de Siqueira Maciel
(1825/1909)”. O patriarca do Serra Negra e a política oitocentista em Sergipe.
Aracaju: Criação, 2009.
FREIRE, Felisbello. “Historia territorial do Brazil (Bahia,
Sergipe e Espirito Santo)”. Rio de Janeiro: Typ. do Jornal do Commercio, 1906.
p. 273-363.
PRADO, Ivo do. “A Capitania de Sergipe e suas Ouvidorias”.
Memoria sobre questões de limites (Congresso de Bello Horizonte). Rio de
Janeiro: Papelaria Brazil, 1919.
LIMA JUNIOR, Francisco A. de Carvalho. “História dos limites
entre Sergipe e Bahia”. Aracaju: Imprensa Official, 1918.
TELLES, M. P. Oliveira. “Limites de Sergipe” (Contra o 1º
volume da compilação do Dr. Braz do Amaral, intitulada Limites do Estado da
Bahia). Aracaju: Imprensa Official, 1919.
FREIRE, Laudelino. “Quadro Chorographico de Sergipe”. Rio de
Janeiro: H. Garnier, 1898.
LISBOA, L. C. Silva. “Chorographia do Estado de Sergipe”.
Aracaju: Imprensa Official, 1897.
GOES, Balthazar. “A Republica em Sergipe (Aponctamentos para
a Historia), 1870-1889”. Aracaju: Typ. do Correio de Sergipe, 1891.
MENDONÇA, Manoel Curvelo de. “Sergipe republicano”. Rio de
Janeiro: Casa Mont’ Alverne, 1896.
LACERDA, F. Nobre de. “A decada republicana em Sergipe”.
Aracaju: Imprensa Moderna, 1906.
GUARANÁ, Armindo. “Diccionario bio-bibliographico
sergipano”. Rio de Janeiro: Pongetti & C, 1925.
BITTENCOURT, Liberato. “Brasileiros illustres”. Em todos os
ramos da actividade e do saber, de 1500 aos nossos dias. vol. I (Sergipanos
illustres). Rio de Janeiro: Gomes Pereira, 1913.
BITTENCOURT, Liberato. “Homens do Brasil”. Em todos os ramos
da actividade e do saber, de 1500 aos nossos dias. vol. I (Sergipe). 2ª edição.
Rio de Janeiro: Typ. Mascotte, 1917.
CARMELO, Antonio. “Olympio Campos perante a Historia”. Rio
de Janeiro: Gomes, Irmão & C., 1910.
SAMPAIO, Prado. “A Litteratura Sergipana”. Maroim: Imprensa
Economica, 1908.
SAMPAIO, Prado. “Sergipe artistico, litterario e
scientifico”. Aracaju: Imprensa Official, 1928.
Sobre a bibliografia que trata do papel do IHGSE na história
intelectual de Sergipe, consultar: ALBUQUERQUE, Samuel Barros de Medeiros. No
centenário da Casa de Sergipe, um presente. In: _____; et.al. História, memória
e comemorações na Casa de Sergipe: os 100 anos do IHGSE. Aracaju: Instituto
Histórico e Geográfico de Sergipe, 2014. p. 367-374.
(Os artigos desta série são desdobramentos das minhas aulas
de História de Sergipe, no curso de Museologia da UFS).
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Publicado originalmente no site do Jornal da Cidade, em
28/03/2016.
Silvério Fontes e a História da Historiografia Sergipana
(final).
Vencido o “surto historiográfico” que, segundo Silvério
Fontes, teria caracterizado a primeira fase a Historiografia Sergipana,
seguem-se períodos fastidiosos.
Por: Samuel Albuquerque.
Vencido o “surto historiográfico” que, segundo Silvério
Fontes, teria caracterizado a primeira fase a Historiografia Sergipana,
seguem-se períodos fastidiosos.
Segundo o analista de princípios da década de 1970, a
segunda fase da Historiografia Sergipana teve início em fins da década de 1920
e prolongou-se até fins da década de 1950. Silvério construiu uma representação
soturna do referido período, caracterizando-o como uma fase de “decadência”,
“arrefecimento” e “descrença” no poder criativo dos estudiosos do passado
local.
Entre os autores que, nas trevas da segunda fase da
Historiografia Sergipana, não deixaram desaparecer a chama do templo de Clio,
estariam: Sebrão sobrinho, com suas “Laudas da História do Aracaju” (1955);
Epifânio da Fonseca Dórea, com dezenas de trabalhos, sobretudo pequenas
biografias e necrológios, publicados na Revista do IHGSE entre as décadas de
1910 e 1960; Philadelpho Jonathas de Oliveira, autor de “Historia de
Laranjeiras Catholica” (1935) e de “Registo de fatos históricos de Laranjeiras”
(1942); João Dantas Martins dos Reis, que publicou trabalhos na Revista do
IHGSE a partir de princípios da década de 1940, tratando, principalmente, da
história do poder judiciário em Sergipe; Felte Bezerra, autor de “Etnias
sergipanas” (1950) e de “Investigações Histórico-Geográficas de Sergipe
(1952)”; e José Calasans, autor de “Aracaju: contribuição à História da capital
de Sergipe” (1942) e de “Temas da Provincia” (1944), além de outros estudos
publicados na Revista do IHGSE desde princípios da década de 1940.
Contundente em sua crítica, Silvério ressaltou que no
referido grupo “predominam os analistas de arquivos e de fatos isolados”,
depreciando, assim, os estudiosos do passado mais preocupados com a heurística
que com hermenêutica (mais com “preciosos” documentos e menos com a
teoria/metodologia da História). Particularmente, acredito que Felte Bezerra e
José Calasans seriam as exceções ao perfil daquele grupo.
Sobre José Calasans, aliás, o autor afirmou: “grande
conhecedor das fontes históricas de Sergipe, ainda não produziu a obra de
síntese que se espera dele” (Fontes, 1972, 5). Ao que parece, Calasans jamais
chegou a atender às expectativas de Silvério, que o representou como um exemplo
bem acabado de promessa não cumprida. Ainda assim, é preciso assinalar que a
contribuição de Calasans à História da Historiografia Sergipana superaria a
contribuição do seu crítico. Estou me referindo à clássica “Introdução ao
estudo da Historiografia Sergipana”, surgida em 1973 e publicada, somente, em
1992, no livro “Aracaju e outros temas sergipanos”.
As considerações de Silvério sobre a segunda fase da nossa
Historiografia se encerram com breves referências a autores de “estudos
esparsos”, publicados a partir de meados da década de 1940 – Bonifácio Fortes,
Fernando Porto, Austrogésilo Santana Pôrto, Joel e Junot Silveira.
A terceira e última fase da Historiografia Sergipana
remeteria à década de 1960 e a um contexto de lenta “retomada” e
“transformação”, marcado pela criação da Universidade Federal de Sergipe.
Para Silvério, no início da terceira fase a História estava
“divorciada da perspectiva local”. Mesmo na Faculdade Católica de Filosofia e,
depois, na UFS o ensino de História “era desenraizado, puramente livresco e sem
oportunidades de incentivo à pesquisa, devido à pobreza bibliográfica das
livrarias, ao patrimônio sem renovação da Biblioteca Pública, e a falta de
utilização do acervo do Instituto Histórico e Geográfico” (Fontes, 1972, 6).
Contudo, transformações ocorridas no campo intelectual teriam incentivado o que
ele chamou de “recuperação” da Historiografia Sergipana, pois “a criação da
Universidade (...) permitiu aos professores dedicarem mais tempo ao estudo e ao
ensino. A organização departamental estabeleceu maior contacto e cooperação
entre eles. Além disso, à margem do processo didático universitário, começam a
aparecer espíritos da nova geração com outro modo de visualizar a História” (Fontes,
1972, 6).
Acrísio Tôrres Araújo, autor da “Pequena História de
Sergipe” (1966) e de “Aracaju, minha capital” (1967), e J. Pires Wynne, autor
de “História de Sergipe, 1575-1930” (vol. 1, 1970), foram destacados entre os
autores de sínteses desprovidas de novidades, em termos “de investigação e de
interpretação”. Por sua vez, Jackson da Silva Lima, autor da “História da
Literatura Sergipana” (vol. 1, 1971), foi referenciado como um promissor
estudioso das práticas culturais do nosso passado.
A crítica de Silvério aos trabalhos de Acrísio Tôrres
convergia para o posicionamento de sua colega Maria Thetis Nunes, que, através
da imprensa sergipana, travaria uma longa polêmica com o estudioso cearense em
1973, enfatizando as impropriedades constantes nos livros didáticos citados
acima. Aliás, a querela intelectual que envolveu Acrísio e Thetis já foi
perscrutada por autores como Itamar Freitas, em sua “Historiografia Sergipana”
(2007), e Ibarê Dantas, na celebrativa “História da Casa de Sergipe” (2012).
Finda a leitura das reflexões de Silvério Fontes, é possível
flagrar algumas ausências na “galeria de historiadores” da qual ele foi
curador. Não sabemos ao certo o que o levou a ignorar as contribuições, por
exemplo, de Elias Montalvão, autor de “Meu Sergipe” (1916), e Clodomir Silva,
autor do “Album de Sergipe” (1920) e de “Minha gente” (1962). No mais, o texto
parece ter sido escrito para leitores familiarizados com a produção
historiográfica sergipana, posto que o seu autor não teve a preocupação de
relacionar os trabalhos da maior parte intelectuais citados.
É preciso, finalmente, registrar que, circunscrito no campo
da História da Historiografia, Silvério legou-nos, ainda, sua tese de
livre-docência, defendida em 1975 e publicada sob o título “Marxismos na
Historiografia Brasileira Contemporânea” (2000). Quanto aos estudos de História
da Historiografia Sergipana, estes foram cultivados por outros intelectuais da
década de 1970, notadamente pelo jovem itabaianense Vladimir Souza Carvalho e
pelo festejado professor José Calasans Brandão da Silva. A contribuição de
ambos será tema dos nossos próximos artigos.
Sequência de fontes/bibliografia citadas:
FONTES, José Silvério Leite. Historiografia Sergipana. In:
Levantamento das fontes primárias da história de Sergipe. “Cadernos da UFS”,
Aracaju, n. 1, p. 4-7, 1972.
SEBRÃO SOBRINHO. “Laudas da história do Aracaju”. Aracaju:
Prefeitura Municipal de Aracaju, 1955.
OLIVEIRA, Philadelpho Jonathas de. “Historia de Laranjeiras
Catholica”. Aracaju: Casa Avila, 1935.
OLIVEIRA, Philadelpho Jonathas de. “Registo de fatos
históricos de Laranjeiras”. Aracaju: Casa Avila, 1942.
BEZERRA, Felte. “Etnias sergipanas”: contribuição ao seu
estudo. Aracaju: Livraria Regina, 1950 (Coleção Estudos Sergipanos, VI).
BEZERRA, Felte. “Investigações Histórico-Geográficas de
Sergipe”. Rio de Janeiro: Organização Simões, 1952 (Coleção Rex - História do
Brasil, 2).
CALASANS, José. “Aracaju: contribuição à História da capital
de Sergipe”. Aracaju, Livraria Regina, 1942.
CALASANS, José. “Temas da Provincia”. Aracaju: Livraria
Regina, 1944 (Coleção Estudos Sergipanos, I).
SILVA, José Calazans Brandão da. Introdução ao estudo da
Historiografia Sergipana. In: “Aracaju e outros temas sergipanos”. Aracaju:
FUNDESC, 1992 (Coleção João Ribeiro). p. 7-37.
FORTES, Bonifácio. “Evolução da paizagem humana da cidade do
Aracaju”. Aracaju: Livraria Regina, 1955.
PORTO, Fernando. “A cidade do Aracaju, 1855-1865”. Ensaio de
evolução urbana. Aracaju: Livraria Regina, 1945 (Coleção estudos Sergipanos,
II).
PÔRTO, Austrogésilo Santana. “O Realismo Social na poesia em
Sergipe”. Aracaju: Livraria Regina, 1960.
ARAÚJO, Acrísio Tôrres. “Pequena História de Sergipe”.
Aracaju: Livraria Regina, 1966.
ARAÚJO, Acrísio Tôrres. “Aracaju, minha capital” (Segundo
Ano Primário). São Paulo: Editora do Brasil, 1967.
WYNNE, J. Pires. “História de Sergipe, 1575-1930”. Rio de
Janeiro: Pongetti, 1970.
LIMA, Jackson da Silva. “História da Literatura Sergipana”.
vol. I. Aracaju: Livraria Regina, 1971.
FREITAS, Itamar. “Historiografia Sergipana”. São Cristóvão:
Editora UFS, 2007. p. 214-216.
DANTAS, Ibarê. “História da Casa de Sergipe”: os 100 anos do
IHGSE, 1912-2012. São Cristóvão: Editora UFS; Aracaju: IHGSE, 2012. p. 362-363
(Coleção Biblioteca Casa de Sergipe, 15).
MONTALVÃO, Elias. “Meu Sergipe”. Ensino de Historia e
Chorographia de Sergipe. Aracaju: Typographia Commercial, 1916.
SILVA, Clodomir. “Album de Sergipe, 1820-1920”. São Paulo: O
Estado de São Paulo, 1920.
SILVA, Clodomir. “Minha gente (Costumes de Sergipe)”.
Aracaju: Livraria Regina, 1962.
FONTES, José Silvério Leite. “Quatro Diretrizes da
Historiografia Brasileira Contemporânea”. Aracaju, 1976. Tese de Livre-Docência
publicada como: _____. “Marxismos na Historiografia Brasileira Contemporânea”.
São Cristóvão: Editora UFS; Aracaju: Fundação Oviêdo Teixeira, 2000.
(Os artigos desta série são desdobramentos das minhas aulas
de História de Sergipe, no curso de Museologia da UFS).
Textos e imagem reproduzidos pelo site:
jornaldacidade.net/artigos
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