Publicado originalmente no site Caderno Mercado, em
24/04/2016.
Quatro anos sem Luiz Antônio Barreto: Homenagem a sua
memória.
Por Dilson M. Barreto (economista).
Neste domingo que passou, 17 de abril, completaram quatro
anos do falecimento do amigo muito querido, Luiz Antônio Barreto. Se vivo
estivesse entre nós, estaria, como sempre, nos alegrando com as suas agradáveis
conversas sobre política, literatura, história, expressando sempre os seus
sonhos para o futuro, os seus contatos com pessoas de renomada projeção
intelectual, as suas piadas sobre o cotidiano, reunindo em torno de si os seus
amigos seja no cafezinho do Shopping, seja na livraria Escariz. Luiz era sempre
uma casa cheia. Com a vaidade que lhe era peculiar, encantava a todos pelo seu
saber enciclopédico. Era um verdadeiro amigo dos seus amigos tanto nas épocas
das vacas gordas como de vacas magras a que foi impulsionado em sua trajetória.
Porém nunca desistiu ou se deixou vencer pelo pessimismo, não obstante, no
final de sua vida terrena, algumas mágoas carregassem no seu bondoso coração.
Luiz era um ser humano do bem. Íntegro, leal, sincero, honesto a toda prova.
Era engrandecedor desfrutar da sua amizade.
Este pequeno artigo tem como finalidade, sem intenção de
seguir uma ordem cronológica, recordar momentos agradáveis que deixaram marcas
profundas em minha memória, fruto justamente da feliz convivência com Luiz
Antônio Barreto, iniciada, salvo engano, no Conselho do Desenvolvimento de
Sergipe (CONDESE) onde exerceu o cargo de Técnico em Pesquisa. Era uma pessoa
irrequieta, sempre em busca do saber, enveredando-se pelos livros e revistas na
Biblioteca do órgão, fazendo suas anotações, discutindo com os colegas suas
opiniões. Naquela época era apenas um conhecimento formal com pouca
proximidade. Daí que devo começar este relato forçando a memória para situar-me
nos idos de 1976, no Governo do Dr. José Rollemberg Leite, época em que Luiz
Antônio exerceu o cargo de Assessor Cultural da Secretaria de Estado da
Educação, na gestão Everaldo Aragão Prado. Segundo contou-me recentemente o
Professor e amigo Jorge Carvalho, foi uma epopeia para que essa nomeação viesse
a acontecer, pois Dr. José o queria num cargo mais elevado, barrado, contudo
pelos membros do estamento militar. Insistindo na nomeação face a importância
intelectual da pessoa a ser nomeada, o Governador enfrentou os militares e, sem
retroceder em suas intenções, criou o cargo de Assessor Cultural especialmente
para Luiz Antônio. Sob seu comando neste novo cargo, a Secretaria publicou as
obras completas de Tobias Barreto (a que Luiz tinha uma devoção toda especial)
e de outros historiadores como Sílvio Romero e José Calazans, brindando o meio
cultural sergipano com a profundidade do conhecimento jurídico e filosófico de
insignes escritores.
Da mesma forma, no mesmo período, em função da sua paixão
pelo folclore de cujas discussões também participava Jackson Silva Lima, amigo
sempre presente na vida de Luiz, destacado intelectual e muito respeitado nas
rodas da cultura, muito contribuiu para a realização do Primeiro Encontro sobre
o Folclore na Cidade de Laranjeiras, e também juntos, idealizaram o Encontro
Cultural de Laranjeiras, que ainda hoje se realiza anualmente. Era uma amizade
muito forte, ao ponto do nosso homenageado frequentar constantemente a
residência desse grande historiador sergipano, alimentando em suas conversas os
sonhos, as esperanças e a construção de novos projetos voltados sempre para a
cultura. Sim, acho que foi a partir de 1976 que se estreitou nosso conhecimento
recíproco, selando uma amizade que perdurou até a sua morte prematura. Mesmo
que em algumas épocas os contatos fossem esparsos, pouco importa: a amizade e o
respeito profissional de um ao outro, o afeto no trato, selaram a amizade
construída. Sim, porque para que se permita dizer que alguém é seu amigo de
verdade, não precisa viver permanentemente entrelaçado. Mesmo que a distância
decorrente dos afazeres profissionais ocorresse em algum período do tempo,
todavia a profundidade do verdadeiro sentimento de amizade encurtava a
distância. Quando isto acontecia, contentava-me em acompanhar seus feitos e
vibrar com sua trajetória intelectual, suas viagens mundo afora.
Quando da gestão do Dr. Heráclito Rollemberg na Prefeitura
Municipal de Aracaju, Luiz Antônio era Secretário de Educação e Cultura. O seu
trabalho meritório à frente daquela pasta, a sua preocupação constante com uma
educação de qualidade, o seu projeto inovador nessa área, a forma como vibrava
ao tratar da matéria e dos seus importantes projetos, davam a marca do seu
idealismo. Lembro-me bem da implantação do Projeto “Educação Itinerante”,
servindo-se para este fim de vagões adquiridos à Rede Ferroviária Federal e da
instalação da primeira unidade em uma região extremamente pobre denominada
Aloques, onde as crianças não tinham acesso à educação. Levou-me para visitar o
projeto, explicando detalhadamente sua metodologia, que associava o ensino à
alimentação escolar e ao lazer das crianças. Mais à frente, levou-me também
para visitar o vagão-biblioteca que instalara no Parque Theófilo Dantas, também
para crianças iniciantes do primeiro grau escolar. Que felicidade para elas a
grande novidade! Os olhos de Luiz brilhavam de satisfação e um sorriso vaidoso
estampava em seu rosto, revelando sua plena realização estar servindo às
camadas mais pobres da população aracajuana e carentes do saber escolar. Ao
mesmo tempo em que as crianças em buliçosa algazarra se sentiam viajando em um
trem de verdade, viam ao seu redor centenas de livros infantis com estorinhas
que alegravam o coração e enchiam de sonhos suas mentes em formação.
Cercando-se de profissionais do mais elevado gabarito, Luiz sonhava em dotar o
município de Aracaju de um ensino de qualidade, permitindo às famílias pobres
uma oportunidade para educarem seus filhos, resgatando assim sua dignidade de
ser humano, transformando-os em verdadeiros cidadãos. O interesse por esse
trabalho também demonstrado pelo seu parceiro o Professor Jorge Carvalho, seu
amigo muito querido e de uma lealdade a toda prova, permitia consolidar a
certeza do sucesso. Tudo isto fazia-o vibrar de emoção, desde quando, cercado
por profissionais competentes, tinha a plena certeza de que seu grande sonho
transformar-se-ia em realidade. E isto o enchia de vaidade. Não a vaidade dos
medíocres, dos pobres de espírito que se enaltecem com o poder e a ele se
apegam. Luiz Antônio irradiava uma vaidade lúcida que lhe enchia o espírito por
realizar um trabalho para o outro, objeto maior da sua trajetória aqui na
terra. E que trabalho: proporcionar oportunidades novas para que essa parcela
sempre marginalizada da população tivesse condições de também, através do
saber, ascender socialmente. Como era agradável ouvir Luiz Antônio falar dos
seus projetos, do seu propósito de fazer o melhor por Aracaju, no campo da
educação e da cultura. Foi uma pena ver os vagões desaparecerem dos locais onde
estavam instalados, apagando uma história que havia sido construída com tanta
dedicação. O tempo, porém, jamais apaga as ideias e os seus construtores.
Recordo-me de Luiz cercado de livros e de um amontoado de
papéis em sua mesa de trabalho, inicialmente na “Pesquise”, embrião do que
seria mais tarde o “Instituto Tobias Barreto” por ele fundado e dirigido, agora
num imóvel localizado na Avenida Ivo do Prado, com amplo espaço para acolher
esse volume incalculável de material bibliográfico. Pesquisador incansável
sobre a história de Sergipe e de seus vultos de maior destaque na vida
econômica, política e cultural, organizou e administrou com coragem um grande
acervo tanto em livros, fotografias e outros documentos históricos, abrindo, a
partir daí a oportunidade para que estudantes dos cursos médios e
universitários coletassem suas informações e produzissem seus trabalhos
escolares e acadêmicos. O preço pelo fornecimento das informações? O prazer de servir
e ver materializado o seu esforço de pesquisador. Este era o verdadeiro perfil
de Luiz Antônio Barreto e esta apenas uma parte da sua história.
Parte 2 - Publicado em 01/05/2016.
Iniciamos no artigo anterior uma retrospectiva sobre os
momentos mais significativos que marcaram a vida de Luiz Antônio Barreto à luz
da convivência mantida com ele ao longo de vários anos da sua existência. Para
que esta homenagem obtenha o significado pretendido, segundo o meu mais
profundo desejo ela, ao abordar a trajetória de vida de Luiz, se prende a uma
cronologia não ordenada dos fatos e feitos do meu conhecimento, muitos dos
quais ocorreram ao longo dessa amizade construída através do relacionamento
funcional ou da simples convivência pelas andanças do tempo. Para tanto é que
recorro à memória, procurando resgatar as boas lembranças desse salutar
convívio. Luiz tinha o grande dom de saber conquistar amigos e consolidar amizades
verdadeiras, além daqueles amigos fortuitos que vieram a surgir no meio da
caminhada, fruto da admiração pela sua cultura e simplicidade como ser humano.
Luiz Antônio Barreto deixou sua cidade natal (Lagarto) para poder concluir seus
estudos (ginasial e médio) em Aracaju, sem, contudo, afastar o seu amor por sua
terra natal. É justamente em Aracaju que inicia sua carreira jornalística
trabalhando em momentos diferentes, no Correio de Aracaju, Sergipe Jornal, A
Cruzada, Correio de Aracaju, Jornal da Cidade e Gazeta de Sergipe, sendo neste
último Jornal a consagração da sua profissão. Porém não parou aí: estudou
Direito, não concluindo o curso, música e literatura, o que lhe permitiu um
embasamento consistente para o seu desenvolvimento intelectual, dando asas a
sua inquietante tendência para a pesquisa e a escrita.
Frequentávamos as casas um do outro. Eu mais retraído,
apropriava-me em silencio não apenas da sua conversa agradável, mas também da
sua cultura que se alargava da literatura à música, da educação ao folclore, da
poesia à história. Nos aniversários dos meus filhos, sempre estava presente,
acompanhado do primogênito Thiago, hoje um homenzarrão maior e mais forte do
que eu. Era uma festa inocente para as crianças e um momento aprazível de
alegria e boa conversa para os adultos, onde Luiz se destacava pelo seu fino
trato. O lançamento dos seus livros nos mais diversos segmentos do saber,
escritos diretamente ou em parceria com outros intelectuais de renome,
representava para ele a plenitude do seu trabalho intelectual e para nós seus
leitores, além da felicidade de participar de um evento onde velhos amigos eram
encontrados, a satisfação de ser presenteado com novos saberes. Seus escritos
não ficavam restritos à província de Sergipe Del’Rei: eles extrapolavam
fronteiras penetrando Brasil a dentro e extrapolando para o Exterior,
consolidando sua trajetória intelectual além-fronteiras, onde também passou a
gozar de respeitabilidade e admiração pelo muito que representou para a cultura
nacional.
Como era gostoso conversar com Luiz Antônio, escutar suas
estórias entre elas a de seus vários amores, eternos enquanto duravam não
importando o aspecto temporal, ouvir contar o resultado de suas últimas
pesquisas, o próximo livro em preparo para ser lançado… a recordação do seu
tempo como Jornalista da Gazeta de Sergipe de “Seu” Orlando, os editoriais
publicados, as discussões políticas e intelectuais com o seu proprietário, a
censura ao Jornal quando do período da Ditadura Militar, as perseguições e os
constrangimentos que também sofreu nesse período. O tempo sempre era curto para
tanta informação!
Não sei em que data e em que administração, mas recordo-me
de Luiz Antônio como Diretor da Galeria Álvaro Santos, promovendo com
entusiasmo os trabalhos dos artistas plásticos sergipanos, realizando diversos
eventos culturais para valorizar a prata da casa. O vejo também sendo
constantemente requisitado para emprestar seus serviços profissionais
diretamente ao Governo do Estado ou a um determinado órgão público, bem assim,
em 1972, ingressando como sócio do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe
onde desempenhou importante papel colaborando nos trabalhos daquele órgão,
inclusive nas funções de Presidente, Secretário e Orador. Lembro-me também da
sua passagem pela Fundação “Joaquim Nabuco” na Cidade do Recife durante o
período de 04 de agosto de 1983 a 21 de agosto de 1989, chefiando o Setor de
Documentação daquela instituição de pesquisa, a convite do seu presidente e
amigo pessoal Fernando de Melo Freire, também já falecido, o que o obrigou a
fixar residência temporária no Recife, oportunidade esta que lhe permitiu
expandir tanto sua área de pesquisa, como consolidar regionalmente o seu nome.
Concluiu esse período exercendo por algum tempo as funções de Chefe do
Escritório Regional daquela Fundação em Sergipe. Passando uma temporada
residindo no Rio de Janeiro, exerceu o cargo de Assessor do Instituto Nacional
do Livro. De fácil comunicação e afeito a construir boas amizades, teve no Rio
a oportunidade de estreitar relações com renomados intelectuais brasileiros,
tornando-se nacionalmente conhecido. Em Portugal marcou presença efetiva ao
dirigir o Instituto Luso-Brasileiro, estreitando as relações culturais entre
Sergipe e aquele País. Como era emocionante ouvi-lo falar com a vaidade que lhe
era peculiar, das suas idas a Lisboa, à Universidade de Coimbra, dos seus
feitos em termos de palestras e seminários que participou, além das grandes
amizades ali construídas! Portugal foi, talvez, a porta de entrada para marcar
na vida de Luiz Antônio uma trajetória internacional no âmbito da cultura e da
literatura, tornando-o um autor amplamente pesquisado e citado, especialmente a
partir da publicação das obras de Tobias Barreto. Exercendo o cargo de
Secretário de Estado da Educação no Governo do Dr. Albano do Prado Franco,
procurou implantar um ensino de qualidade, promovendo, em convênio com a
Universidade Federal de Sergipe, a formação acadêmica de nível superior dos
professores da escola pública e levando o ensino médio aos setenta e quatro
municípios do Interior, ação inigualável que permitiu deixar registrada sua
marca como grande educador.
As lembranças me fazem também enxergar Luiz Antônio
adentrando pomposamente na Academia Sergipana de Letras no ano de 1979 para ser
laureado como membro daquela Academia, ocupando a cadeira de número 23,
pertencente anteriormente ao Professor Gonçalo Rollemberg Leite, num
reconhecimento ao seu trabalho intelectual como produtor do conhecimento
científico e literário e de grande pesquisador da memória sergipana, chegando a
presidir aquela Instituição durante os anos de 1983 a 1990. Além de fundador da
Revista Perspectiva, escreveu cerca de trinta livros e centenas de artigos
sobre os mais variados assuntos, destacando-se neste conjunto as obras
completas de Tobias Barreto em dez volumes, merecendo desta forma seu ingresso
naquela casa das Letras. Marcam ainda a minha caminhada com o amigo querido
Luiz Antônio, a produção dos seus fascículos sobre “Personalidades Sergipanas”,
publicados semanalmente, de início na Gazeta de Sergipe e posteriormente no Correio
de Sergipe e que deram origem a um livro condensando todas as biografias
anteriormente publicadas. A sua vocação de pesquisador o levou também à direção
da Fundação Augusto Franco, nela colaborando intensamente na promoção da
cultura folclórica e literatura sergipana. Todos esses grandes feitos
transformaram Luiz Antônio Barreto numa grande referência intelectual tanto no
Brasil como no exterior e honra maior de todos nós sergipanos.
Texto e imagens reproduzidos do site: cadernomercado.com.br
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